Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0000927-53.2024.2.00.0000
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ATO NORMATIVO. PROPOSTA DE EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO. PRIORIZAÇÃO AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. LOTAÇÃO DE MAGISTRADOS EM COMARCAS DE DIFÍCIL PROVIMENTO. ATO APROVADO.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, aprovou Resolução, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de abril de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luis Felipe Salomão.

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RELATÓRIO

 

Trata-se de procedimento ATO NORMATIVO autuado para apresentar ao Plenário desta Casa proposta de edição de normativo com o objetivo de instituir política de estímulo à lotação e à permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento, no contexto de priorização do primeiro grau de jurisdição, ação implementada pela Resolução CNJ n. 194/2014.

A proposição nasce de reflexões e debates levados a efeito no âmbito do Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição[1], no sentido de se estabelecer incentivos à interiorização e, notadamente, ao provimento de Comarcas sensíveis.

O destacado Comitê foi instituído com o objetivo geral de acompanhar, apoiar e aprimorar a implantação de tão relevante Política e contou, ao longo do tempo, com a contribuição de diversos Conselheiros e Juízes Auxiliares da Presidência e da Corregedoria, além do apoio de inúmeras áreas técnicas, notadamente do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ).

O tema da interiorização e do provimento de Comarcas sensíveis vem sendo objeto de estudo e análise por parte do Comitê e do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria n. 421, 15 de dezembro de 2022, com vistas ao aprimoramento da mencionada política pública em suas diversas perspectivas.

Às reflexões foram também incorporadas as considerações e sugestões recebidas por ocasião Webinário – Resolução CNJ n. 219/2016 – Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição[2], realizado nos dias 10 e 11 de maio de 2023.

A programação contou com exposições de especialistas, integrantes das administrações dos Tribunais, representantes de entidades de Magistrados(as) e de Servidores(as), membros dos Comitês Regionais de Priorização e dos Comitês Orçamentários dos Tribunais, além de outros interessados, que ofereceram suas sugestões, críticas e observações de forma escrita e oral.

Na oportunidade, foi promovida análise coletiva de uma década de vigência da Política, com seus avanços e limitações. Nesse período, por evidente, sobrevieram mudanças profundas que impactaram o papel do Poder Judiciário e os limites e possibilidades de prestação do serviço público de Justiça em geral e, especialmente, no primeiro grau, como a expansão da implantação dos processos eletrônicos, o Juízo 100% Digital, a Plataforma Digital do Poder Judiciário, a pandemia, o trabalho híbrido, os Pontos de Inclusão Digital e tantas outras transformações sociais, econômicas e tecnológicas.

Com isso, torna-se necessário e, acima de tudo, urgente, a implementação de medidas tendentes a incentivar, ainda mais, o primeiro grau de jurisdição, a exemplo da proposta que ora se apresenta, qual seja: estímulo à lotação e à permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento. 

Em complemento, agregou-se, ainda, subsídios constantes do Relatório Anual de 2023, elaborado pelo Observatório de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP[3].

Concluídos os estudos e debates, consolidou-se a presente proposição, referendada pelo Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, em reunião realizada no dia 23/2/2024.

É o necessário a relatar.



[1] Instituído pela Portaria 18/2016 e atualizado pela Portaria 63/2024.

[2]  Evento realizado com o objetivo promover o debate e a reflexão sobre os desafios vivenciados pelo Poder Judiciário para a implementação de políticas públicas relativas à priorização do primeiro grau de jurisdição, bem como analisar propostas de atualização de normativos, em face do atual contexto institucional e do cenário pós-pandemia, dentre outros enfoques.  https://www.cnj.jus.br/agendas/webinario-resolucao-cnj-n-219-2016-comite-gestor-da-politica-nacional-de-atencao-prioritaria-ao-primeiro-grau-de-jurisdicao/

[3] O Observatório nasceu da iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que resultou na edição da Portaria Conjunta CNMP/CNJ n. 1, de 31 de janeiro de 2019. De âmbito nacional e permanente, ele objetiva promover integração institucional, elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do sistema nacional de Justiça, na via extrajudicial e na judicial, para enfrentar situações concretas de alta complexidade, grande impacto e elevada repercussão social, econômica, ambiental e de violação de direitos humanos. Na sua atual composição, integram o colegiado, pelo CNJ, os conselheiros Giovanni Olsson, Joao Paulo Santos Schoucair e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho; e, pelo CNMP, os conselheiros Angelo Fabiano Farias da Costa, Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Paulo Cezar dos Passos. Tambem compoem o colegiado os(as) secretarios(as)-gerais de ambos os Conselhos, alem do(a) secretario(a) de Estrategia e Projetos do CNJ.

 

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VOTO

 

Conforme relatado, apresenta-se proposta de edição de ato normativo com vistas a instituir Política de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento, dentro do contexto de priorização do primeiro grau de jurisdição, instituída pela Resolução CNJ n. 194/2014.

A Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição é de centralidade estratégica, porque, desde os primeiros dados sistematizados na época de sua introdução, como o Relatório Justiça em Números de 2013, já se evidenciou que mais de 90% dos processos do Poder Judiciário tramitam no 1º grau de jurisdição.

Não por acaso, embora seja a instância em que se corporifique o princípio do amplo acesso à justiça e onde opera o contato imediato do cidadão com o magistrado(a) inserido na comunidade, é onde se identificam grandes disparidades na carga de trabalho e a deficiência mais aguda na estrutura de pessoal e de material, particularmente nas Comarcas do interior, refletindo na baixa qualidade na prestação jurisdicional.

Além disso, e nas Comarcas distantes da sede, essas dificuldades tornam-se crônicas, com falta de Magistrados(as) interessados na lotação e a própria limitação dos Tribunais para darem a devida resposta a causas complexas.

 Os elementos até hoje compilados revelam a necessidade de avanços normativos e institucionais com ênfase nas Comarcas definidas como de difícil provimento, usualmente as mais interiorizadas e distantes das sedes dos Tribunais.

Isso enseja a adoção de um conjunto de medidas envolvendo estímulos financeiros e não-financeiros, para ampliar a permanência e a fixação de Magistrados(as) no interior do país, especialmente nessas condições peculiares.

Do ponto de vista financeiro, cabe notar que o art. 65, X, da LOMAN até hoje não foi objeto de regulamentação expressa, provocando desestímulo significativo para a interiorização da Magistratura, embora, como se verá, outras carreiras jurídicas já o fizeram, sob formatos variados.

Ainda nessa linha, deve-se notar que a residência nessas localidades frequentemente produz acréscimos específicos de despesas, como de saúde, uma vez que, pela usual baixa capilaridade dos serviços de saúde suplementar, os planos dificilmente possuem cobertura adequada nas suas variadas áreas, e implicam não raro a necessidade de pagamento direto, pelo Magistrado(a), de despesas médicas, odontológicas e de medicamentos para si e seus familiares. 

Do ponto de vista não-financeiro, observa-se ampla deficiência de pessoal nas unidades do interior, ainda mais se considerada a grande distância das sedes ou zonas de fronteira ou em Municípios pouco estruturados.

Constata-se reduzido número de servidores(as); de assistentes ou assessores de juiz; de estagiário(s) e seguranças judiciários. Nota-se de igual forma, a não implementação do instituto da residência jurídica; ausência ou inadequação de veículos funcionais para permitir deslocamentos com segurança, assim como ausência de imóveis funcionais ainda que dentro das próprias unidades judiciárias.

Ressalte-se, também, que há dificuldades ou preterição para participação de ações formativas, presenciais ou remotas, e, o mais significativo, inexiste a devida e proporcional valorização para fins de promoção e remoção, ou mesmo para eventual futura licença para capacitação ou de outras oportunidades profissionais.

Não por acaso, as contribuições colhidas no destacado Webinário, deixaram evidenciada a falta de estímulo e de apoio para a lotação e permanência de Magistrados(as) e de Servidores(as) em localidades do interior do país, particularmente nas pequenas cidades e nas zonas de fronteira, e também nas unidades muito distantes da sede do respectivo Tribunal.

A situação agrava-se porque, além da distância da sede e das dificuldades inerentes à vida nas cidades com pouca estrutura urbana, inclusive de moradia, saúde, educação e até de segurança pública e institucional, as deficiências nos quadros de servidores(as) dessas unidades ainda conduzem a uma frequente sobrecarga de trabalho.

A combinação desses elementos amplifica o desestímulo à lotação e à permanência de Magistrados(as) e realimenta o ciclo de dificuldades que acaba por piorar a qualidade e a eficiência da prestação do serviço público exatamente em locais onde ela é mais relevante como espaço de acesso à justiça e à própria cidadania, bem como impede a necessária capilarização do sistema em todo o território nacional.

Esses e outros desafios devem ser enfrentados por meio da implementação de ações institucionais em específica política pública para o segmento, observadas as peculiaridades de cada ramo de justiça e as singularidades socioeconômicas da região.

Em similar sentido, e como exemplo concreto dessa difícil realidade, o Observatório Nacional de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP expressou a preocupação com as inúmeras dificuldades para a prestação eficiente do serviço de justiça em questões de grande repercussão. Assim, encaminhou ao Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição solicitação de análise do tema no seu Relatório de Anual de 2023.

Nesse sentido, manifestou-se o Observatório:

Na grande parte das reuniões do OCGR do ano de 2023, verificou-se que a rotatividade de magistrados e membros do Ministério Publico em locais de difícil lotação e problema que contribui para a morosidade do desfecho dos processos judiciais em casos de grande repercussão, principalmente, na região norte do país. Nesse cenário, devem ser encaminhadas as presentes conclusões ao Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, no CNJ, coordenado pelo conselheiro Giovanni Olsson, para, juntamente com a Comissão Permanente de Eficiência Operacional, subsidiar o estudo e o desenvolvimento de propostas de criação de incentivos para lotação de magistrados e servidores em localidades de difícil provimento. (p. 50)

 

As dificuldades relatadas pelo Observatório envolvem, notadamente, as localidades distantes das sedes dos Tribunais, situação ainda agravada em zonas de fronteira e cidades com pouca estrutura urbana, nas quais a lotação e a permanência de quadros estáveis do Poder Judiciário, seja da União ou seja dos Estados, constituem grandes desafios.

A falta de uma política consistente para enfrentar essas questões provoca baixa eficiência e até descontinuidade da prestação jurisdicional e, particularmente em situações complexas, como as que envolvem invasão de áreas protegidas e de povos tradicionais, tráfico de pessoas, trabalho escravo ou degradante, tráfico de drogas ou armas, com repercussões sociais, econômicas e ambientais significativas.

Isto é: o diagnóstico do Observatório Nacional de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP na tramitação das demandas sob seu acompanhamento, confirma a necessidade e a urgência de ações específicas para o enfrentamento da insuficiente qualidade da prestação jurisdicional em Comarcas interiorizadas.

Para além desse cenário, cabe enfatizar que, no contexto atual de carreiras da Magistratura estagnadas, com pouca mobilidade horizontal e vertical, a lotação e permanência de Magistrados(as) e Servidores(as) em Comarcas distantes das sedes, próximas de fronteiras internacionais, de difícil acesso e usualmente com estruturas urbanas limitadas, é um desafio institucional.

 O mesmo raciocínio se aplica a Comarcas que, embora possam ter estruturas urbanas mais robustas, apresentam volume ou tipo de trabalho que implica sobrecarga acima da média, com acentuado desgaste pessoal, familiar e profissional, provocando alta rotatividade nos quadros e gerando obstáculos ao seu provimento.

Portanto, a dificuldade de provimento pode decorrer, tanto da localização remota e da baixa estrutura da sede da comarca, como também de uma combinação de afastamento ou distância da sede e da quantidade e natureza das demandas em tramitação, de forma que cidades de médio porte e com grande volume de trabalho também podem ser enquadradas nessa categoria.

Nesses casos, pode haver algum grau de estabilidade de juízes(as) titulares, mas não se consegue fixar juízes(as) substitutos(as) ou auxiliares, além assessores, para darem devida atenção ao volume processual bem acima da média, exatamente porque há outras lotações mais próximas da sede do Tribunal ou Capital do Estado com menor carga de trabalho.

Tem-se que esses entraves não são específicos da Magistratura e não constituem situação inédita em outras profissões das áreas jurídicas, de forma que, tanto no âmbito da União quanto dos Estados, há inúmeras iniciativas para estimular e valorizar a lotação e permanência de quadros nessas localidades.

A Advocacia da União, por exemplo, estabelece estímulo não-financeiro para o Advogado Público lotado em unidade de difícil provimento que “ali permanecer em efetivo exercicio pelo prazo minimo de tres anos ininterruptos (...) sera concedida preferencia no concurso de remocao, independentemente de antiguidade na carreira” (Portaria AGU n. 1.292, de 11 de setembro de 2009, art. 2º, caput).

Outras carreiras públicas, em regulamentação similar, como a Receita Federal do Brasil, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego são alcançadas por uma vantagem financeira pelo exercício nas unidades situadas em localidades estratégicas vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão aos delitos transfronteiriços. A verba possui natureza indenizatória e é “devida por dia de efetivo trabalho” (Lei Federal n. 12.855/2013, art. 2º).

O Ministério Público – tanto em âmbito nacional (Lei Complementar n. 75/93, art. 227, VIII, e Lei n. 8625/93, art. 50, IX) quanto em âmbito Estadual (Leis Orgânicas do Ministério Público dos Estados) – também concede vantagens financeiras a esse título. A referência é da maior importância, em face da reconhecida simetria constitucional regulamentada por este Conselho pela Resolução CNJ n. 528/2023[1], que constitui parâmetro normativo seguro para comparação.

Não obstante a enorme relevância e urgência de tratamento normativo desta questão, até hoje não foi editado o Estatuto da Magistratura ou tampouco lei específica para regulamentar a questão, seja nos aspectos financeiros previstos (art. 65, X, da LOMAN), seja nos aspectos não-financeiros.

Em relação aos aspectos financeiros, este mesmo Conselho, ao regular o regime de subsídio, foi expresso no sentido de que a verba concedida para o exercício em comarca de difícil provimento não está incorporada pelo subsídio.

Diz o art. 5º da Resolução CNJ n. 13/2006:

Art. 5o As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por elas extintas:

I – de caráter permanente: retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento.

 

Em relação aos aspectos não-financeiros há necessidade de suprir e compensar as carências de pessoal, tanto de quadros da área judiciária quanto de segurança judicial e de apoio, bem assim, estrutura de residência e de transporte seguro para deslocamentos.

Ademais, deve-se valorizar o(a) magistrado(a) que aceita passar longo período nessas lotações e lá residir, com todas as limitações de atendimento médico, de escolas para filhos e de segurança, com incentivos destacados para fins de remoção, de promoção, de formação profissional, com a proporcional majoração dos indicadores de desempenho para esse efeito.

O mesmo raciocínio aplica-se para as situações em que, embora as sedes das Comarcas sejam municípios com boa estrutura urbana, a grande distância da sede, a proximidade de fronteiras internacionais, o volume de trabalho acima da média, a alta complexidade das demandas e o agravado risco de segurança são fatores decisivos para a estabilidade de lotação de Magistrados(as) e Servidores(as).

Feitas essas considerações, tem-se que a presente proposta contempla as duas vertentes, permitindo alcançar tanto as situações do interior mais remoto do país e nos limites fronteiriços, quanto as situações singulares de grandes centros urbanos e Estados de menor extensão territorial que também possuem unidades com dificuldades para a lotação, especialmente quando tratam de competências complexas ou de agravada exposição a risco.

Em primeiro lugar, busca-se valorizar as três principais situações sensíveis de sedes de Comarcas do interior do país, usualmente de estrutura precária ou muito distantes, quais sejam:

i) as sedes de Comarca nos Municípios com pouca estrutura urbana (população inferior a 30 mil habitantes);

ii) as sedes de Comarca próximas a fronteiras internacionais (em linha de 150 quilômetros); e

iii) as sedes de Comarca muito afastadas das sedes dos Tribunais e das Capitais dos respectivos Estados (mais de 400 quilômetros).

No que se refere ao item iii a proposta estabeleceu diretrizes especiais para os Tribunais com jurisdição em mais de um Estado (caso de alguns Tribunais no âmbito da União), prevenindo que Unidades Judiciárias em Capitais de Estados mais distantes da sede de Tribunais possam ser contempladas como de difícil provimento pelos critérios gerais de distância.

Em segundo lugar, busca-se contemplar as principais situações de difícil provimento em Tribunais de áreas territoriais menores, ou integrados em grandes centros urbanos como as Unidades Judiciárias de atuação especial.

Nessas, estão compreendidas todas aquelas com alta rotatividade de Magistrados(as) Titulares e/ou Substitutos(as) (pelas circunstâncias regionais mais variadas), ou com competência de matérias de alta complexidade ou demandas de grande repercussão, ou com exposição dos(as) Magistrados(as) a agravado risco de segurança na atuação.

Indicam-se as Unidades Judiciárias situadas em Capitais de Estados ou em cidades maiores com competências especializadas, com competências envolvendo crime organizado, corrupção, tráfico internacional, fiscalização do sistema prisional, desastres ambientais, violações de direitos humanos, conflitos agrários ou com povos tradicionais, dentre outras possibilidades, como definido Tribunais, no âmbito da sua autonomia administrativa e tendo em vista a eficiência dos serviços judiciários.

Nesses casos, porém, o volume total de Unidades Judiciárias contempladas não pode exceder a 10% do total do respectivo Tribunal, por tempo determinado ou não, conforme a transitoriedade ou não da situação que justificou o seu enquadramento.

A proposta prevê, ainda, que o Observatório Nacional de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP e a Corregedoria Nacional de Justiça possam conferir a natureza de unidade de atuação especial a outras Unidades Judiciárias não contempladas pelo respectivo Tribunal, por tempo determinado e enquanto as circunstâncias justificarem.

Tal medida garante a plena resposta institucional deste Conselho em face de situações excepcionais para garantir a eficiência da prestação jurisdicional e para atender casos de elevada complexidade ou de grande repercussão.

Assim, por todos esses fundamentos, notadamente a simetria constitucional e a necessidade de se instituir mecanismos financeiros e não-financeiros para estimular a fixação de Magistrados(as) em localidades do interior do país e em unidades de atuação especial, devem ser estabelecidos critérios por este Conselho, de forma a assegurar a equiparação, até que sobrevenha o Estatuto da Magistratura ou legislação específica sobre a verba em questão.

É de se ter que o perene prestígio à Política de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição demanda a adoção de ações afirmativas para estimular a lotação e a permanência de Magistrados(as), com a devida valorização na proporção do tempo de permanência, particularmente no contexto de carreiras estagnadas e com baixa mobilidade horizontal e vertical.

Ante o exposto, submeto à apreciação do Plenário proposta de Resolução, disposta no anexo a esse voto, e o faço na certeza de que a proposição, aprovada pelo Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária do Primeiro Grau de Jurisdição, em muito contribuirá para a efetiva implementação da diretriz estratégica do CNJ, firmada no sentido de aperfeiçoar os serviços judiciários de primeira instância, além de ser ação que se alinha aos eixos da gestão do Presidente do CNJ, Ministro Luís Roberto Barroso, notadamente, o da eficiência da Justiça no Brasil.

É como voto.

Intimem-se os tribunais.

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

 

ANEXO 

 

RESOLUÇÃO No     , DE        DE              DE 2024. 

 

Institui Política Pública de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento.

 

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais; 

CONSIDERANDO a competência do CNJ para, nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso I, da Constituição da República, expedir atos regulamentares para cumprimento do Estatuto da Magistratura e para o controle da atividade administrativa do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO o disposto no art. 93, VII (obrigação de residência do Juiz na Comarca), XIII (necessária proporcionalidade do número de Magistrados com a efetiva demanda judicial) e art. 5º, LXXVIII (duração razoável do processo e celeridade na tramitação), da Constituição da República;

CONSIDERANDO a unicidade do Poder Judiciário, a exigir a implementação de diretrizes nacionais para nortear a atuação institucional de seus órgãos;

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento e complementação da Política de Atenção Prioritária ao 1º Grau de Jurisdição instituída pela Resolução CNJ n. 194/2014, com previsão de diretrizes específicas para as Unidades Judiciárias interiorizadas com dificuldade de lotação, em especial distantes da sede do Tribunal, em zonas de fronteira internacional ou em pequenos Municípios;

CONSIDERANDO o diagnóstico do Observatório Nacional de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP em relação às dificuldades de tramitação de causas de repercussão social, econômica e ambiental em unidades interiorizadas em várias partes do país;

CONSIDERANDO a existência de regulamentação do incentivo ao provimento de Comarcas sensíveis, no âmbito do Ministério Público, aplicável ao Poder Judiciário por força da simetria constitucional, e de iniciativas similares implementadas por outras carreiras públicas para enfrentamento das mesmas questões de lotação de seus quadros;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato 0000927-53.2024.2.00.0000, na xxxxª Sessão Ordinária, realizada em xx de xxxx de 2024,

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Fica instituída a Política Pública de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento, com o objetivo de estabelecer incentivos à interiorização e à eficiência da prestação judiciária. 

Art. 2º O Conselho da Justiça Federal, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e os Tribunais, nos seus âmbitos respectivos, deverão instituir mecanismos de estímulo à lotação e à permanência de Magistrados(as) em Comarcas de difícil provimento assim definidas:

I – unidade em Município com pouca estrutura urbana: aquela cujo Município da sede da Comarca tenha população inferior a 30 (trinta) mil habitantes;

II – unidade em zona de fronteira: aquela cuja sede da Comarca esteja situada a até 150 (cento e cinquenta) quilômetros em linha reta de qualquer fronteira internacional;

III – unidade muito distante: aquela cuja sede da Comarca esteja situada a mais de 400 (quatrocentos) quilômetros de distância pela via rodoviária mais curta da sede do respectivo Tribunal, observando-se ainda, no caso de Tribunais com jurisdição sobre mais de um Estado, que diste também mais de 400 (quatrocentos) quilômetros de quaisquer das capitais dos demais Estados que integrem a respectiva jurisdição;

IV – unidade de atuação especial: aquela que, embora não contemplada nas hipóteses anteriores, possua significativa rotatividade de Magistrados(as) Titulares ou Substitutos(as), ou competência de matéria de alta complexidade ou demandas de grande repercussão ou exponha o(a) Magistrado(a) a agravado risco de segurança, nos termos definidos pelos Conselhos e Tribunais e enquanto perdurar a situação, limitando-se o número total de unidades assim enquadradas nesse caso a não mais de 10% (dez por cento) do total do respectivo Tribunal.

§ 1º Ficam excluídas do disposto nos incisos II e III deste artigo as Unidades Judiciárias situadas na Capital Federal, nas capitais dos Estados ou nos Municípios das sedes dos respectivos Tribunais.

§ 2º Nas Unidades Judiciárias situadas nos Estados da Região Norte do país, as distâncias indicadas nos incisos II e III deste artigo poderão ser excepcionalmente reduzidas, a critério do Tribunal ou Conselho, nos casos em que não houver acesso rodoviário da sede do respectivo Tribunal e da Capital do Estado ou se o acesso for apenas multimodal e especialmente oneroso, demorado ou perigoso.

§ 3º Os mecanismos de estímulo à lotação e à permanência de Magistrados deverão alcançar, no âmbito de cada Tribunal, todas as Comarcas que se enquadrem na definição de difícil provimento dos incisos I, II e III e, a critério do Conselho ou Tribunal, as unidades por eles definidas na forma do inciso IV, todos deste artigo.

Art. 3º Os Conselhos e Tribunais deverão considerar as peculiaridades de cada ramo de Justiça e as características socioeconômicas regionais, com iniciativas financeiras e não-financeiras, contemplando obrigatoriamente, no mínimo, as seguintes ações:

I – prioridade para participação em ações de formação presenciais ou telepresenciais e para licença de capacitação, proporcional ao tempo de lotação e residência nessas Comarcas;

II – prioridade para designação de Magistrado(a) Substituto(a) ou Auxiliar, de residente(s) jurídico(s), de assistente(s) e assessor(es) e de servidor(es) para a Unidade de lotação, presencialmente ou por teletrabalho;

III – prioridade para a distribuição e redistribuição eletrônica de processos, preferencialmente no âmbito do Programa Justiça 4.0 e do Juízo 100% Digital, para outras Unidades Judiciárias de igual competência visando equalizar a carga de trabalho dos(as) Magistrados(as) dessas unidades para quantitativos não superiores à média dos(as) demais Magistrados(as) do Tribunal, de mesma competência, e reduzir proporcionalmente o volume ou acervo processual;

IV – ampliação temporária do quadro de pessoal da Unidade, presencialmente ou por teletrabalho, quando houver volume processual ou carga de trabalho acima da média do Tribunal para varas de mesma competência, ou casos de maior complexidade ou de grande repercussão;

V – ampliação dos quadros de lotação de polícia judiciária na Comarca e a alocação de veículo funcional compatível para os deslocamentos na região, nos casos em que os Municípios integrantes da Comarca forem de difícil acesso ou desprovidos de estrutura de segurança pública suficiente;

VI – prioridade para a melhoria das instalações físicas, da infraestrutura e da segurança da Unidade Judiciária;

VII – valorização do tempo de lotação e residência na sede da Comarca para fins de remoção e promoção ou acesso por merecimento;

VIII – concessão de licença compensatória proporcional ao tempo de lotação e de residência na sede da Comarca.

Art. 4º Até que sobrevenha o Estatuto da Magistratura, a valorização para fins de remoção e promoção ou acesso por merecimento, prevista no inciso VII do artigo 3º, consistirá em adicional de valorização por lotação especial, o qual incidirá após a apuração da média final do candidato, nos termos do art. 11, ou do art. 11-A, caso previsto no Regimento Interno do Tribunal, ambos da Resolução CNJ n. 106/2010.

§ 1º O adicional de valorização por lotação especial previsto neste artigo terá quantitativo e critérios definidos na Resolução CNJ n. 106/2010, e considerará proporcionalmente a quantidade de tempo em que o(a) Magistrado(a) esteve lotado(a) e residiu efetivamente na sede da Comarca.

§ 2º   O adicional não será computado no caso de autorização para residir fora da Comarca, independentemente de seu fundamento ou de se tratar de condição especial de trabalho, ou qualquer hipótese de designação para atuar remotamente de fora daquela Comarca.

Art. 5º Até que sobrevenha o Estatuto da Magistratura, a licença compensatória prevista no inciso VIII do artigo 3º será calculada com base nos mesmos critérios e hipóteses aplicáveis para a acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias por Magistrados(as), nos seus âmbitos respectivos e regulamentados nos atos vigentes do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, e corresponderá a 1 (um) dia de licença compensatória a cada 4 (quatro) dias de lotação com residência na sede da Comarca, com possibilidade de conversão em indenização.

§ 1º O disposto no presente artigo aplica-se também aos Tribunais de Justiça, salvo se houver Lei Estadual específica que disponha sobre a matéria em simetria com o Ministério Público Estadual respectivo, na forma da Resolução CNJ n. 528/2023.

§ 2º A vantagem definida no caput é devida apenas na hipótese em que o(a) Magistrado(a) esteja lotado(a) e resida efetivamente na sede da Comarca, cessando o seu pagamento em caso de autorização para residir fora dela, independentemente de seu fundamento, ou qualquer hipótese de designação para atuar remotamente de fora daquela Comarca.

Art. 6º Os(As) Magistrados(as) lotados(as) nas Comarcas definidas no art. 2º e afastados por licenças legais, tais como licença para tratamento de saúde, licença para mandato associativo e convocação, substituição ou auxílio em Tribunal, Conselho ou Escola Judicial, não perderão o direito às vantagens instituídas por esta Política, desde que permaneçam residindo na sede da respectiva Comarca.

Art. 7º O impacto financeiro desta Política correrá por conta do orçamento do Conselho da Justiça Federal, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, e da dotação própria de cada Tribunal de Justiça, em relação aos juízes federais, do trabalho e de direito, respectivamente.

Art. 8º O Conselho da Justiça Federal, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e os Tribunais, nos seus âmbitos respectivos, poderão instituir política similar também a Servidores(as), no que couber, observadas as especificidades de suas carreiras e regimes jurídicos próprios, e, no âmbito da União, o disposto na Lei Federal n. 8.112/90 e na Lei Federal n. 11.416/2006.

Art. 9º O Observatório de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP e a Corregedoria Nacional de Justiça poderão conferir a natureza de unidade de atuação especial prevista no inciso IV do art. 2º a outras Unidades Judiciárias não contempladas pelo respectivo Tribunal, quando verificadas situações excepcionais e enquanto estas perdurarem, para garantir a eficiência da prestação jurisdicional e para atender casos de elevada complexidade ou de grande repercussão.

Art. 10 O Conselho da Justiça Federal, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e os Tribunais deverão editar regulamentações, em até 90 (noventa) dias, encaminhando cópia à Corregedoria Nacional de Justiça e ao Observatório de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP.

Parágrafo único. Os eventuais efeitos financeiros decorrentes da implantação da Política serão devidos a partir de 1º de janeiro de 2025.

Art. 11 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro Luís Roberto Barroso

 



[1] Garante a equiparação constitucional entre direitos e deveres da Magistratura e do Ministério Público.