Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001425-62.2018.2.00.0000
Requerente: IAN SAMITRIUS LIMA CAVALCANTE e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ - TJPI

 


 

EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIA. ART. 236, § 3º, DA CF. NORMA AUTOAPLICÁVEL. CONCURSO PÚBLICO. REMOÇÃO. AUSÊNCIA DE LEI ESTADUAL QUE DISPONHA SOBRE NORMAS E CRITÉRIOS. PREJUÍZO. AUSÊNCIA.  

1. Nos termos da jurisprudência do STF, o art. 236, § 3º, da CF, é norma autoaplicável, de incidência imediata.

2. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o concurso público é pressuposto inafastável para delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção.  

3. A ausência de lei estadual específica que disponha sobre normas e critérios para o concurso de remoção não causa prejuízo ao certame, tampouco é causa para determinar a sua anulação ou suspensão imediata.

Recurso administrativo improvido. 


S18/Z04/S34

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 4 de outubro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Iracema Vale, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001425-62.2018.2.00.0000
Requerente: IAN SAMITRIUS LIMA CAVALCANTE e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ - TJPI


 

 

RELATÓRIO


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

Cuida-se de recurso administrativo interposto por JOÃO BATISTA NUNES DE SOUSA contra decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, que julgou improcedente o presente pedido de providências.

O requerente narra em sua petição inicial que o Edital n. 01, do I Concurso Público para Outorgada de Delegações de Serventias Extrajudiciais de Notas e de Registros do Estado do Piauí, não observou o que dispõe o art. 18 da Lei n. 8.935/94:

"Art. 18. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção." 

Relata que o Edital se baseou no § 3º do art. 236 da Constituição Federal, na Lei n. 8.935/95, de 18 de novembro de 1994, e alterações, nas Resoluções n. 80 e 81, ambas do Conselho Nacional de Justiça, e na Lei Complementar Estadual n. 184, de 30 de maio de 2012.

Sustentou, ainda, que as alterações feitas na Lei n. 3.716/79 não trataram sobre normas e critérios para o concurso de remoção.

Intimado a se manifestar, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí informou que o edital de abertura do certame se baseou no § 3º do art. 236 da CF, na Lei n. 8.935/94 e alterações, assim como nas Resoluções n. 80 e 81 do CNJ e na Lei Complementar Estadual n. 184, de 30/5/2012.

Em 7/8/2018, a Corregedoria Nacional da Justiça proferiu decisão julgando improcedente o pedido. 

Em 24/8/2018, foi interposto recurso administrativo mediante o qual o recorrente sustenta, em síntese, que não existe nenhum diploma que trate de normas e critério para o concurso de remoção e não pode, pela falta de lei estadual, basear-se em resoluções do CNJ para estabelecer os critérios e normas para fins concurso, isto seria, usurpar a competência delegada aos Estados, negando, assim, vigência de lei federal.”  

Alega, também, que a lei complementar estadual 184, lei que altera lei nº. 3.716/79, citada como fundamento para o concurso, não tratou sobre o concurso para remoção, a mesma apenas regulamentou a Organização Judiciaria do Estado do Piauí. Ademais, impossível a Resolução 80 e 81 do CNJ regulamentar tal concurso, pois alguns impasses não poderiam ser resolvidos, a exemplo do critério de desempate (idade/títulos); necessidade de prova escrita e/ou oral; consideração de lei federal (exemplo idosos), em detrimento ao Edital e/ou Resolução do CNJ.” 

Requer a anulação parcial e de forma definitiva do I Concurso Público para Outorgada de Delegações de Serventias Extrajudiciais de Notas e de Registros do Estado do Piauí por afronta à legislação federal, determinando-se a suspensão imediata do concurso de provimento até a homologação do concurso de remoção.  

Sobrevieram petições do recorrente requerendo a juntada de documentos e de terceiro solicitando a sua admissão como interessado.

É, no essencial, o relatório.

 

S18/S34

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001425-62.2018.2.00.0000
Requerente: IAN SAMITRIUS LIMA CAVALCANTE e outros
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VOTO


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

Inicialmente admitido Alex Pereira Bühler como terceiro interessado. Passo à análise do mérito recursal.

O recorrente baseia a sua pretensão recursal na ausência de lei estadual que disponha sobre as normas e critérios para o concurso de remoção nos termos do art. 18 da Lei n. 8.935/94.

O tema em apreço remete à análise do art. 236, § 3º, da Constituição Federal, que trata especificamente das serventias extrajudiciais e da exigência de concurso público para regular provimento e remoção. Eis a redação do dispositivo: 

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

[...]

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

O regime jurídico constitucional dos serviços notariais e de registro baseia-se em normas consideradas autoaplicáveis. Trata-se de serviço exercido em caráter privado e por delegação do Poder Público, com ingresso ou remoção por concurso público de provas e títulos, conforme orientação dada pelo constituinte originário.

A exigência de concurso público para o ingresso na atividade notarial e registral decorre, em sua origem, da Emenda Constitucional n. 22, de 29 de junho de 1982, a qual alterou os arts. 206 e 207 da Constituição de 1967. Na nova ordem constitucional, essa exigência foi regulada no art. 236, § 3º, da CF/88.

Após a Constituição Federal de 1988, respeitado o direito adquirido expresso no art. 32 do ADCT, todo e qualquer provimento/remoção de serventia extrajudicial deverá ser precedido de concurso público de provas e títulos.

Esse entendimento é corroborado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:


“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA FORMULADO APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DE AGRAVO. INVIABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. DESISTÊNCIA NÃO HOMOLOGADA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE PERMUTA, SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. PACÍFICA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA NÃO HOMOLOGADO. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (MS n. 29895 AgR-ED-AgR, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 24/8/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 5/9/2018 PUBLIC 6/9/2018).

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO POR PERMUTA, SEM CONCURSO PÚBLICO. ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS. PACÍFICA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (MS n. 29496 ED-ED-AgR, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 17/8/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 29/8/2018 PUBLIC 30/8/2018).

Essa orientação vem sendo seguida pela Corregedoria Nacional de Justiça nos julgamentos de casos sobre a matéria. A propósito:


“RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIA. MANUTENÇÃO DE TABELIÃO EM SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. REMOÇÃO. PROVIMENTO SEM CONCURSO PÚBLICO. DECISÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. NÃO CABIMENTO.

1. A submissão do tabelião a concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais por provimento derivado (remoção) a partir da vigência da Constituição Federal de 1988. 

2. Na hipótese de remoção sem concurso público e de extinção da serventia de origem da qual o tabelião era titular, é incabível a modulação dos efeitos da decisão que declara a nulidade dessa remoção, devendo o removido suportar os ônus do ato irregular. 

3. Recurso administrativo desprovido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0000403-37.2016.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 267ª Sessão Ordinária - j. 6/3/2018 ).

Com efeito, a exigência de concurso público de remoção advém do art. 236, § 3º, da Constituição Federal, que é norma autoaplicável de incidência imediata desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei n. 8.935/1994. Assim, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o concurso público é pressuposto inafastável para delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção.  

No caso dos autos, o edital de abertura do certame se baseou no § 3º do art. 236 da Constituição Federal, na Lei n. 8.935/94, assim como nas Resoluções n. 80 e 81 do CNJ e na Lei Complementar Estadual n. 184, de 30/5/2012. 

Logo, a ausência de lei estadual específica que disponha sobre normas e critérios para o concurso de remoção não causa prejuízo ao certame, tampouco é causa para determinar a sua anulação ou suspensão imediata.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto.

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

S18/S34

 

 

 

Brasília, 2019-10-21.