Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004930-61.2018.2.00.0000
Requerente: MARIEL MARLEY MARRA
Requerido: WANDERLEY SALGADO DE PAIVA

 

 

EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. 

1. O que se alega contra o desembargador, conforme decisão ora recorrida, classifica-se como matéria estritamente jurisdicional, qual seja, sua alegada suspeição.  Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Recurso administrativo improvido.


S02/S34

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luciano Frota (vistor), o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 31 de maio de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004930-61.2018.2.00.0000
Requerente: MARIEL MARLEY MARRA
Requerido: WANDERLEY SALGADO DE PAIVA

 

RELATÓRIO


           

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

Cuida-se de recurso administrativo interposto por MARIEL MARLEY MARRA contra decisão monocrática da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça à época, que determinou o arquivamento da reclamação disciplinar proposta em desfavor de WANDELEY SALGADO DE PAIVA, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG - ID 3210033.

Na petição inicial, o reclamante alegou que foi divulgado pela imprensa áudio de interceptação telefônica em que o desembargador, por intermédio de vereador de Belo Horizonte, pediu ao Presidente da BHTrans, à época, a retirada de um ponto de ônibus que ficava na frente de sua residência.

Relatou que, após o episódio, o reclamado votou em julgamento de habeas corpus em que foi concedida liberdade ao vereador, que havia sido preso e afastado do cargo por suspeita de desvio de contratos públicos.

Afirmou que houve quebra do dever de parcialidade, comprometimento da independência funcional e de decoro, caso passível de aplicação de medidas disciplinares previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional ao desembargador, que, em 2016, por influência do político, obteve benefício pessoal de ente público e, em 2018, votou no referido HC.

Requereu liminarmente o afastamento do magistrado das atividades judicantes nos termos dos arts. 75, parágrafo único, 95, III, do Regimento Interno do CNJ, e 29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35/1979).

Por fim, requereu a instauração de processo administrativo disciplinar ou a instauração de sindicância para apuração dos fatos narrados.

O pedido de liminar foi indeferido em 13/7/2018 (Id 3157134).

O Desembargador Wanderley Salgado de Paiva foi instado a se manifestar acerca dos fatos narrados.

As informações foram prestadas em 23/7/2018 (Id 3170309).

Nas razões do recurso administrativo, alega o recorrente, que:

 

“Merece reforma a decisão do Ministro João Otávio de Noronha pelo arquivamento da presente reclamação sob o argumento de "ausência de indícios de transgressão funcional em relação aos fatos relacionados com o pedido de mudança do local do ponto de ônibus", visto que conforme noticiado na exordial o Reclamado foi GRAVADO em escuta telefônica realizada com autorização judicial em 2016 (anexo), na qual o diálogo do Reclamado com o presidente da BHTrans, órgão público destinado a fiscalização do trânsito em Belo Horizonte, elle é suficientemente claro no sentido de demonstrar que o Reclamado não somente deixou de recusar o benefício de um ente público (BHTrans), como ele próprio buscou o tráfico de influência do político Wellington Magalhães para assim obter a alteração de um ponto de ônibus de lugar, violando assim sua independência funcional nos termos da legislação apontada.

E como se isso não bastasse, a atuação do Reclamado em 2018 no julgamento do HC n. 1.0000.18.046262-4/000 compromete também gravemente seu dever de imparcialidade, em razão da clara amizade entre o político e o Reclamado, a qual é demonstrada pela mesma ESCUTA TELEFÔNICA de 2016 noticiada na exordial (anexo).

Portanto, a decisão  pelo arquivamento sob o argumento de "ausência de indícios de transgressão" é absurda e teratológica face a prova apresentada quanto ao pedido de favor, bem como quanto a amizade entre o Reclamado e o Paciente no HC mencionado.” ID 3247833.

Aduz, ainda que:


“Se a presente escuta telefônica realizada com autorização judicial em 2016, a qual foi amplamente noticiada pela imprensa em 2018 não puder ser considerada no mínimo como indício de transgressão, então pergunta-se o que seria considerado como indício de transgressão pelo CNJ?

Além disso, considerando a gravidade da conduta do Reclamado, sabe-se que o fato foi também noticiado perante o Ministério Público Federal (PGR-00426640/2018), visando a instauração de inquérito judicial no STJ para apuração de possível prática de crime tipificado no art 319 (Prevaricação) e 332 (Tráfico de Influência), ambos do Código Penal.” ID 3247833 – fl. 4. 


Pugna, por fim, pela continuidade e instauração do procedimento de investigação.

O recorrido apresentou contrarrazões ao recurso administrativo – ID 3507129

É, no essencial, o relatório.

 

S02/S34/Z10

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004930-61.2018.2.00.0000
Requerente: MARIEL MARLEY MARRA
Requerido: WANDERLEY SALGADO DE PAIVA

 


VOTO

        

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

Não merece provimento o presente recurso administrativo.

Conforme tratado no decisum ora recorrido, o reclamado publicou nota pública em que afirmou não ter relação de amizade, parentesco ou proximidade com o vereador, paciente do habeas corpus, e, mesmo na interceptação telefônica, não foi possível inferir a existência de relação de amizade ou proximidade por parte do magistrado que afastasse sua imparcialidade para atuar no caso.

Assim, quanto à atuação do reclamado no julgamento do HC n. 1.0000.18.046262-4/000, não restaram demonstrados indícios de que a decisão proferida tenha decorrido de influência e amizade que o magistrado teria com o vereador, ficando a questão do acerto ou não da decisão exclusivamente no âmbito do livre convencimento motivado, o qual foi expressado na esfera jurisdicional e fora da esfera de sindicância de procedimento administrativo.

O que se alega contra o desembargador, conforme decisão ora recorrida, classifica-se como matéria estritamente jurisdicional, qual seja, sua alegada suspeição para julgar processo de habeas corpus, situação que não restou alegada e provada no âmbito adequado, que seria o processual, e que também não exsurge dos argumentos apresentados pelo recorrente, pois baseados em meras conjecturas. 

O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

 Nesse sentido:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS E JUSTIÇA GRATUITA. QUESTÕES MERAMENTE JURISDICIONAIS. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Alegação de suspeição em razão de suposta parcialidade deve ser realizada no bojo dos autos judiciais, mediante ato processual específico para a espécie. 

2. Magistrada que indeferiu provas e a concessão de justiça gratuita nos autos de ação trabalhista. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, hipótese em que a parte prejudicada deve valer-se dos meios recursais próprios, não se cogitando atuação do CNJ. 

3. Recurso administrativo desprovido.” 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0004381-85.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 268ª Sessão Ordinária - j. 20/03/2018 ).

 

"RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. CONTROLE DE ATO JUDICIAL. DESCABIMENTO. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. ART. 103-B, § 4º, DA CF. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

1. A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade. 

2. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. 

3. Recurso administrativo conhecido e desprovido." 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0002342-86.2015.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 22ª Sessão Virtual - j. 05/06/2017).

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO. INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. QUESTÃO MERAMENTE JURISDICIONAL. INCIDÊNCIA DO ART. 41, LOMAN. 

1. Pedido de Providências distribuído ao Gabinete da Corregedoria Nacional de Justiça em 10/02/2015.

2. A simples existência de representação anterior na Corregedoria Nacional de Justiça – para processar, em tempo razoável, ações do interesse do reclamante – não tornam, por si só, suspeito ou impedido o Juiz do processo.

3. Hipótese em que a parte prejudicada poderia ter se valido dos meios processuais adequados para discutir eventual suspeição ou impedimento do julgador.

4. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, não se justificando a atuação do CNJ.

5. Recurso administrativo não provido.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0000440-98.2015.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 15ª Sessão Virtual - j. 21/6/2016 ).


Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto.

 

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

 

 

S02/Z10/S34

 

Brasília, 2019-06-04.