Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006548-36.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SUELI PEREIRA PINI

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADA SEM AFASTAMENTO CAUTELAR. INSTRUÇÃO. PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO DE PROVAS CONSIDERADAS IRRELEVANTES E IMPERTINENTES. POSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO JULGADOR. AMPARO LEGAL. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 27 de maio de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins (Relator), Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o Conselheiro representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006548-36.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SUELI PEREIRA PINI


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso interposto pela magistrada Sueli Pereira Pini contra decisão que indeferiu provas postuladas no presente processo administrativo disciplinar (PAD).

O feito foi instaurado por este Conselho em desfavor da recorrente, então Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, sem o afastamento cautelar da magistrada, com o objetivo de apurar a violação, em tese, dos deveres impostos pelos arts. 35, I e II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como pelos arts. 1º e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, por suposto recebimento indevido de diárias durante sua atuação no Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) (Ids. 4458219 e 4458216).

Distribuídos os autos ao meu antecessor, foi determinada a intimação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para manifestação (Id. 4463705), bem como a citação da magistrada, para que apresentasse as razões de defesa e indicasse as provas que entendesse necessárias (Id. 4472101). 

Em resposta, o Parquet pleiteou a expedição de ofício ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com solicitação de compartilhamento de cópia integral do Inquérito 1473/DF, e posterior vista dos autos (Id. 4471253).

Citada (Id. 4525953), a magistrada apresentou defesa, na qual defendeu a improcedência da acusação e postulou a produção de provas (Id. 4528876). Noticiou, ainda, que passaria a atuar em causa própria (Id. 4531777).

Concluso o feito, foram saneadas as questões processuais pendentes e definida a produção de provas (Id. 4604893).

Irresignada, a requerida se insurgiu contra o indeferimento da realização de perícia contábil e da requisição de planilha com diárias pagas pelo TRE-AP a todos os magistrados e servidores de 2017 a 2019 (Id. 4607199).

Em cumprimento à determinação de Id.4585798, o TRE-AP apresentou planilha com informações sobre as localidades das correições/revisões, objeto da Portaria CNJ 9/2021, e cópia do Processo Administrativo 0002374-28.2018.6.03.8000, que trata de devolução de diárias relativas à correição realizada em Laranjal do Jari (Ids. 4614014, 4614015, 4614216 a 4614218). 

Instada a se manifestar sobre a irresignação da magistrada (Id. 4616281), a PGR defendeu o indeferimento das provas e sustentou a inexistência de prejuízo (Id. 4634119).

Na sequência, sobreveio ofício do STJ, no qual aquela Corte informou que o Inquérito 1473/DF foi remetido à Justiça Federal, em virtude do declínio de competência, decorrente da aposentadoria voluntária da magistrada (Id. 4635693).

Mantido o indeferimento das provas consideradas impertinentes e concedida vista dos autos ao Ministério Público e à requerida (Id. 4644273), o Parquet manifestou ciência da documentação coligida ao feito e pleiteou fosse expedido ofício à Justiça
Federal/Seção Judiciária do Amapá, “solicitando o compartilhamento dos autos que se formaram a partir do recebimento do Inquérito 1473/DF” (Id. 4659892).

A magistrada, por seu turno, afirmou que não tem recebido as notificações eletrônicas e que só tomou conhecimento da vista concedida devido à consulta fortuita dos autos. Assim, postulou a dilação do prazo e que passasse a ser intimada por Whatzapp (Id. 4665020).

Retornados os autos, foi solicitado à Seção Judiciária do Amapá o compartilhamento do feito que se formou a partir do recebimento do Inquérito 1473/DF; determinado que as intimações da requerida passem a ocorrer por meio do aplicativo Whatzapp; e reaberto o prazo para manifestação da magistrada (Id. 4672459).

De modo a garantir a regularidade do feito, o Plenário do CNJ prorrogou o prazo de conclusão do PAD por mais 140 dias, a contar de 3/2/2022 (Id. 4676179).

Devidamente intimada, a magistrada insistiu que o recurso interposto contra o indeferimento de provas deve ser submetido ao Colegiado deste Conselho (Id. 4682280) e apresentou considerações sobre os documentos juntados pelo TRE-AP (Id. 4683884).

É o relatório.

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006548-36.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SUELI PEREIRA PINI

 

VOTO

 

Conforme relatado, o presente recurso foi interposto pela magistrada Sueli Pereira Pini contra decisão que, no curso do presente PAD, indeferiu a realização de perícia contábil e a requisição de planilha com diárias pagas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) a todos os seus magistrados e servidores no período de 2017 a 2019. 

Nas razões recursais, defende, em síntese, que a negativa de produção dessas provas “ofende sobremaneira com princípio da ampla defesa da ora Recorrente” (Id. 4607199).

Ao promover o juízo de admissibilidade, verifico que foram preenchidos os pressupostos recursais, devendo, assim, ser conhecido. No mérito, porém, considero que deve ser negado provimento ao recurso, porquanto não foram apresentados elementos ou fatos novos hábeis a reformar a decisão impugnada, que reproduzo abaixo:

 

Nos termos do art. 18 da Resolução CNJ 135/2011, apresentada a defesa prévia, cabe ao Relator decidir sobre os atos de instrução e a produção de provas. Desse modo, à luz dos regramentos aplicáveis à matéria, passo a apreciar as alegações e pleitos trazidos pela requerida e pela PGR.

[...]

I - Dos pedidos apresentados pela magistrada

[...]

Em relação ao pleito de que seja requisitado ao TRE -AP a apresentação de planilha com listagem das viagens, períodos, valores de diárias pagos e os respectivos comprovantes de pagamentos ou depósitos referentes ao biênio 2017/2019, considero que se trata de postulação que deve ser parcialmente acolhida.

Com efeito, verifica-se, da portaria que instaurou o PAD (Portaria CNJ 9/2021), que as diárias objeto da presente apuração não alcançam todo o mandato da requerida no TRE-AP (biênio 2017/2019), mas tão somente os períodos e unidades de correição/revisão delimitados por este Conselho. Confira-se: [...]

Dessa forma, conquanto seja possível deferir a requisição de planilha ao TRE -AP, o documento a ser solicitado deverá se ater às diárias que constam da aludida portaria, e não abranger todo o mandato, como pretende a requerida.

Também não merece acolhida o pedido de que seja requisitado ao TRE-AP “planilha geral do pagamento de diárias de todos os magistrados membros e servidores do período de 2017 a 2019”, já que não guarda pertinência com o objeto deste PAD, que, como já dito, está circunscrito à conduta da magistrada.

Deve ser igualmente indeferida a solicitação de que se realize perícia contábil sobre os alegados valores percebidos indevidamente, pois não se está aqui a atuar em feito judicial ou a exercer “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” (arts. 70 e 71 da Constituição Federal), atividade típica do TCU, que visa a determinar a aplicação de pena pecuniária por dano causado ao erário.

O que ora se promove é a condução de processo disciplinar, no qual se busca identificar a compatibilidade de suposta conduta adotada pela requerida e os preceitos que balizam a carreira da magistratura, para eventual aplicação das penalidades previstas nos arts. 42 da Lei Orgânica da Magistratura (LC35/1979) e 3º da Resolução CNJ 135/2011.

Ou seja, o que importa é a comprovação ou não da conduta (no caso, o suposto recebimento de diárias sem o devido deslocamento), e não a precisão dos valores supostamente obtidos.

IV - Dispositivo

Ante o exposto, nos termos da fundamentação:

[...]

d) indefiro, com fulcro na aplicação subsidiária do art. 400, §1°, do Código de Processo Penal, e art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, os pedidos de requisição de planilha com dados de diárias de todos os magistrados e servidores do TRE –AP, bem como de realização de perícia contábil;

e) defiro os pleitos de que:

[...]

II- seja oficiado ao TRE–AP para que:

[...]
· apresente planilha com informações sobre as localidades das correições/revisões objeto da Portaria CNJ 9/2021 (Id. 4458216), o período de deslocamento, o número de diárias percebidas, os valores recebidos e respectivos comprovantes;

[...] (Id. 4585798)

 

Como se vê, a decisão combatida foi devidamente fundamentada e ancorou-se em previsões legais que asseguram ao julgador a prerrogativa de indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (art. 400, §1°, do Código de Processo Penal, e o art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

Não por outra razão, cuida-se de medida que também encontra guarida em precedentes da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça:

 

STF

                                                                                

Constitucional e Processo Penal. Agravo regimental em RHC. crime de pornografia infantil (art. 241, caput, da Lei n. 8.069/90, com a redação dada pela Lei n. 10.764/03). Testemunha desconhecedora dos fatos e do réu. Indeferimento da oitiva. Decisão fundamentada (artigo 400, § 1º, do CPP): Testemunha habilitada em informática e/ou direito eletrônico. Oportunidade de juntada de documento pertinente a tais conhecimentos técnicos. Ausência de afronta à ampla defesa. Decisão monocrática que nega seguimento a pedido ou recurso em contrariedade com a jurisprudência do Tribunal (artigos 21, § 1º, e 192 do RISTF). Precedentes.

1. O princípio do livre convencimento racional, previsto no § 1º do art. 400 do CPP, faculta ao juiz o indeferimento das provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Precedentes: 

[...]

3. Deveras, tendo o magistrado indeferido fundamentadamente a oitiva, não cabe a esta Corte imiscuir-se em seu juízo de conveniência para aferir se a oitiva da testemunha era pertinente ou não ao interesse da defesa. 

4. [...]. 5. [...]. 6. Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (grifos nossos)

(RHC 126853 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/08/2015, DJe-182 DIVULG 14-09-2015 PUBLIC 15-09-2015)

 

STJ

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. PENA DE DEMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 

[...]

4. Desde que devidamente fundamentado, o indeferimento de provas consideradas impertinentes ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos, a juízo da comissão processante, não macula a integridade do processo administrativo disciplinar. 

5. Aplicação da pena de demissão com amplo lastro probatório, calcado não apenas nas escutas telefônicas devidamente franqueadas à comissão processante, por decisão do juízo criminal, mas nas diversas manifestações prestadas durante o depoimento de testemunhas.

6. A declaração de possíveis nulidades no processo administrativo disciplinar, segundo o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), depende da efetiva demonstração de prejuízos à defesa do servidor.

7. Segurança denegada. (grifo nosso)

(MS 14.502/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 24/02/2016)

 

Desse modo, reitero que a planilha com o conteúdo pretendido (diárias pagas pelo TRE-AP a todos os seus magistrados e servidores no período de 2017 a 2019) não guarda pertinência com o objeto deste PAD, que está circunscrito à conduta da magistrada (suposto recebimento indevido de diárias durante sua atuação no TRE-AP).

Como foi deferido o pedido de que o TRE–AP apresente planilha com informações sobre as localidades das correições/revisões objeto da Portaria CNJ 9/2021 (Id. 4458216), o período de deslocamento, o número de diárias percebidas, os valores recebidos e respectivos comprovantes referentes às viagens da ora recorrente, afigura-se sem qualquer relevância requerer dados de magistrados e servidores que não têm relação com os autos.

Além disso, mostra-se dispensável a realização de perícia contábil, quando o que importa para o juízo acerca da suposta falta imputada à requerida é a comprovação ou não da conduta (no caso, o suposto recebimento de diárias sem o devido deslocamento), e não a precisão dos valores supostamente obtidos.

Tanto é assim que a manifestação do Parquet também foi no sentido de ter sido acertado o indeferimento das provas e da ausência de prejuízo à defesa (Id. 4634119):

 

17. Não se vislumbra, portanto, a utilidade da prova requerida para o esclarecimento dos fatos, assistindo razão ao Conselheiro Relator ao ponderar que o pleito não guarda pertinência com o objeto do procedimento administrativo disciplinar.

18. Ademais, segundo informado na própria peça recursal, a recorrente já apresentou nos autos um quadro comparativo com os valores percebidos, o que serviria, portanto, ao escopo de demonstrar sua postura ética, alegado como motivo para a produção da prova. Não há que se falar, assim, em prejuízo a tal tese defensiva em virtude da não realização da diligência. 

[...]

22. Pontua-se, por fim, que a produção das provas se destina à formação do convencimento do julgador, que poderá indeferir aquelas consideradas desnecessárias ou inconvenientes. Neste sentido, é o entendimento sedimentado pela jurisprudência pátria:

[...]

23. No presente feito, verifica-se que o Conselheiro Relator atuou dentro dos limites do razoável ao indeferir, de modo fundamentado, as provas que considerou irrelevantes para a adequada instrução do presente procedimento administrativo disciplinar, não logrando êxito a recorrente em comprovar a pertinência dos pleitos com o objeto da apuração e, tampouco, o prejuízo concreto suportado pela defesa diante da decisão prolatada. (grifos nossos)

 

À vista, portanto, das razões apresentadas, necessário concluir pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo-se hígida a decisão guerreada.

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso administrativo, porém, no mérito, NEGO-LHE provimento.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema. 

  

MAURO PEREIRA MARTINS 

Conselheiro Relator