logo_cnj
Busca JurisprudênciaLista Toda a Jurisprudência Login
Detalhes da Jurisprudência
Número do Processo
0002583-36.2010.2.00.0000
Classe Processual
CONS - Consulta
Subclasse Processual
Relator
DEBORAH CIOCCI
Relator P/ Acórdão
CARLOS AYRES BRITTO
Sessão
184ª Sessão Ordinária
Data de Julgamento
11.03.2014
Ementa
Trata-se de consulta feita pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Maranhão, no sentido de saber se o Poder Judiciário pode, ou não, se valer de parcerias público-privadas.
(...)
4. Pois bem, feito esse aligeirado reavivar das coisas, passo a proferir meu voto, que também é pelo conhecimento da consulta que, efetivamente, ostenta caráter genérico e assim satisfaz ao caput do art. 89 do Regimento Interno deste Conselho.
5. No mérito, parto da serena premissa de que o Judiciário é um dos Poderes do Estado (arts. 2º e 92 da CF) e a função jurisdicional é por ele exercida como atividade-fim, incompatível com qualquer ideia de delegabilidade para a iniciativa privada. O que sobra é atividade-meio, de natureza singelamente administrativa (tirante, naturalmente, as peculiaridades da função político-administrativa da Justiça Eleitoral e deste Conselho, que se de finem como atividade-fim). Donde a seguinte pergunta: cabe o uso do instituto das parcerias público-privadas para o desempenho de atividade-meio do Poder Judiciário? Respondo que não, data venia, e o faço com os fundamentos que passo a vocalizar.
6. As parcerias público-privadas foram originariamente concebidas enquanto modalidade contratual entre órgãos e entidades administrativas do Poder Executivo, de um lado, e, de outro, sujeitos jurídicos totalmente privados. Concepção originária que se revela a partir do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.079/2004, verbis:
(...)
7. É dizer: não por acaso a lei se refere à "Administração Pública", com iniciais maiúsculas, e não à "administração pública", inteiramente grafada com letras minúsculas. Isso ao lado das entidades que integram a Administração Pública indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas). Tudo a sinalizar que seu âmbito pessoal de incidência é mesmo o conjunto de órgãos e entidades do Poder Executivo, e não o conjunto de órgãos de qualquer dos outros dois Poderes do Estado, no desempenho da função administrativa. Até porque esse peculiar fraseado "Administração Pública" se repete por numerosos dispositivos da Lei nº 11.079: § 2° do art. 2°; incisos II e IX do art. 5°, seu § 1º e inciso II de seu § 2°; cabeça e inciso III do art. 6°; cabeça e parágrafo único do art. 7°; caput do art. 8°; §§ 1º e 4° do art. 9°; alínea “c” do inciso I, incisos III e IV e § 3° do art. 10; alínea "a" do inciso II do art. 12; e § 2° do art. 14.
8. É isso mesmo: o Poder Executivo, diferentemente dos Poderes Legislativo e Judiciário, pode atuar tanto por meio de entidades quanto por intermédio de órgãos. Órgãos, como fração endógena ou parte elementar de uma dada pessoa jurídica ("unidades de competências", na precisa e elegante expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello); entidades, como unidades estatais juridicamente personalizadas ("Desmembramentos administrativos personalizados do Estado", para me valer uma vez mais das lições do renomado administrativista). Daí os dois conceitos básicos de administração pública: a administração que se estrutura tão-só em atividades - objetivamente, portanto - e aquela que se estrutura em órgãos e entidades (subjetivamente, por conseguinte, e com as letras iniciais maiúsculas, torne-se a dizer). Ali, conceito objetivo de administração e comum aos três Poderes do Estado; aqui, conceito orgânico ou subjetivo e somente cabível na esfera das protagonizações que são próprias do Poder Executivo. Donde o seguinte dispositivo da Constituição:
(...)
9. Prossigo para dizer que o desempenho das atividades-meio do Poder Judiciário não se compatibiliza com qualquer das modalidades de PPPs, descritas nos §§ 1° e 2° do art. 2° da Lei nº 11.079/2004, assim redigidos:
(...)
10. Com efeito, o § 10 cuida de contratos que desembocam na figura do usuário e no instituto da tarifa, já regrados pela Constituição Federal (art. 175) como mecanismos viabilizadores da relação de serviço público. Serviço público, no entanto, constitutivo de atividade inteiramente estranha aos misteres do Poder Judiciário, porque alusivo, agora sim, ao único Poder estatal voltado para o atendimento de necessidades tão permanentemente quanto coletivamente sentidas: o Poder Executivo.
11. Com efeito, não cabe aos órgãos do Poder Judiciário gerir os interesses que a massa dos administrados não cessa de requestar. Essa função, que se define como meio e fim a um só tempo, é exclusivamente do Poder Executivo. Já não fazendo sentido distinguir entre administração-meio e administração-fim, pois as duas coisas se confundem por completo na dinâmica do Poder Executivo.
12. Já com referência aos contratos de obras públicas, previstos no mesmo § 2° do art. 2° da lei em causa e submetidos a regime igualmente vinculante das figuras do usuário e da tarifa, penso que o raciocínio é o mesmo que prevalece para a concessão de serviços públicos; mas com este acréscimo de ideia: a Constituição mesma é que dispõe sobre as fontes do financiamento do Poder Judiciário, a saber: o orçamento e as custas e emolumentos (§ 2° do art. 98 e inciso I do § 5° do art. 165 da CF).
13. Se mais não fosse, tenho que o ponto de arremate é este: o art. 14 da Lei nº 11.079 determina que decreto do Presidente da República instituirá órgão gestor das parcerias público-privadas no âmbito da União. Órgão gestor, esse, que tem as mais amplas competências e que é composto por representantes indicados pela Casa Civil da Presidência da República e dos Ministérios da Fazenda e do Orçamento, Planejamento e Gestão. Ora, o principio da separação dos Poderes (art. 2° da CF) impede que atividades do Judiciário estejam submetidas a órgão instituído por ato regulamentar do Poder Executivo. Raciocínio que é vá lido no plano da União e dos Estados, tendo em vista o caráter nacional do Poder Judiciário, tantas vezes reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (verbi grafia, ADI 3.367, da relatoria do Min. Cezar Peluso).
(...)
Certidão de Julgamento (*)
“Após o voto do Conselheiro vistor, o Conselho, por maioria, respondeu negativamente à consulta, nos termos do voto do então Presidente Ayres Britto. Vencidos os Conselheiros Paulo Tamburini (então Relator), Rubens Curado Silveira e Fabiano Silveira. Presidiu o julgamento o Conselheiro Joaquim Barbosa. Plenário, 11 de março de 2014.”
Inform. Complement.:
"1. Trata-se de Consulta formulada pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, fundada no art. 89, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após a realização de Inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça junto à Justiça Comum de 1ª e 2ª Instâncias daquele Estado. Observa que uma das conclusões foi a insuficiência de recursos humanos e materiais empregados na atividade fim.
[...]
22. Desse modo, com a devida vênia dos que pensam de modo contrário, e valendo-me dos fundamentos já expostos no voto do Ministro Carlos Ayres Britto, considero que a Consulta deva ser respondida negativamente, ao menos no estágio atual do funcionamento dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro.
Acrescento, apenas, aos fundamentos expostos pelo Ministro Ayres Britto que as atividades desempenhadas pelo Poder Judiciário na esfera administrativa devem se pautar pela observância dos limites estabelecidos na Constituição e nas leis, e também com base no princípio da prudência. Talvez com mudanças legislativas – muito bem pensadas e alicerçadas na realidade das coisas do Judiciário brasileiro – venha a ser possível algum dia a utilização de meios outros – tais como através do regime das PPPs – pelos inúmeros tribunais brasileiros, mas não no modelo atual.
23. Em relação ao Acórdão nº 1301/2013 do TCU (Evento 178 – Doc 37), verifica-se que o Ministro Benjamim Zymler, em seu voto-vista que foi acatado pelo Plenário daquela Corte de Contas, não adentrou nas nuances sobre a possibilidade da contratação da PPP no Poder Judiciário como o fizeram os juristas nas reuniões da Comissão presidida pelo Conselheiro Bruno Dantas. Com isso, entendo que, embora o respeito ao e. Ministro, conhecido por sua tecnicidade apurada, as razões do TCU, no presente caso, não têm o condão de alterar o entendimento do voto-vista do Ministro Ayres Britto.
24. Com tais considerações, acompanho a divergência para responder negativamente à consulta formulada pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão.
É como voto. "
Voto Divergente - GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Classe VotoEmentaConselheiro
Referências Legislativas
ANO:1988 CF ART:2º ART:98 PAR: 2º INC: I ART:165 ART:175
LEI-11.079 ANO:2004 ART:2º PAR:1º e 2º ART:14
Precedentes Citados
STF Classe: ADI - Processo: 3.367 - Relator: Min. CEZAR PELUSO
Inteiro Teor
Download