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Detalhes da Jurisprudência
Número do Processo
0007026-78.2020.2.00.0000
Classe Processual
PAD - Processo Administrativo Disciplinar
Subclasse Processual
Relator
JANE GRANZOTO
Relator P/ Acórdão
Sessão
360ª Sessão Ordinária
Data de Julgamento
22.11.2022
Ementa
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PRELIMINARES DEDUZIDAS EM RAZÕES FINAIS AFASTADAS. UTILIZAÇÃO OBRIGATÓRIA DE MÁSCARA FACIAL PROTETIVA CONTRA COVID-19. RECUSA INJUSTIFICADA. DESCUMPRIMENTO DELIBERADO DE DECRETO MUNICIPAL. HOSTILIDADE, AMEAÇA E OFENSA PESSOAL AO AGENTE PÚBLICO RESPONSÁVEL PELA FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA. USO DA SUPOSTA INFLUÊNCIA E TENTATIVA DE INTIMIDAÇÃO NO INTUITO DE SE DESVENCILHAR DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA A TODOS OS CIDADÃOS, INCLUSIVE QUANTO À APLICAÇÃO DA MULTA RESPECTIVA. REPERCUSSÃO NACIONAL. ABALO À CREDIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE MANTER CONDUTA IRREPREENSÍVEL NA VIDA PÚBLICA E PARTICULAR. PROCEDIMENTO INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE, A HONRA E O DECORO DA JUDICATURA. OFENSA AO ART. 35, INCISO VIII, DA LOMAN E AOS ARTS. 1º, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL CARACTERIZADA. GRAVIDADE DA CONDUTA E INCOMPATIBILIDADE PERMANENTE COM O EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.
1.Preliminares
1.1 - Inviabilidade de acesso às mídias da audiência de instrução: O link aos arquivos de áudio e vídeo correspondentes aos atos instrutórios realizados em 12 de abril de 2022, nas dependências da 2ª Vara do Trabalho de Santos, foi efetivamente disponibilizado nos autos, e isso desde a data de realização da audiência, tudo acompanhado da respectiva ata, sem que tenha sido atribuído qualquer sigilo aos arquivos. Assim, todo o conteúdo das gravações encontra-se disponível e acessível, ou seja, possibilitou a plena e adequada análise das ocorrências e dos depoimentos ali retratados e, portanto, viabilizou por completo o exercício do contraditório e a ampla defesa. Afasta-se.
1.2 - Indeferimento parcial de produção de provas: Remanesceram despiciendas as modalidades probatórias almejadas - realização da perícia médica psiquiátrica e envio de cópias integrais dos procedimentos disciplinares anteriormente instaurados em face do processado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -, pois os aspectos cruciais, relacionados à aferição da capacidade do magistrado para a prática dos atos da vida civil, ao tempo dos fatos aqui averiguados, bem assim atinentes ao respectivo histórico funcional, já haviam sido elucidados por outros dados probatórios dos autos. Trata-se de questão já dirimida pelo Plenário desta Casa no julgamento do recurso administrativo outrora ofertado pelo requerido, exsurgindo nítido o intento de mero reexame das suas alegações, ou seja, verdadeira análise recursal, o que não se viabiliza, porquanto se trata de medida vedada pelos artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ. Preliminar repelida.
1.3 - Indeferimento de repergunta à testemunha: O objeto do presente PAD corresponde unicamente às condutas adotadas pelo requerido no momento das abordagens, delimitadas com clareza pelo teor dos vídeos trazidos aos autos, ou seja, atrela-se tão somente à relação estabelecida entre o processado e os guardas municipais, sem guardar qualquer conexão com eventuais ocorrências envolvendo os agentes públicos e terceiros em conjunturas alheias àquelas averiguadas neste feito. Assim, inexistiu qualquer mácula à ampla defesa, mas tão somente o indeferimento de repergunta inútil ao deslinde da controvérsia, já que vinculada às supostas investidas truculentas dos guardas civis municipais em face de outros cidadãos, com plena ressonância no art. 25, incisos I, IV e VIII, do Regimento Interno deste CNJ. Preliminar igualmente rechaçada.
2.Mérito
2.1 - Revela-se ociosa a alegada inconstitucionalidade do decreto municipal que disciplinou o uso obrigatório de máscaras contra a Covid-19 no Município de Santos (Decreto Municipal nº 8.944, de 23 de abril de 2020), porque tal discussão escapa por completo do objeto do presente procedimento de índole disciplinar e à própria competência material deste Conselho Nacional de Justiça, ao qual não incumbe reconhecer a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que disciplina regras de conduta voltadas à população em geral.
2.2 - Estando vigente o Decreto nº 8.944 desde 01º de maio de 2020, cumpria ao desembargador requerido - como a qualquer outro cidadão - a sua plena e integral observância, mas assim não procedeu, na medida em que, ao ensejo das abordagens realizadas pelos agentes municipais, o magistrado adotou comportamento, na vida privada, incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das suas funções, infringindo por completo o comando extraído do inciso I, do § 1º, do citado ato normativo municipal, em detrimento da obrigatoriedade de utilização de máscaras faciais protetivas nos espaços públicos.
2.3 - Os vídeos trazidos aos autos, divulgados amplamente nas redes sociais e na mídia, falam por si e evidenciam que, para além de demonstrar total menosprezo ao trabalho dos guardas municipais e da ofensa gratuita desferida a um dos servidores em julho/2020, o processado acionou o secretário municipal de segurança pública no intuito de demonstrar influência e tentar descumprir o ato normativo ora referenciado e/ou inibir a ação de ofício envolvendo a aplicação da multa. Além disso, o requerido rasgou a penalidade, a qual foi atirada ao solo na presença da própria autoridade que confeccionou o expediente, tornando-se patente o propósito de intimidar o agente público que tão somente exercia a sua função institucional.
2.4 - Ressai, ainda, do conjunto probatório, a ocorrência de episódio anterior, momento em que o requerido, também caminhando sem máscara protetiva na orla da praia, manteve conduta agressiva e desrespeitosa, valendo-se do cargo de desembargador e invocando a suposta influência junto a autoridades municipais e estaduais diversas, com o objetivo de menosprezar e intimidar os guardas municipais mediante ameaça de punição, na tentativa de se desvencilhar de obrigação imposta a todos os cidadãos.
2.5 - As ponderações defensivas de que os guardas civis teriam adotado tom provocativo e/ou revestido de truculência, sugerindo a anormalidade dos procedimentos e a hipótese de injusta agressão, bem assim pautadas na premissa de que as gravações foram premeditadas, com a "inegável intenção" de "expor" o requerido, não encontram eco no contexto probatório.
2.6 - À luz do art. 26, caput, do Código Penal, o ordenamento jurídico pátrio adotou o critério biopsicológico ou biopsíquico para o exame da inimputabilidade (ou semi-imputabilidade) - aplicável subsidiariamente, por uma questão de lógica jurídica, na esfera administrativo-disciplinar -, segundo o qual é necessário avaliar se o transtorno mental do processado afetou, em efetivo, a sua compreensão quanto à ilicitude da conduta ou sua capacidade de autodeterminar-se segundo este conhecimento, ao tempo da ação ou omissão.
2.7 - No presente caso, ainda que já estivesse acometido de patologias de ordem psiquiátrica, há dados probatórios relevantes e fundamentais para a solução da presente matéria, pois suficientemente indicativos de que, à época das abordagens pela guarda municipal, o requerido mantinha a sua higidez mental. Tanto assim que o representado exercia regularmente as funções inerentes ao cargo de desembargador, sem qualquer evidência de que houvesse sido extirpada - ou possuísse diminuída - a capacidade cognitiva, volitiva e intelectiva, ou seja, encontrava-se apto para a prática dos atos da vida civil, inclusive aqueles relacionados aos fatos objeto de apuração do presente PAD. Logo, o alegado “mal psiquiátrico” e a suposta privação da medicação controlada destinada ao respectivo tratamento, isoladamente, não têm o condão de justificar as atitudes do processado e desconstituir as imputações delineadas na portaria inaugural do presente feito disciplinar.
2.8 – A reiterada conduta externada nas 02 (duas) abordagens demonstra que o processado não agiu em consonância com o ordenamento jurídico, nem tampouco com os princípios éticos que devem pautar a conduta de todo magistrado, inclusive fora do exercício da judicatura, de modo a dignificar a função e o exercício da atividade jurisdicional, sendo certo que a confiança depositada no Poder Judiciário não está respaldada unicamente na competência e na diligência dos respectivos membros, mas também na sua integridade e correção moral. Assim, os atos praticados pelo requerido consubstanciaram grave falta funcional, a receber a reprovação por parte deste CNJ, porquanto violadores dos deveres insculpidos no inciso VIII, do art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.
3. Dosimetria da pena: Sopesados o grau de reprovabilidade da conduta, os resultados e prejuízos daí advindos, a carga coativa da pena, o caráter pedagógico e a eficácia da medida punitiva, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se vislumbra a possibilidade de aplicar pena diversa da aposentadoria compulsória ao desembargador requerido, prevista no art. 56, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, c.c art. 7º, inciso II, da Resolução CNJ nº135/2011;
Processo Administrativo Disciplinar que se julga procedente com aplicação ao requerido da sanção de aposentadoria compulsória.
Certidão de Julgamento (*)
O Conselho decidiu: I - por unanimidade, julgar procedente as imputações, nos termos do voto da Relatora; II - por maioria, determinar a aplicação da pena de aposentadoria compulsória ao desembargador. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Mário Goulart Maia, que votavam pela aplicação da pena de disponibilidade. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 22 de novembro de 2022.
Inform. Complement.:
Classe VotoEmentaConselheiro
Referências Legislativas
ANO:1988 CF ART:103 LET:B PAR:4º
LEI-13.105 ANO:2015 ART:55 PAR:1º PAR:3º
LEI-13.869 ANO:2019
DEC-LEI-2.848 ANO:1940 ART:331
LCP-35 ANO:1979 ART:27 PAR:1º ART:35 INC:VIII ART:42 ART:45 ART:46 ART:47 ART:56 ART:57 ART:58
REGI ART:4º PAR:1º ART:70 PAR:1º PAR:7º ART:115 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
REGUL ART:17 ART:28 ORGAO:'CORREGEDORIA CNJ'
RESOL-135 ANO:2011 ART:3º ART:5º ART:6º ART:7º ART:14 PAR:9º ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
CEMN ANO:2008 ART:1º ART:15 ART:16 ART:37 ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
Precedentes Citados
CNJ Classe: PAD - Processo Administrativo Disciplinar - Processo: 0000046-18.2020.2.00.0000 - Relator: ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO
CNJ Classe: RD - Reclamação Disciplinar - Processo: 0007554-20.2017.2.00.0000 - Relator: HUMBERTO MARTINS
CNJ Classe: PAD - Processo Administrativo Disciplinar - Processo: 0006920-87.2018.2.00.0000 - Relator: MÁRIO GUERREIRO
Inteiro Teor
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