Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000848-50.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO VIEIRA FRANZONI JUNIOR
Requerido: EZEQUIEL RODRIGO GARCIA

 

 

EMENTA   

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CONDUTA EXERCIDA DENTRO DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. 

1. A fundamentação das decisões, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar. 

2. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual, a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões. 

3. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional. 

4. Ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais dos magistrados.  

Recurso administrativo não provido.   

 

 

 

J01/S34

 

  

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 16 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000848-50.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO VIEIRA FRANZONI JUNIOR
Requerido: EZEQUIEL RODRIGO GARCIA


RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

         

Cuida-se de recurso administrativo interposto por CARLOS ALBERTO VIEIRA FRAZONI JÚNIOR contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça (Id. 3559108).    

Na petição inicial, o requerente, ora recorrente, insurgiu-se contra a atuação de EZEQUIEL RODRIGO GARCIA, Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Palhoça/SC, nos autos da Ação de Reintegração de Posse n. 0009258-12.2007.8.24.0045 e da Ação de Interdito Proibitório n. 0007665-45.2007.8.24.0045, que tramitaram em conjunto e foram julgadas improcedentes.

Discorreu acerca das questões materiais e processuais atinentes às demandas para amparar suas razões. Esclareceu que não pretendia rediscutir o mérito das decisões, e sim possível violação dos deveres funcionais da magistratura, tendo em vista os fatos relacionados ao presente expediente. 

Aduziu que, por meio da sentença, o juiz aconselhou de forma subliminar a parte adversa a ingressar com ação de usucapião, informando que havia se implementado o tempo da prescrição aquisitiva do imóvel objeto das referidas ações, em razão do seguinte trecho “Destarte, o argumento de exceção da usucapião, devidamente demonstrado, corrobora que a posse pertence ao réu a ponto de, com a interposição da ação cabível, convertê-la em propriedade. E, em decorrência disso, o pedido da parte autora há de ser rejeitado (...)”.

Esclareceu que interpôs recursos em ambos os processos, sendo que a um foi negado provimento e o outro ainda se encontra pendente de análise.

Informou que foi ajuizada nova demanda para rediscutir a propriedade do mesmo imóvel, Processo n. 0302584-27.2016.8.24.0045.  Contudo, o magistrado teria ignorado a litispendência das ações, convertido o processo eletrônico de quase 500 páginas em físico, determinado o segredo de justiça sem fundamentação legal para tanto e concedido medida liminar de forma contrária à prova dos autos, em apertado lapso temporal.

Esclareceu que protocolou a Exceção de Suspeição n. 0002904-53.2016.8.24.0045, alegando parcialidade na condução do feito.

Nesse contexto, aduziu que o magistrado estaria agindo em detrimento de sua cliente, situação configurada na morosidade para despachar os autos, no desprezo a provas constantes dos autos e na negativa de fé a documento público.

Noticiou, ainda, que, posteriormente, a demanda diversa teria sido objeto de reclamação do CNJ. Defendeu que, por essa razão, o magistrado, motivado por ódio do reclamante, teria imputado injustamente a ele injúria e difamação. Ademais, teria encaminhado cópia dos autos ao Ministério Público para apuração de eventual delito, além de se declarar suspeito para atuar em todos os processos patrocinados pelo reclamante que tramitam na vara.

Acrescentou, por fim, que, em outra demanda (Processo n. 0308101-13.2016.8.24.0045), o magistrado teria proferido despacho horas antes da audiência, indeferindo documentos e testemunhas e impossibilitando a interposição de recurso em tempo hábil.

Imputou ao magistrado violação dos arts. 1º, 8º, 9º, 22, 27 e 39 do Código de Ética da Magistratura.

Requereu, liminarmente, o afastamento do magistrado de suas funções. No mérito, a apuração dos fatos narrados.

Analisados o requerimento inicial e os documentos juntados, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento sumário do expediente, porquanto não verificada justa causa para instauração de processo administrativo (Id. 3546881).   

Inconformado, o requerente, ora recorrente, apresentou, tempestivamente, recurso administrativo repisando os argumentos expedidos na inicial (Id. 3559108).   

Em suas razões, defende que a prova documental juntada aos autos, notadamente peças dos processos judiciais objeto da reclamação, demonstra a procedência da irresignação e a sua desconsideração configura negativa de fé a documento público.

Sustenta que os vícios perpetrados no deslinde das demandas são suficientes para se determinar a abertura de processo administrativo.

Repete que não tem objetivo de reverter decisão judicial e que para isso interpôs os recursos pertinentes.

Requer o acolhimento e provimento do presente recurso, cassando-se a decisão recorrida, a fim de instaurar processo administrativo contra o magistrado reclamado.

É, no essencial, o relatório.   

   

J01z08/S34

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000848-50.2019.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO VIEIRA FRANZONI JUNIOR
Requerido: EZEQUIEL RODRIGO GARCIA



VOTO

            

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):    

Após análise das razões recursais, subsiste a conclusão de ausência de elementos mínimos da prática de falta funcional pelo magistrado requerido que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

Apesar de o recorrente tentar classificar a atuação do magistrado como questões disciplinares, é inequívoco o caráter jurisdicional do pleito. Efetivamente, o conteúdo de decisões judiciais e a subjetiva convicção das partes de que estas foram proferidas em dissonância com a legislação vigente e as provas constantes dos autos não são suficientes para ativar a atuação correcional.

Neste aspecto, a fundamentação da decisão, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual, a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões.   

No mais, ainda que a revisão de atos de natureza jurisdicional não tenha sido propriamente requerida pelo recorrente, nunca é demais dizer que a solução de eventual equívoco jurídico incorrido pelo julgador na condução do processo deve ser buscada na jurisdição, e não pela via correcional, que se restringe, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".  

Neste sentido é o entendimento deste Conselho Nacional: 

 

“[...]
 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TERATOLOGIA DE ATOS E DECISÕES JUDICIAIS. NÃO VERIFICADA.  MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. RECURSO NÃO CONHECIDO. 
 

1. O fundamento para se afirmar que um ato ou decisão judicial é teratológico não está submetido aos critérios subjetivos e passionais das partes, mas sim se o ato está fora do limite do razoável e incompreensível dentro do ambiente da racionalidade do sistema, o que não foi demonstrado pelo recorrente, que apenas narrou a sua discordância e posição jurídica acerca do andamento do processo judicial; 
 

2. Eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial teratológico, muito menos para justificar intervenção correcional;  
 

3. A solução de eventual equívoco jurídico de magistrado na condução do processo deve ser buscada na jurisdição. 
 

4. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88) impede-o de apreciar questão discutida em sede jurisdicional. 
 

5. Recurso não provido. [...]”  (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0009341-84.2017.2.00.0000 –Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 49ª Sessão Extraordinária – j. 14/8/2018.)   

  


“[...]
 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. OPÇÕES JURÍDICAS DO JULGADOR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. PARCIALIDADE DO MAGISTRADO. NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA OU DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO. 
 

1. Irresignação acerca de conteúdo de decisão judicial deve ser impugnada na própria jurisdição.  
 

2. Argumentos expostos pelo recorrente estão circunscritos ao contexto da demanda judicial e as opções jurídicas do julgador. 
 

3. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional.  

4. Ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais do magistrado. 
 

5. Alegação de parcialidade do magistrado foi narrada de forma genérica, descontextualizada e decorre de conclusão arbitrária e subjetiva do recorrente, sem valor correcional. 
 

6. Parcialidade do magistrado não verificada.    

7. Recurso administrativo não provido. [...]” (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0000771-75.2018.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão Ordinária – j. 7/8/2018.)  

 

Portanto, o recurso administrativo interposto não logrou êxito em infirmar a decisão de arquivamento, razão pela qual não merece prosperar.  

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.  

É como penso. É como voto. 

  

MINISTRO HUMBERTO MARTINS 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

J01z08 /S34



 

Brasília, 2019-08-19.