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Detalhes da Jurisprudência
Número do Processo
0009672-61.2020.2.00.0000
Classe Processual
ATO - Ato Normativo
Subclasse Processual
Relator
LUIZ FUX
Relator P/ Acórdão
Sessão
322ª Sessão Ordinária
Data de Julgamento
24.11.2020
Ementa
ATO NORMATIVO. RESOLUÇÃO Nº 329/2020. PANDEMIA. AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. VIDEOCONFERÊNCIA. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. ATO APROVADO.
1 - A não realização das audiências de custódia durante o período pandêmico consubstancia retrocesso, em descumprimento não só ao art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e ao art. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, como também às decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5240/SP e da ADPF 347 MC/DF.
2 - O uso da videoconferência e de outros recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real é incentivado pela legislação brasileira, conforme preconizam os arts. 185, §2º; 217; e 222, §3º; todos do Código de Processo Penal; bem como os arts. 236, §3º; 385, §3º; 453, §1º; 461, §2º; e 937 §4º; todos do Código de Processo Civil.
3 - A exigência da presença física, vista como dogma mesmo no contexto pandêmico, enseja, mais do que a já maléfica extrapolação dos prazos, a fatídica não realização das audiências de custódia, e culmina por prejudicar aqueles a quem se quer proteger, os presos.
4 – Primordial, nessa perspectiva, a efetivação de uma série de cautelas para assegurar que as audiências de custódia por videoconferência possam alcançar seus objetivos, coibindo-se qualquer tipo de tortura ou de maus-tratos na prisão. Assim, visando a prevenir eventuais abusos ou constrangimentos ilegais ao longo da oitiva, o preso deverá permanecer sozinho na sala durante a realização do ato, facultando-se a presença física no recinto de seu advogado ou defensor. É cediço que essa condição poderá ser certificada pelo próprio Juiz, pelo Ministério Público e pela Defesa, por meio do uso concomitante de mais de uma câmera no ambiente ou de câmeras 360 graus, de modo a permitir a visualização integral do espaço. Outrossim, também se mostra importante que haja uma câmera externa a monitorar a entrada do preso na sala e a porta desta, bem como que o exame de corpo de delito, a atestar a sua integridade física, seja realizado antes do ato.
5 – Imperioso o reconhecimento da possibilidade de se realizar as audiências de custódia por videoconferência, ainda que de forma excepcional e com cautelas específicas, em obediência ao disposto nos arts. 287 e 310 do CPP. Precedentes do STJ e STF.
Certidão de Julgamento (*)
“O Conselho decidiu:
I - por unanimidade, incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno;
II - por maioria, aprovar a resolução, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros André Godinho, Tânia Regina Silva Reckziegel, Ivana Farina Navarrete Pena e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Vencido, parcialmente, o Conselheiro Mário Guerreiro. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 24 de novembro de 2020.”
Inform. Complement.:
Classe VotoEmentaConselheiro
Voto Convergente“(...) Reitero o que disse outrora que, em termos ideias, meu entendimento se perfilha no sentido da preferência pela realização da audiência de custódia sempre mediante a presença física do magistrado e do preso. Essa tem sido, inclusive, a posição jurisprudencial mantida pelo CNJ desde o início da edição da Resolução CNJ n. 213/2015 que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Em estado de pandemia, as condições me parecem diversas. O CNJ orientou os órgãos jurisdicionais a praticarem o distanciamento social, recomendando aos magistrados e servidores, inclusive, o trabalho remoto a partir de suas residências por meio das Resoluções ns. 313 e 314. O artigo 6º da Resolução CNJ n. 313/2020, autoriza os Tribunais a regulamentarem as sessões virtuais, incluídas aí as audiências realizadas pelos juízes. Contudo, a autorização para a realização de audiência de custodia por videoconferência é medida necessária, antes de tudo, à proteção da integridade física e da dignidade do preso em tempos conturbados, como os que estamos vivendo. A pura e simples suspensão das audiências de custódia no período me parece muito mais deletéria do que permitir a sua realização por meio virtual. Ainda que não seja a solução ótima, configura solução possível que maximiza os direitos e garantias individuais do preso provisório. Além disso, tudo o mais se pode garantir, inclusive a presença física de defensor ou do representante da OAB. Entendo que não se pode usar a proteção do princípio da dignidade do preso contra ele mesmo, pois a dignidade humana não é um valor abstrato, sem consideração às condições reais em que de fato vivem as pessoas nas suas relações recíprocas. No mesmo sentido do que aqui sustentado é a decisão monocrática da Exma. Ministra Cármen Lúcia, do E. Supremo Tribunal Federal, proferida no HC n. 184815/GO, de 21 de maio de 2020, citando as já referidas Resoluções CNJ n. 313, 314 e 318/2020, já citado pelo voto do Exmo. Relator. Ante o exposto, parabenizando pela corajosa proposta trazida à votação pelo Exmo. Presidente, acompanho V. Exa. no sentido de seja alterado o artigo 19 da Resolução nº 329, de 30 de julho de 2020, conforme proposta contida no voto do Relator. É como voto.” LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN
Voto Convergente“(...) Possibilitar que o acautelado fique preso sem antes passar pela audiência de custódia afronta diretamente a lei e os documentos internacionais, além de ser mais prejudicial ao acusado do que permitir que tal audiência se realize por videoconferência. Até porque, nessa modalidade, o preso pode ser acompanhado de defensor público ou privado. É imprescindível se assegurar o escopo pretendido com as audiências de custódia de verificação das condições da prisão, constatação da existência e abusos e maus tratos e aferição das condições sociais e individuais da pessoa encarcerada. Todos esses elementos demandam que, como regra, as audiências de custódia sejam feitas de forma presencial. A presença física e o contato próximo da Magistrada ou Magistrado com a pessoa presa asseguram maior efetividade na análise de todas essas situações. Contudo, como já asseverado, os impactos atuais da pandemia exigem respostas rápidas do Poder Judiciário e a adoção de alternativas tecnológicas na condução dos processos, neste momento, exsurge como solução adequada para permitir a continuidade da prestação jurisdicional, a prevenção ao contágio pelo novo coronavírus e, ao mesmo tempo, salvaguardar e garantir a tutela de direitos fundamentais. Esse cenário provoca a reflexão quando a possibilidade de se admitir que em hipóteses extremas e excepcionais, a audiência seja realizada por videoconferência. É necessário se ter conta, ademais, o fato de que o Brasil é um país de dimensões continentais, com realidades díspares e situações geográficas bastante diferenciadas. A distância física entre comarcas, subseções e sedes de fóruns pode inviabilizar o traslado das pessoas detidas em tempo hábil, a fim de que seja apresentada à autoridade responsável. Mesmo em cenário anterior ao advento da pandemia, há casos em que a única forma de se assegurar que a apresentação do preso seja feita dentro do prazo de 24 horas é a utilização de tecnologias como a videoconferência. Destaca-se, por exemplo, situações de regime extraordinário de plantão, em que o magistrado plantonista responde por mais de uma cidade em determinada região, recebendo autos de prisão em flagrante simultâneos. Em tais casos, devem ser observadas as condicionantes já mencionadas. Além disso, da realização da audiência de custódia surge outro instrumento importante: a eventual possibilidade de formulação de acordo de não persecução penal. Dessa forma, ainda que, como regra, a audiência de custódia deva ser realizada sob a forma presencial, sua realização de forma excepcional na modalidade eletrônica garante a prevalência e a efetivação dos direitos humanos da pessoa detida, e ainda pode viabilizar que crimes de menor potencial ofensivo – mas que mais encareceram no país – sejam objeto de acordo. Assim, entendo indispensável a revisão do art. 19, da Resolução CNJ nº 329/2020, nos moldes do voto do Presidente. É como voto.” MARIA TEREZA UILLE GOMES
Voto Divergente“(...) Dados do atualizados indicam que a audiência de custódia já foi retomada regularmente, de modo presencial, em nove unidades da federação: Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Sergipe. De acordo com dados do Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), durante o período da pandemia até novembro de 2020, já foram realizadas aproximadamente 8.300 audiências de custódia em todo o país, contando com todas as medidas de biossegurança adequadas para a realização da solenidade com garantia à saúde de todos. Trata-se, portanto, de uma realidade de retorno, com segurança, ao procedimento regular da audiência de custódia em 1/3 do país. Assim, se no momento em que a pandemia estava mais aguda, optou esse Conselho Nacional por não autorizar a realização de audiências de custódia por videoconferência, dada a incompatibilidade, mesmo em momentos de exceção, da realização de tal ato em meios virtuais, não há razão para a modificação de tal regra quando as atividades presenciais, respeitados todos os protocolos, já estão sendo retomadas. Desse modo, em razão da importância das audiências de custódia para efetivação do disposto em normas internacionais das quais o Brasil é signatário, em especial no que diz respeito à verificação de torturas e maus tratos dos custodiados por ocasião de sua prisão, a fim de evitar verdadeiro retrocesso quanto à garantia de integridade física dos sujeitos sob custódia do Estado, essencial que tal ato seja realizado de modo presencial. Registre-se que a adoção de centrais de audiência de custódia, tal qual implantadas no Estado do Rio de Janeiro, ou dos núcleos de prisão em flagrantes, na linha do modelo adotado no Estado da Bahia, é o caminho adequado que pode ser viabilizados para dar efetividade para prática do ato de forma presencial e concentrada, otimizando custos e reduzindo deslocamentos nesse momento de pandemia, respeitando a ideia inerente ao instituto, consubstanciada na apresentação física da pessoa custodiada ao juiz. Ademais, por meio da Portaria n. 190/2020, foi instituído, no âmbito deste Conselho Nacional, o Grupo de Trabalho denominado “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário”. Entre seus objetivos, destacam-se, dentre outros: II – Municiar a atuação do Poder Judiciário na formulação de políticas, projetos e diretrizes destinados à tutela dos direitos humanos; (...) IV – Elaborar estudos e pareceres sobre demandas que envolvam questões estratégicas de direitos humanos. (...) VII – Propor ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça medidas que considere pertinentes e adequadas para o aprimoramento da tutela dos direitos humanos no âmbito do Poder Judiciário. Desse modo, dada a relevância do tema, entendemos que eventual modificação da regulamentação no que diz respeito à realização das audiências de custódia sem a presença física do custodiado, deveria ser objeto de análise e manifestação prévia do referido “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário”. Por todo exposto, pedindo uma vez mais vênias ao Exmo. Ministro Presidente do CNJ, apresento divergência propondo: a) inadmissibilidade da presente proposta em razão da prévia judicializacao no STF; b) suspensão do presente procedimento, com remessa do tema para manifestação do “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário” na forma do art. 3º, II, IV, VII, da Portaria nº 190/2020; c) no mérito, caso superados os itens anteriores, pela rejeição do ato normativo ora proposto, por não atender às funções previstas para as audiências de custódia nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário (recepcionados pelo nosso ordenamento constitucional) e por ausência de permissão legal, com a manutenção integral da redação do art. 19 da Resolução CNJ n. 329/2020, determinando o retorno das audiências de custódia de modo presencial em todos os Estados da Federação, observadas as medidas necessárias para prevenção de contágio pelo novo Coronavírus - COVID 19, nos termos dispostos pela Resolução CNJ n. 322/2020. É como VOTO.” ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO
Referências Legislativas
DECL-3.689 ANO:1941 ART:3º ART:28-A ART:185 PAR:20º e 6º ART:217 ART:222 PAR:3º ART:287
DECL-4.657 ANO:1941 ART:20
LEI-11.719 ANO:2008
LEI-13.105 ANO:2015 ART:8º ART: 236 PAR:3º ART:385 PAR:3º ART:453 PAR:1º ART:461 PAR:2º ART:937 PAR:4º
LEI-13.655 ANO:2018
LEI-13.964 ANO:2019
DEC-592 ANO:1992 ART:9.3
DEC-678 ANO:1992 ART:7.5
DEC-9.830 ANO:2019
DEC-06 ANO:2020
RESOL-105 ANO:2010 ART:6º ART:7º ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-213 ANO:2015 ART:13 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-254 ANO:2018 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-313 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-314 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-329 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-341 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-345 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RESOL-03 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENC'
RECO-55 ANO:2019 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RECO-62 ANO:2020 ART:8º PAR:2ºORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
RECO-68 ANO:2020 ART:8-A ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
PORT-61 ANO:2020 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
PL-8045 ANO:2010
PL-6620 ANO:2016
PLS-554 ANO:2011
Precedentes Citados
CNJ Classe: NTEC - Nota Técnica - Processo: 0004468-46.2014.2.00.000 - Relator: MÁRCIO SCHIEFLER FONTES
CNJ Classe: ATO - Ato Normativo - Processo: 0004117-63.2020.2.00.0000 - Relator: LUIZ FUX
STF Classe: ADPF - Processo: 347 MC/DF - Relator: MARCO AURÉLIO
STF Classe: ADI - Processo: 5240/SP - Relator: LUIZ FUX
STF Classe: HC - Processo: 184.815/GO - Relator: CÁRMEN LÚCIA
STF Classe: HC - Processo: 188.888/MG - Relator: CELSO DE MELLO
STJ Classe: AGRRHC - Processo: 110019 - Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA
STJ Classe: RHC - Processo: 96881 - Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA
STJ Classe: RHC - Processo: 93825 - Relator: NEFI CORDEIRO
STJ Classe: HC - Processo: 439740 - Relator: JOEL ILAN PACIORNIK
STJ Classe: RHC - Processo: 83.318/RJ - Relator: RIBEIRO DANTAS
STJ Classe: CC - Processo: 168.522/PR - Relator: LAURITA VAZ
STJ Classe: RHC - Processo: 77580 / RN - Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA

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