Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000344-39.2022.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARÁ
Requerido: CARINA CATIA BASTOS DE SENNA

 


EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DUPLICIDADE APURATÓRIA. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. NÃO APROVADA A EDIÇÃO DE RECOMENDAÇÃO A MAGISTRADOS.

1. "Não cabe a este Conselho Nacional de Justiça, em sede de reclamação disciplinar, proceder a uma nova apuração dos mesmos fatos, não sendo admissível a duplicidade apuratória" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0005641-08.2014.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 26ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 19/05/2015)

2. Recurso administrativo a que se nega provimento.

3. Não aprovada a expedição de ato normativo.

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcello Terto (vistor), o Conselho, decidiu: I - por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora; II - quanto à recomendação, por maioria, pela não edição do ato normativo. Vencidos os Conselheiros Marcello Terto e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000344-39.2022.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARÁ
Requerido: CARINA CATIA BASTOS DE SENNA


RELATÓRIO


 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Cuida-se de recurso administrativo apresentado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DO PARÁ contra decisão proferida pela Corregedora Nacional de Justiça que determinou o arquivamento sumário deste expediente por se tratar de duplicidade apuratória, nos termos da decisão Id. n. 4593926. 

Nas razões recursais, o requerente reitera que a magistrada praticou falta disciplinar ao violar diretamente o art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/1994.

Alega que o Pedido de Providências apontado na decisão como fundamento do arquivamento (duplicidade apuratória) não foi protocolado pelo requerente, mas decorreu de comunicação feita pela Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Requer a reconsideração da decisão.

A magistrada foi intimada a apresentar contrarrazões.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE apresentou petição em que requer o seu ingresso como terceira interessada e o não provimento do recurso administrativo.

É o relatório. 

A12/Z10 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000344-39.2022.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARÁ
Requerido: CARINA CATIA BASTOS DE SENNA

 


VOTO

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):  

 

De início, defiro o pedido formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE para que seja incluída nos autos na condição de terceira interessada, nos termos do artigo 97 do RICNJ e do artigo 9º da Lei n. 9.784/1999, recebendo o procedimento no estado em que se encontra.

A Secretaria Processual deve adotar as providências necessárias à viabilização do acesso aos autos. 

Após análise das razões recursais apresentadas, subsiste a conclusão consignada na decisão de Id 4593926, não sendo apresentados elementos novos a infirmar o arquivamento da reclamação disciplinar.

Com efeito, conforme relatado pela própria requerente, a questão posta neste expediente já foi objeto de apuração pela Corregedoria Regional da Justiça Federal da 1ª Região, que determinou o arquivamento da representação disciplinar.

Cumprindo o disposto na Resolução CNJ n. 135, a Corregedoria Regional da Justiça Federal da Região noticiou o arquivamento de representação contra a magistrada Carina Cátia Bastos de Senna, que foi apreciado pela Corregedoria Nacional de Justiça no Pedido de Providências 0005533-32.2021.2.00.0000 e arquivado definitivamente em 03/09/2021.

Assim, é de rigor o arquivamento deste requerimento, visto que "não cabe a este Conselho Nacional de Justiça, em sede de reclamação disciplinar, proceder a uma nova apuração dos mesmos fatos, não sendo admissível a duplicidade apuratória" (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0005641-08.2014.2.00.0000 – Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 26ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) – j. 19/05/2015).  

Por fim, vale registrar que independente da forma como o requerimento aportou à Corregedoria Nacional, os fatos narrados foram efetivamente apurados, o que inviabiliza a nova apuração.

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.    

 

É o voto. 

 

A12/Z10

 

Reclamação Disciplinar nº 0000344-39.2022.2.00.0000 

Recorrente:  Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará 

Recorrida:     Carina Cátia Bastos de Senna 

  

 

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

(PARA APROVAÇÃO DE RECOMENDAÇÃO)

 

 

Trata-se de recurso administrativo interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO PARÁ (OAB/PA) contra a decisão que determinou o arquivamento da reclamação disciplinar apresentada em desfavor de CARINA CATIA BASTOS DE SENNA, Juíza Federal da 12ª Vara dos Juizados Especiais Federais, Seção Judiciária do Pará, por interferir, de ofício, na relação contratual dos advogados com o seus clientes.

Adoto o relatório lançado pela eminente Relatora.

No mérito, apesar de aderir à conclusão pelo não provimento do recurso administrativo, em razão do assentado entendimento deste Conselho quanto à vedação à duplicidade apuratória, registro minha especial preocupação em relação à conduta da magistrada de reduzir, de ofício, os honorários contratuais ajustados entre advogados e os seus representados, de 35% (trinta e cinco por cento) para 30% (trinta por cento), por entender que o percentual fixado afrontaria os limites postos pela ética e razoabilidade.

A matéria é de extrema relevância, sobretudo em razão da natureza alimentar dos honorários advocatícios reconhecida pela Súmula Vinculante nº 47 do e. Supremo Tribunal Federal[1], tratando-se de forma de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado vital para o seu sustento, desenvolvimento e custeio profissional.

Conquanto o entendimento de que o ato em apreço possuiria natureza eminentemente jurisdicional, e, portanto, não estaria sujeito ao poder correcional deste Conselho, não se pode ignorar que este mesmo CNJ entende que a independência judicial não é incompatível com o controle disciplinar da magistratura, sendo possível a responsabilização administrativo-disciplinar do magistrado quando, no exercício da atividade jurisdicional, age de forma reiterada, contrariando dispositivos legais expressos (CNJ - SIND - Sindicância - 0002699- 76.2009.2.00.0000 - Rel. Gilson Dipp - 108ª Sessão - j. 29/06/2010). Por esse motivo, é importante que se estabeleça um norte para que os magistrados, em todas as instâncias e especialidades do Poder Judiciário, compreendam os limites da intervenção nas relações contratuais firmadas entre os profissionais da advocacia, cuja atuação é legalmente regulamentada, e os seus clientes.

Em respeito ao quanto decidido nos autos do Pedido de Providências 0005533-32.2021.2.00.0000, arquivado definitivamente em 03/09/2021, não pretendo, aqui, propor a abertura de procedimento disciplinar em desfavor da magistrada recorrida, mesmo porque não se tem notícias de que a conduta tenha sido por ela praticada com recorrência estrutural.

Inobstante, é possível identificar uma prática irregular frequente nesse sentido por parte de outros magistrados, como se observa nos autos do Pedido de Providências nº 0005475-78.2011.2.00.0000, em trâmite neste CNJ, e da Ação Civil Pública nº 0001637-17.2016.4.01.3506, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de modo que, dada a gravidade do que foi aqui apresentado e considerando não se tratar de fato isolado, entendo que a situação demande uma análise mais aprofundada.

À evidência, o ato da magistrada de reduzir, de ofício, honorários advocatícios contratuais livremente pactuados entre advogados e constituintes pode chegar a ser classificado como ilegal e arbitrário. Esse tipo de postura, além de se encontrar fora dos limites das suas atribuições constitucionais, uma vez que compete ao Conselho Seccional da OAB fixar os parâmetros para a cobrança de honorários, conforme artigo 58, V, da Lei 8.906/1994[2]; interfere, indevidamente e sem provocação, em relação de natureza privada validamente pactuada entre partes capazes, e, sem respaldo legal, reduz a remuneração dos serviços do advogado, atingindo a sua dignidade profissional.

O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei; presta, em seu ministério, serviço sempre público, e exerce função social, contribuindo, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, mediante condução pacífica e dialógica da resolução de conflitos e o convencimento do órgão jurisdicional competente (CRFB, artigo 133; e Lei 8.906/1994, artigo 2º).

A prestação dos serviços profissionais por advogado é remunerada mediante a cobrança de honorários advocatícios na forma assegurada pelo artigo 22 da Lei 8.906/1994[3]. Essa pactuação é livre e está inserida no campo da autonomia da vontade das partes e sujeita aos limites impostos pela ética profissional não sindicável fora da esfera de competência dos órgão do Sistema OAB.

O artigo 49 do Código de Ética da Advocacia, nesse contexto, orienta para que as condições convencionadas estejam previstas em instrumento, preferencialmente escrito, devendo o profissional, além de observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, fixá-los com moderação dentro dos parâmetros estabelecidos pela própria OAB[4].

Não por outro motivo, o e. Desembargador Federal João Luiz de Sousa, do e. TRF da 1ª região, cassou decisão do decisão do Juízo da comarca de Jaraguá/GO que, a pedido do Ministério Público, determinara a redução de honorários contratuais em ação previdenciária já na fase final do feito e na iminência de se expedir a RPV, considerando abusiva a fixação dos honorários advocatícios contratuais em 50% das parcelas vencidas ou atrasadas, reduzindo tal percentual para 30%.

Na ocasião, constatou-se que a tabela de honorários da OAB/GO permitia que, nos contratos de serviços advocatícios previdenciários em que o pagamento é feito somente na hipótese de êxito, o limite ético de contratação era, sim, de até 50% das parcelas vencidas ou atrasadas, de modo que “a parte agravante estipulou percentual de honorários contratuais admitido pelo seu conselho de classe para as ações previdenciárias, agindo, portanto, de boa-fé".

A partir dessa mesma compreensão do problema, o e. Ministro Humberto Martins, nos autos da SLS nº 3.007/GO – 2021/0329146-9, em 05 de novembro de 2021suspendeu os efeitos da decisão de primeiro grau proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 0001637-17.2016.4.01.3506, movida pelo Ministério Público Federal, para fixação dos honorários advocatícios na tabela de honorários do Estado de Goiás, no percentual máximo de 30% sobre as parcelas vencidas para as causas previdenciárias em trâmite no Juizado Especial Federal, uma vez que decisões judiciais que interferem na liberdade contratual do advogado e da parte contratante dos seus serviços provoca grave lesão à ordem pública”.

Com efeito, a liberdade contratual encontra óbice somente em caso de contraposição à lei. Nesse sentido, caso uma das partes contratantes identifique algum vício ou deixe de concordar com o valor ajustado, competiria a ela buscar, em processo específico destinado a esse fim, a revisão das cláusulas contratuais. Não compete, assim, aos magistrados, em demandas cujo pedido ou causa de pedir não contemplem pleito relativo à redução ou majoração de honorários, pronunciar-se ex officio sobre essa questão.

Ademais, nos termos do artigo 22, § 4º, da Lei 8.906/1994, se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de se expedir o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou. A lei não autoriza o magistrado a decidir, a qualquer pretexto, sobre a remuneração dos serviços do advogado, reduzindo-os, de ofício.

O arcabouço normativo do tema, por outro lado, evidencia que lei nacional, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), outorgou à OAB a competência para fixar os parâmetros para cobrança de honorários, o que é levado a efeito através da Tabela de Honorários das Seccionais e das orientações contidas no Código de Ética da Advocacia.

Por esse motivo, diante das reiteradas violações das prerrogativas dos advogados relativas ao que lhes é essencial, a remuneração dos serviços prestados, proponho a atuação do CNJ através de recomendação no sentido de que os magistrados se abstenham de interferir, de ofício, na relação entre o advogado e o cliente, especialmente quando se tratar da definição do valor dos honorários contratuais, em demandas cujas causas de pedir e pedidos não digam respeito à redução dessa verba alimentar.

Ante o exposto, ACOMPANHO A RELATORA, votando por negar provimento ao recurso administrativo, mas PROPONHO, na forma do artigos 4º, I, e 102 do RICNJ, a partir deste caso concreto, que se expeça recomendação no sentido de que os magistrados e magistradas não interfiram, de ofício, no valor ou percentual dos honorários contratuais dos advogados, especialmente em demandas previdenciárias.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro Marcello Terto

CNJ

 

 

[1] Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

[2] Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

...

V - fixar a tabela de honorários, válida para todo o território estadual;

 

[3] Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

[4] Art. 49. Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os elementos seguintes:

I – a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;

II – o trabalho e o tempo a ser empregados;

III – a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros;

IV – o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para este resultante do serviço profissional;

V – o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente eventual, frequente ou constante;

VI – o lugar da prestação dos serviços, conforme se trate do domicílio do advogado ou de outro;

VII – a competência do profissional;

 

VIII – a praxe do foro sobre trabalhos análogos.