Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0001821-34.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


ATO NORMATIVO. RECOMENDAÇÃO. ADOÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS À PROPAGAÇÃO DA INFECÇÃO PELO NOVO CORONAVÍRUS E SUAS VARIANTES (COVID-19) NO ÂMBITO DOS SISTEMAS DE JUSTIÇA PENAL E SOCIOEDUCATIVO. ATO APROVADO. 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - referendar a Recomendação, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Conselheiros Rubens Canuto e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 23 de março de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ATO NORMATIVO - 0001821-34.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ



RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATOR):

 

Trata-se de minuta de Ato Normativo do Conselho Nacional de Justiça que recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus e suas variantes (Covid-19) no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0001821-34.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:

 

Trata-se de minuta de Ato Normativo do Conselho Nacional de Justiça que recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas adicionais à propagação da infecção pelo novo coronavírus e suas variantes (Covid-19) no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

A relevância da matéria já ensejou a atuação deste Conselho com a edição da Resolução CNJ nº 62, de 17 de março de 2020, que, diante da relevância de suas disposições bem com da continuidade da pandemia de Covid-19, foi objeto de prorrogação pela Recomendação CNJ nº 68, de 17 de junho de 2020 e pela Recomendação CNJ nº 78, de 15 de setembro de 2020. As disposições da Recomendação CNJ nº 62/2020 e suas atualizações permanecem aplicáveis no que couber, até 31 de dezembro de 2021, competindo a cada autoridade judicial e Tribunal compatibilizá-las com o contexto epidemiológico local e a situação concreta dos casos analisados.

O Ato Normativo ora em deliberação decorre de proposta do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), sob a coordenação do Juiz Auxiliar Luís Geraldo Santana Lanfredi e supervisão do Conselheiro Mário Augusto Figueiredo de Lacerda Guerreiro, tendo em vista os efeitos do agravamento da pandemia de Covid-19 no Estado Brasileiro, sobretudo em relação à parcela mais vulnerável da população, grupo no qual se encontram adultos, adolescentes e jovens privados de liberdade.

No âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Recomendação nº 62/2020 orientou os Tribunais e magistrados a adotarem medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus (Covid-19) em relação aos sistemas de justiça penal e socioeducativo, bem como tratou de medidas para a contenção de aglomerações desnecessárias em unidades socioeducativas, em repartições e equipamentos públicos.

O ato versou sobre a temática da concessão de prisão domiciliar para o caso de encarceramento decorrente de dívidas, bem como orientou os magistrados para que, no exercício de suas atribuições de fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelassem pela elaboração e implementação de plano de contingência pelo Poder Executivo, incluindo-se aí, dentre outras, campanhas informativas, questões ligadas ao fornecimento de remédios, fornecimento ininterrupto de água, providências para se evitar o transporte coletivo de internos e a verificação da presença de equipes médicas nesses locais.

A Recomendação nº 62 ainda trouxe previsões relativas a procedimentos a serem adotados no âmbito das unidades prisionais e centros socioeducativos para os casos de suspeita ou confirmação de pessoas privadas de liberdade com Covid-19. Outrossim, tratou das medidas a serem adotadas em relação à visitação, às pessoas indígenas privadas de liberdade e à destinação de penas pecuniárias para melhoria das condições de encarceramento.

Por fim, vale frisar que a Recomendação nº 62 também orientou os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF´s) e as Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais (CIJ´s) a criarem Comitês para acompanhamento das medidas de enfrentamento à Covid-19.

A Recomendação CNJ nº 62/2020 recebeu o reconhecimento de importantes órgãos internacionais. O Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU) emitiu carta de apoio ao Estado Brasileiro[1], tendo em vista a adoção de medidas alinhadas aos parâmetros internacionais de promoção de direitos humanos difundidos por entidades especializadas da Organização[2].

No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Recomendação nº 62/2020 recebeu apoio internacional da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com a sugestão de que os demais países da região americana adotassem medidas semelhantes[3]. O documento proposto se encontra alinhado às disposições constantes na Resolução CIDH nº 01/2020, que versa sobre pandemia e direitos humanos, bem como na Resolução CIDH nº 04/2020, que dispõe a respeito dos direitos humanos das pessoas com Covid-19.

Inclusive, cabe consignar que a novel Recomendação se alinha à jurisprudência da própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tendo em vista os provimentos de urgência emitidos pela CIDH para a proteção de vida, saúde e integridade pessoal de pessoas privadas de liberdade nos Estados Unidos (Resolução nº 41/20), na Colômbia (Resolução nº 79/2020) e na Nicarágua (Resolução nº 82/20), diante das repercussões da pandemia nas situações que lhes foram apresentadas.

É importante registrar que a orientação do Conselho Nacional de Justiça também dialoga com Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo em vista sua Declaração nº 01/2020, de 09 de abril de 2020, que versa sobre Covid-19 e direitos humanos, bem como sobre os problemas e desafios que devem ser abordados sob a perspectiva dos direitos humanos e das obrigações internacionais dos Estados.

Nessa senda, parâmetros fixados pelo Tribunal Interamericano, à luz da normativa internacional, em relação ao Caso Vélez Loor vs Panamá[4], para a proteção dos direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde de pessoas em locais de privação de liberdade diante da pandemia de Covid-19 guiaram a atuação do CNJ, em especial por meio de seu Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas.

Além disso, ao reforçar orientação a Tribunais e Magistrados brasileiros, acerca da atenção prioritária às unidades prisionais e de internação de adolescentes objeto de medidas urgência proferidas pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o CNJ reafirma seu compromisso com a promoção de direitos fundamentais em alinhamento com a ordem jurídica internacional.

O apoio da sociedade é fundamental para a construção de políticas públicas junto ao Poder Judiciário. E nessa esteira, cabe lembrar que a Recomendação nº 62/2020 recebeu o apoio de entidades da sociedade civil brasileira, com manifestação de mais de 70 entidades de advogados, magistrados, defensoras e defensores públicos e grupos de promoção de direitos humanos[5].

O cerne da Recomendação ora proposta pelo CNJ é a garantia da vida e saúde das pessoas privadas de liberdade, dos magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que atuam no sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, orientando medidas direcionadas à diminuição das aglomerações em unidades prisionais e socioeducativas. Com essas medidas, indiretamente, tem-se a proteção da saúde e da segurança de toda coletividade ao evitar que haja ainda maior sobrecarga ao sistema de saúde público e reduzir riscos de conflitos, motins, fugas e rebeliões.

É bem verdade que, como reconheceu o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogério Schietti, nos autos do HC nº 572.428/ES, a Recomendação nº 62/2020 não possuía caráter vinculante. Como destacou o Ministro, “a Recomendação 62/2020 não é lei nem cria direitos ou obrigações; é somente um aconselhamento, vale dizer, um ato que conclama os juízes e os tribunais a adotarem, com razoabilidade, medidas preventivas à propagação da Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo"[6]. Aliás, outra não poderia ser a conclusão sobre a Recomendação nº 62, tendo em vista as disposições dos arts. 93, IX, e 103-B, § 4º, I, da CF/88 e art. 35, I, da LOMAN.

Além disso, por se tratar de mero ato de orientação ou aconselhamento, a Recomendação nº 62 não consiste em causa de extinção de punibilidade, nos termos do art. 107 do Código Penal; tampouco se amolda às hipóteses dos arts. 109 e 146 da Lei de Execuções Penais ou às disposições do art. 46 da Lei do SINASE. Essa conclusão é reforçada pela análise dos arts. 5º, XL, 22, I, 62, §1º, “b”, e 228, todos da CF/88, segundo os quais somente Lei Federal poderia tratar sobre a extinção de penas e medidas socioeducativas, ressalvadas as hipóteses de indultos, graça e comutação de pena (art. 84, XII, da CF/). Nessa esteira, vale frisar que as disposições da Recomendação nº 62/2020 também não se confundiam com o instituto da anistia (art. 48, VIII, da CF/88). O mesmo acontece com a Recomendação ora proposta.

A par dessas considerações, enfatiza-se que as orientações do Conselho Nacional de Justiça são diretrizes programáticas de atuação à magistratura e aos Tribunais, que indicam de que forma podem ser avaliadas as medidas adotadas pelos órgãos competentes para prevenção e enfrentamento da pandemia do novo coronavírus – Covid-19, motivo pelo qual merecem, à luz da prudência e responsabilidade estatais, ser incorporadas às rotinas processuais.

A proposta em debate consolida a atuação do Poder Judiciário em conformidade com a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal[7], bem como com a normativa do Conselho Nacional de Justiça sobre a proteção dos direitos fundamentais da população privada de liberdade adulta, adolescente e jovem no Brasil.

Nesse sentido, recomenda-se aos Tribunais e magistrados no exercício da jurisdição penal que assegurem o controle judicial das prisões por meio de audiências de custódia, nos termos da decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação nº 29.303/RJ, em conformidade com as disposições das Resoluções CNJ nº 213/2015 e 357/2020.

Além disso, recomenda-se, sempre que possível, a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência por prisão domiciliar, nos termos das ordens de habeas corpus concedidas pelo STF nos HCs nos. 143.641 e 165.704 e na forma da Resolução CNJ nº 369/2021. Quanto às pessoas indígenas, que se priorize a substituição da privação de liberdade por regime domiciliar ou de semiliberdade, nos termos do art. 56 da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio) e da Resolução CNJ nº 287/2019.

O texto ainda traz a atualização das disposições da Recomendação nº 62 em relação à necessidade de as inspeções judiciais em unidades prisionais e socioeducativas fiscalizarem também a observância dos protocolos de prevenção à Covid-19 firmados pelo Poder Público, além da priorização dos estabelecimentos que tenham sido objeto de decisões de urgência proferidas pela Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em consonância com a atuação do CNJ no sentido de aprimorar a eficiência da prestação jurisdicional por meio do uso de ferramentas tecnológicas adequadas ao período de distanciamento social, destaca-se a realização dos atos processuais por meio de tecnologia de videoconferência como regra, sinalizando, contudo, a necessidade da priorização das audiências de custódia no planejamento de retorno de atividades presenciais nos Tribunais. No que diz respeito ao sistema socioeducativo, recomenda-se que os Tribunais também confiram prioridade à audiência de apresentação e outros atos processuais em processos de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas na retomada de funcionamento presencial.

Considerando o prolongamento do período de emergência sanitária e os inequívocos impactos sobre o desenvolvimento das diversas políticas públicas, o documento ora apresentado consigna que as atividades educacionais, laborais, pedagógicas, profissionalizantes, assistenciais e religiosas no interior das unidades prisionais e socioeducativas devem ocorrer de acordo com os planos de prevenção à Covid-19 dos Estados, Distrito Federal e dos respetivos Municípios, incentivando a adoção de medidas compensatórias nas hipóteses de paralisação, suspensão ou interrupção das atividades, conforme as orientações técnicas do CNJ, publicadas em maio de 2020.

Especialmente em relação ao sistema socioeducativo, sublinha-se a necessidade de que a eventual realização presencial de atividades educacionais esteja de acordo com as medidas de prevenção adotadas pelos Poderes Públicos, cabendo aos GMFs e CIJs incentivar medidas compensatórias adequadas nas hipóteses de paralisação, suspensão ou interrupção, em consonância com as diretrizes dos órgãos oficiais de educação e do SINASE.

Ponto que mereceu especial atenção é aquele relativo aos Comitês criados para o acompanhamento das medidas de enfrentamento à Covid-19, que ganharam nova formatação jurídica, com previsão de continuidade de suas atividades e fortalecimento da participação social. Também houve o aprimoramento do sistema de coleta de dados com a recomendação de que seja realizado o preenchimento do campo específico no BNMP quando a soltura encontrar lastro na Recomendação CNJ nº 62/2020 e/ou na Recomendação CNJ nº 91/2021.

Cumpre registrar ainda a continuidade da recomendação de priorização da destinação de penas pecuniárias para aquisição de medicamentos e equipamentos de limpeza, proteção e saúde necessários às ações de enfrentamento à pandemia nos espaços de privação de liberdade de adultos, adolescentes e jovens, ressalvado apenas que essa priorização só deve ser feita quando as penas pecuniárias não puderem ser destinadas à vítima ou a seus dependentes.

Por fim, em atenção ao princípio pro homine[8], o Conselho Nacional de Justiça consigna que as orientações constantes na Recomendação ora proposta sejam interpretadas sem prejuízo de medidas mais amplas adotadas pelos Tribunais e magistrados.

São essas as razões que justificam o encaminhamento da presente proposta à consideração deste Colendo Plenário do Conselho Nacional de Justiça.

Ante o exposto, submeto ao Egrégio Plenário a presente proposta de Recomendação, nos exatos termos da minuta de ato normativo em anexo, e voto por sua aprovação.

 

Brasília/DF, __ de _________ de 20__.

 

Ministro LUIZ FUX

Presidente

 

 

 

 

 

 


RECOMENDAÇÃO No XX , DE XX  DE XXXXXXXX DE 2021. 

 

Recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas adicionais à propagação da infecção pelo novo coronavírus e suas variantes - Covid-19 - no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

 

OCONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais;

 

CONSIDERANDO a ampla recepção pelos tribunais e magistrados das medidas preventivas à propagação da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 ou novo coronavírus - Covid-19, previstas na Recomendação CNJ nº 62/2020, atualizada pelas Recomendações nº CNJ nº 68/2020 e nº 78/2020;

 

CONSIDERANDO a subsistência da crise sanitária, a eclosão de variantes virais mais contagiosas e potencialmente mais letais, a necessidade de atualização dos protocolos de proteção à saúde à luz do conhecimento científico desenvolvido sobre a matéria, bem como as consequências e impactos sociais decorrentes do longo tempo de exposição da população à Covid- 19;

 

CONSIDERANDO a Declaração do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sobre o Acesso Universal e Equitativo às Vacinas, de 15 de dezembro de 2020, e a Declaração do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre o Acesso à Vacinas contra o novo coronavírus, de 17 de dezembro de 2020;

 

CONSIDERANDO a Declaração da Corte Interamericana de Direitos Humanos nº 01/2020, de 09 de abril de 2020, que versa sobre Covid-19 e direitos humanos, bem como sobre os problemas e desafios que devem ser abordados sob a perspectiva dos direitos humanos e das obrigações internacionais dos Estados;

 

CONSIDERANDO que a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Veléz Loor vs Panamá estabeleceu, à luz da normativa internacional, parâmetros para a proteção dos direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde de pessoas em locais de privação de liberdade diante da pandemia de Covid-19;

 

CONSIDERANDO as orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos constantes na Resolução nº 01/2020, que versa sobre pandemia e direitos humanos, bem como na Resolução nº 04/2020, que versa sobre os direitos humanos das pessoas com Covid-19;

 

CONSIDERANDO a Recomendação Conjunta nº 1, de 9 de setembro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e os Ministérios da Cidadania e da Mulher, Família e Direitos Humanos, que dispõe sobre cuidados à comunidade socioeducativa, nos programas de atendimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), no contexto de transmissão comunitária do novo coronavírus (Covid-19), em todo o território nacional e dá outras providências;

 

CONSIDERANDO as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos Habeas corpus nº 143.641/SP, nº 143.988/ES, nº 188.820/DF, nº 165.704/DF, Habeas Corpus 172.136/SP, bem como na ADPF nº 347 e na Reclamação Constitucional nº 29.303/RJ;

 

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato nº xxxxx, xxxxª Sessão Ordinária, realizada em xx de xxxx de 2021;

 

RESOLVE

 

Art. 1º Recomendar aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas adicionais à propagação da infecção pelo novo coronavírus e suas variantes - Covid-19 - no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional, do sistema socioeducativo e Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs), considerando o atual contexto epidemiológico no país.

§ 1º As disposições da Recomendação CNJ nº 62/2020 e suas atualizações permanecem aplicáveis no que couber, até 31 de dezembro de 2021, competindo a cada autoridade judicial e Tribunal compatibilizá-las com o contexto epidemiológico local e a situação concreta dos casos analisados, devendo ser observado que as medidas previstas nos artigos 4º e 5º da Recomendação nº 62/2020 não se aplicam às pessoas condenadas por crimes previstos na Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa), na Lei nº 9.613/1998 (lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), contra a administração pública (corrupção, concussão, prevaricação etc.), por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica contra a mulher.

§ 2º A presente recomendação será aplicada e interpretada sem prejuízo de medidas mais amplas adotadas pelos Tribunais e magistrados.

 Art. 2º Recomendar aos Tribunais e magistrados no exercício da jurisdição penal que, em observância ao contexto local de disseminação do vírus, avaliem:

I - assegurar o controle judicial das prisões por meio de audiências de custódia, nos termos da decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação nº 29.303/RJ, em conformidade com as disposições das Resoluções CNJ nº 213/2015 e 357/2020;

II - a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência por prisão domiciliar sempre que possível, nos termos das ordens de habeas corpus concedidas pelo STF nos HCs nos. 143.641 e 165.704 e na forma da Resolução CNJ nº 369/2021;

III - a substituição da privação de liberdade de pessoas indígenas por regime domiciliar ou de semiliberdade, nos termos do art. 56 da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio) e da Resolução CNJ nº 287/2019;

IV - a realização de audiências e de outros atos processuais por videoconferência, a partir dos critérios estabelecidos na Resolução CNJ nº 329/2020.

Parágrafo único. Recomenda-se aos Tribunais que confiram prioridade às audiências de custódia no planejamento da retomada de atividades presenciais.

Art. 3º Recomendar aos Tribunais e magistrados que, no exercício da competência jurisdicional para as fases de conhecimento do processo de apuração de ato infracional e de execução de medidas socioeducativas, adotem providências para a redução dos riscos epidemiológicos em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerando especialmente:

I - a adequação da ocupação das unidades socioeducativas aos parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas corpus nº 143.988/ES;

II - a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência por medida em meio aberto sempre que possível, nos termos das ordens de habeas corpus concedidas pelo STF nos HCS nos. 143.641 e 165.704 e na forma da Resolução CNJ nº 369/2021;

III - assegurar o direito ao contato familiar, nos termos dos acórdãos proferidos nos Habeas corpus nº 143.641/SP e nº 165.704/DF, na forma da Resolução CNJ nº 367/2021;

IV - a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, a partir dos critérios estabelecidos na Resolução CNJ nº 330/2020.

§ 1º Recomenda-se aos Tribunais que confiram prioridade à audiência de apresentação e outros atos processuais em processos de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas no planejamento da retomada de atividades presenciais.

§ 2º Os cuidados para com a comunidade socioeducativa nos programas de atendimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) no contexto de transmissão comunitária do novo Coronavírus (Covid-19) deverão observar as previsões da Recomendação Conjunta CNJ/CNMP/MDH/MCidadania nº 01, de 9 de setembro de 2020.

Art. 4º Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de fiscalização de estabelecimentos prisionais, unidades socioeducativas e HCTPs, zelem pela implementação do plano de contingências e de vacinação estabelecido pelo Poder Executivo que, além das disposições dos arts. 9º e 10 da Recomendação CNJ nº 62/2020, prevejam as seguintes medidas:

I - o atendimento ao caráter prioritário dos servidores dos sistemas prisional, socioeducativo e HCTPs, bem como da população adulta privada de liberdade, dos adolescentes e dos jovens sujeitos a medidas socioeducativas, nos estritos termos dos planos de vacinação instituídos pelo Poder Executivo das respectivas unidades da federação;

II - a realização de campanhas informativas e ações de cuidado em saúde, especialmente quanto à sensibilização da vacinação e cuidados decorrentes, voltadas a agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, considerando os impactos decorrentes do longo tempo de exposição da população à pandemia e suas repercussões inclusive sobre a saúde mental, que são agravadas em grupos submetidos a maior vulnerabilidade;

III - o monitoramento dos casos confirmados de infecção e reinfecção por Covid-19 em relação a adolescentes, jovens e adultos privados de liberdade, bem como dos servidores e técnicos dos sistemas prisional, socioeducativo e HCTPs, para fins de acompanhamento futuro de eventuais sequelas decorrentes da doença;

IV - a garantia do direito ao contato familiar de adultos, adolescentes e jovens privados de liberdade, por meio da flexibilização do calendário de visitas ou do uso de tecnologias e equipamentos de transmissão de imagem e som;

V - a continuidade da realização de testagem nas unidades prisionais, socioeducativas e HCTPs, abrangendo as pessoas privadas de liberdade adultas, adolescentes e jovens, assim como os respectivos servidores.

Art. 5º As inspeções do Poder Judiciário nas unidades prisionais, socioeducativas e HCTPs observarão, dentro do possível, as diretrizes constantes das Resoluções CNJ nº 47/2007, nº 77/2009 e nº 214/2015 e das Orientações Técnicas publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça em 21 de maio de 2020, e incluirão a fiscalização da observância dos protocolos de prevenção à Covid-19 por parte dos gestores, servidores e técnicos dos estabelecimentos.

§ 1º Nas inspeções será verificada a garantia de acesso aos órgãos de controle, incluindo o Ministério Público, a Defensoria Pública, os Conselhos Penitenciários, Conselhos de Direitos, os Conselhos da Comunidade e Conselhos Tutelares, para o regular exercício de suas funções fiscalizatórias, respeitados os protocolos de segurança e prevenção à Covid-19.

§ 2º Nas atividades de fiscalização, serão priorizadas as unidades prisionais e socioeducativas objeto de decisões de urgência proferidas pela Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

             Art. 6º A realização de atividades educacionais, laborais, pedagógicas, profissionalizantes, assistenciais e religiosas no interior das unidades prisionais e HCTPs deverá ocorrer em conformidade com o plano de prevenção à Covid-19 dos Estados, Distrito Federal e Municípios em que situadas, cabendo aos GMFs incentivar a adoção de medidas nas hipóteses de paralisação, suspensão ou interrupção das atividades, considerando as Orientações Técnicas sobre políticas de cidadania e garantia de direitos às pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional durante o período de pandemia da Covid-19 publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça em maio de 2020.

Art. 7º Recomendar aos magistrados com competência para a execução de medidas socioeducativas e fiscalização de unidades socioeducativas que observem a garantia do acesso à educação e demais atividades previstas no Plano Individual de Atendimento (PIA), cuja realização presencial deve estar condicionada às medidas de prevenção adotadas nos Estados, Distrito Federal e Municípios em que situadas, cabendo aos GMFs e às CIJs incentivar a adoção de medidas nas hipóteses de paralisação, suspensão ou interrupção das atividades, em consonância com as diretrizes dos órgãos oficiais de educação e do SINASE.

Art. 8º Recomendar aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo - GMF e às Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais - CIJ a continuidade dos trabalhos dos Comitês criados para o acompanhamento das medidas de enfrentamento à Covid-19 com a adoção, entre outros, dos seguintes parâmetros:

I - a participação de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, de peritos dos Mecanismos Estaduais de Prevenção à Tortura e, na sua falta, de membros dos Comitês Estaduais de Prevenção à Tortura, além de representantes da Secretaria de Saúde, dos Conselhos e dos serviços públicos pertinentes, bem como dos Conselhos da Comunidade e das associações de familiares de pessoas presas ou adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas;

II - a fiscalização das medidas adotadas pelo Poder Público para a promoção de direitos fundamentais de pessoas privadas de liberdade adultas, adolescentes, jovens e para os demais grupos vulneráveis, com especial atenção para a necessidade de vacinação dessa população;

III - a realização de reuniões ordinárias com periodicidade mínima mensal, de maneira virtual ou presencial, conformando-se o calendário dos encontros à classificação da fase do plano de prevenção à Covid-19 do respectivo Estado ou Distrito Federal, sem prejuízo do estabelecimento de fluxo de comunicação mais ágil por meios eletrônicos;

IV - a utilização dos canais de comunicação institucionais para o diálogo com a população em geral;

§ 1º Poderão ser criados Comitês específicos para o sistema prisional e para o sistema socioeducativo, a depender da complexidade das demandas apresentadas e dos efeitos da pandemia sobre a respectiva unidade da federação.

§ 2º Os GMFs e CIJs compartilharão com o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas – DMF, informações sobre:

I - as medidas adotadas para prevenção e tratamento da Covid-19 nos estabelecimentos prisionais e socioeducativos localizados em seu âmbito de atuação, nos termos do art. 6º da Lei nº 13.979/2020;

II - os dados relativos aos números de pessoas vacinadas, os casos de contágio, cura, óbitos e a quantidade de testes realizados em pessoas privadas de liberdade adultas, adolescentes e jovens, além dos servidores e técnicos das unidades prisionais e socioeducativas.

§ 3º A ordem de soltura ou de liberação deverá ser registrada no Banco Nacional de Monitoramento das Prisões - BNMP 2.0, recomendando-se que, quando encontrar lastro na Recomendação CNJ nº 62/2020 e/ou na Recomendação CNJ nº 91/2021, seja realizado o preenchimento do campo específico relacionado, que será implementado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Art. 9º Recomendar aos Tribunais e magistrados que analisem a possibilidade de destinarem penas pecuniárias decretadas durante o período de estado de emergência de saúde pública para aquisição de medicamentos e equipamentos de limpeza, proteção e saúde necessários à implementação das ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19 nos espaços de privação de liberdade, na forma da Resolução nº 313/2020 e da Recomendação CNJ nº 62/2020, quando aquelas não se destinarem à vítima ou a seus dependentes.

Art. 10º As medidas ora recomendadas deverão vigorar até 31 de dezembro de 2021, sem prejuízo de nova avaliação, neste interregno, da possibilidade de prorrogação ou de antecipação do seu término.

 

 

 

Ministro LUIZ FUX

 



[1] Conferir: https://www.conjur.com.br/2020-abr-07/alto-comissariado-onu-apoia-recomendacao-cnj. Acesso em 03 mar. 2021

[2] Conferir o documento Interim Guidance COVID-19: FOCUS ON PERSONS DEPRIVED OF THEIR LIBERTY. Disponível em: https://interagencystandingcommittee.org/system/files/2020-11/IASC%20Interim%20Guidance%20on%20COVID-19%20-%20Focus%20on%20Persons%20Deprived%20of%20Their%20Liberty_0.pdf. Acesso em 11 mar. 2021

[3] Conferir: https://www.cnj.jus.br/cidh-pede-que-paises-adotem-medidas-do-cnj-para-enfrentar-coronaviru-em-prisoes/#:~:text=A%20mensagem%20destaca%20que%20o,e%20outros%20grupos%20de%20risco; e https://www.conjur.com.br/2020-mar-26/cidh-aprova-recomendacao-cnj-prisoes-durante-pandemia. Acesso em 03 mar. 2021.

[4] Conferir: https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/velez_se_01.pdf e https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/velez_se_02.pdf . Acesso em 11 mar. 2021.

[5] Conferir: https://www.conjur.com.br/2020-abr-11/70-entidades-apoiam-recomendacao-62-cnj. Acesso em 03 mar. 2021.

[6] Conferir: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Relator-considera-incabivel-uso-de-habeas-corpus-para-recomendacoes-administrativas-a-Justica-local.aspx. Acesso em 03 março

[7] Conferir: Habeas Corpus nº 143.641/SP, nº 143.988/ES, nº 188.820/DF, nº 165.704/DF, nº 172.136/SP, bem como na ADPF nº 347 e na Reclamação Constitucional nº 29.303/RJ.

[8] O princípio pro homine possui manifestação nos principais tratados internacionais de direitos humanos, com destaque para o art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678/1992, art. 41 da Convenção sobre direitos da criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/1990 e art. 1.2 da Convenção contra a Tortura, promulgada pelo Decreto nº 40/1991.