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Detalhes da Jurisprudência
Número do Processo
0001459-08.2016.2.00.0000
Classe Processual
PP - Pedido de Providências - Corregedoria
Subclasse Processual
Relator
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator P/ Acórdão
Sessão
48ª Sessão Extraordinária
Data de Julgamento
26.06.2018
Ementa
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILDADE. FAMÍLIA. CATEGORIA SOCIOCULTURAL. IMATURIDADE SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INAPTIDÃO PARA CRIAR ENTE SOCIAL. MONOGAMIA. ELEMENTO ESTRUTURAL DA SOCIEDADE. ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA DE UNIÃO POLIAFETIVA. LAVRATURA. VEDAÇÃO.
1. A Constituição Federal de 1988 assegura à família a especial proteção do Estado, abarcando suas diferentes formas e arranjos e respeitando a diversidade das constituições familiares, sem hierarquizá-las.
2. A família é um fenômeno social e cultural com aspectos antropológico, social e jurídico que refletem a sociedade de seu tempo e lugar. As formas de união afetiva conjugal – tanto as “matrimonializadas” quanto as “não matrimonializadas” – são produto social e cultural, pois são reconhecidas como instituição familiar de acordo com as regras e costumes da sociedade em que estiverem inseridas.
3. A alteração jurídico-social começa no mundo dos fatos e é incorporada pelo direito de forma gradual, uma vez que a mudança cultural surge primeiro e a alteração legislativa vem depois, regulando os direitos advindos das novas conformações sociais sobrevindas dos costumes.
4. A relação “poliamorosa” configura-se pelo relacionamento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos.
5. Apesar da ausência de sistematização dos conceitos, a “união poliafetiva” – descrita nas escrituras públicas como “modelo de união afetiva múltipla, conjunta e simultânea” – parece ser uma espécie do gênero “poliamor”.
6. Os grupos familiares reconhecidos no Brasil são aqueles incorporados aos costumes e à vivência do brasileiro e a aceitação social do “poliafeto” importa para o tratamento jurídico da pretensa família “poliafetiva”.
7. A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o “poliafeto” como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial. Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e os poucos casos existentes no país não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico.
8. A sociedade brasileira não incorporou a “união poliafetiva” como forma de constituição de família, o que dificulta a concessão de status tão importante a essa modalidade de relacionamento, que ainda carece de maturação. Situações pontuais e casuísticas que ainda não foram submetidas ao necessário amadurecimento no seio da sociedade não possuem aptidão para ser reconhecidas como entidade familiar.
9. Futuramente, caso haja o amadurecimento da “união poliafetiva” como entidade familiar na sociedade brasileira, a matéria pode ser disciplinada por lei destinada a tratar das suas especificidades, pois a) as regras que regulam relacionamentos monogâmicos não são hábeis a regular a vida amorosa “poliafetiva”, que é mais complexa e sujeita a conflitos em razão da maior quantidade de vínculos; e b) existem consequências jurídicas que envolvem terceiros alheios à convivência, transcendendo o subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos.
10. A escritura pública declaratória é o instrumento pelo qual o tabelião dá contorno jurídico à manifestação da vontade do declarante, cujo conteúdo deve ser lícito, uma vez que situações contrárias à lei não podem ser objeto desse ato notarial.
11. A sociedade brasileira tem a monogamia como elemento estrutural e os tribunais repelem relacionamentos que apresentam paralelismo afetivo, o que limita a autonomia da vontade das partes e veda a lavratura de escritura pública que tenha por objeto a união “poliafetiva”.
12. O fato de os declarantes afirmarem seu comprometimento uns com os outros perante o tabelião não faz surgir nova modalidade familiar e a posse da escritura pública não gera efeitos de Direito de Família para os envolvidos.
13. Pedido de providências julgado procedente.
Certidão de Julgamento (*)
“Após o voto do Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro (vistor), o Conselho, por maioria, julgou procedente o pedido, nos termos do voto do Relator. Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Aloysio Corrêa da Veiga, Daldice Santana, Arnaldo Hossepian, Henrique Ávila e a Presidente e o Conselheiro Luciano Frota que julgava improcedente. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Daldice Santana e André Godinho e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26 de junho de 2018.”
Inform. Complement.:
Classe VotoEmentaConselheiro
Voto ConvergenteO tratamento das uniões poliafetivas como entidade familiar necessita de disciplina normativa a cargo do Congresso Nacional, sendo vedado a este Conselho Nacional de Justiça inovar, sem decisão do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, fixando a interpretação constitucional ou do código civil, ainda mais diante do limite da ordem jurídica que consagra a entidade familiar como integrada por duas pessoas. Por outro lado, pode-se afirmar em obter dictum, que o Código Civil Brasileiro de 1916 adotava o modelo familiar unitário, baseado somente no casamento. Havia o instituto do concubinato como mera sociedade de fato, sem proteção do Direito de Família. Em razão desse desamparo jurídico, dessa “clandestinidade”, a jurisprudência passou a reconhecer efeitos patrimoniais a esse tipo de aliança, tornando-se Enunciado de Súmula nº 380 do C. STF, em 1964. A mesma lógica poderia ser aplicada às situações de fato relatadas em relacionamentos poliafetivos, a depender, no entanto, da construção hermenêutica dos tribunais, o que não é objeto deste procedimento. Pelo exposto, acompanho o voto do E. Ministro Corregedor, com as presentes considerações, para julgar procedente o pedido, reconhecendo a impossibilidade de lavratura de escrituras de união poliafetiva como entidade familiar.VALTÉRCIO DE OLIVEIRA
Voto Convergente[...] Antes de finalizar, relembro que, o colendo Supremo Tribunal Federal em 2011, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277[2] e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132-RJ, reconheceu a união homoafetiva, no pleno exercício de sua função contramajoritária, mas em sede própria e escorreita via eleita. Debatendo em ADPF e ADI para decidir erga omines. Aí sim, caso haja deliberação do Supremo pelo seu reconhecimento, poderia este preclaro CNJ, em tese e como feito[3] no caso da união homoafetiva em 2013, vir a regulamentar ou não certos aspectos na temática, nos termos eventualmente delineadas pelo STF e nos limites de suas atribuições constitucionais. Com as considerações postas, apresento este voto convergente ao Eminente Relator.VALDETÁRIO ANDRADE MONTEIRO
Voto Divergente[...] Proibir que se formalizem perante o Estado uniões poliafetivas com base em um conceito vetusto de entidade familiar, não abrigado pela Constituição, significa perpetuar uma situação de exclusão e de negação de cidadania que não se coaduna com os valores da democracia. Nas palavras de Maria Berenice Dias, “A intervenção do estado no âmbito da família, porém, deve se dar apenas no sentido de proteção, nos precisos termos da Constituição Federal, não em uma perspectiva de exclusão. Conforme Carlos Cavalcanti de Albuquerque Neto,1[5] não cabe ao Estado predeterminar qual a entidade familiar que se pode constituir, mas apenas, declarar a sua formação, outorgando-lhe a proteção social, por considerá-la base da sociedade. Por todas as razões expostas, julgo improcedente o presente Pedido de Providências.LUCIANO FROTA
Voto Parcialmente Divergente[...] Assim, as partes podem se valer de escritura pública de declaração de sociedade de fato para efeitos patrimoniais, com referência à destinação dos bens, em caso de eventual dissolução da sociedade, em vida, sendo que as demais avenças decorrentes da contratação se subordinam aos limites legais e a preservação de direitos de terceiros. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o presente Pedido de Providências, para o fim de afastar a proibição da lavratura de escritura pública, como entendeu o Exmo. Relator, limitando-a ao reconhecimento da sociedade de fato, nos termos da fundamentação, impedindo, de todo modo, que a equiparem a união estável. No mais, acompanho o Relator.ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA
Voto Parcialmente Divergente[...] Pois bem, fixado o entendimento que não se trata de união configuradora de entidade familiar, entendo, de outro lado, e aqui sigo os ensinamentos do professor Flavio Tartuce, doutor pela Faculdade de Direito da USP, professor da Fadisp, vice-presidente do IBDFAM, que bem abordou o tema em texto já divulgado pela web, em abril de 2017, http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI257815,31047- não haver nulidade absoluta no ato, a lavratura da escritura, por suposta ilicitude do objeto ou das razões motivadoras do ato (art. 166, inc. II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; do CC/2002). Sustenta o eminente e festejado professor, que “a questão não se resolve nesse plano do negócio jurídico, mas na sua eficácia. Em outras palavras, o ato é válido, por apenas representar uma declaração de vontade hígida e sem vícios dos envolvidos, não havendo também qualquer problema no seu objeto. Todavia, pode ele gerar ou não efeitos, o que vai depender das circunstâncias fáticas e da análise ou não de seu teor pelo Poder Judiciário ou outro órgão competente”, digo eu da administração pública ou da iniciativa privada. Portanto, não há falar em afronta à ordem pública na elaboração da escritura ou prejuízo a qualquer um que seja, algo que justificaria um efeito nulificante. Vale ainda, trazer à colação a fala do eminente professor Tartuce, no sentido de que também “não há que se falar, ainda, em dano social, pois esse pressupõe uma conduta socialmente reprovável, o que não é o caso. O reconhecimento de um afeto espontâneo entre duas ou mais pessoas não é situação de dano à coletividade, mas muito ao contrário, de reafirmação de transparência e solidariedade entre as partes.” Voto, então, no sentido de expedir determinação às Corregedorias Estaduais para que proíbam a lavratura de escrituras declaratórias de união poliafetiva em que dela conste que se trata de constituição de entidade familiar.DALDICE SANTANA
Referências Legislativas
ANO:1988 CF ART:226 PAR:3º
LEI-8935 ANO:1994 ART:6º
LEI-10.406 ANO:2002 ART:1.513
Precedentes Citados
STJ Classe: REsp - Processo: 1.348.458/MG - Relator: Min. NANCY ANDRIGHI
STJ Classe: AgRg no Ag - Processo: 1.363.270/MG - Relator: Min. NANCY ANDRIGHI
Inteiro Teor
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