Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

EMENTA: RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. PROCEDIMENTO DE ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO. RESOLUÇÃO CNJ 185/2013. SISTEMA PROCESSUAL ELETRÔNICO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CONTRATAÇÃO DE TRANSNACIONAL DE TECNOLOGIA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PROCESSO ELETRÔNICO. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR A SUSPENSÃO DE ATOS TENDENTES À EXECUÇÃO DO CONTRATO. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - ratificar a liminar e converter o julgamento em diligência para determinar imediato processamento das informações ofertadas pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelos setores técnicos competentes do Conselho Nacional de Justiça, para análise e parecer, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, as Conselheiras Maria Cristiana Ziouva e Maria Tereza Uille Gomes. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 12 de março de 2019 Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


 

RELATÓRIO  

  

Trata-se de Procedimento de Acompanhamento do Cumprimento da Resolução CNJ 185/2013, que “institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento”.

Dada a natureza do feito, em que se busca a efetivação das determinações constantes da aludida norma e de variados precedentes que reafirmam, ao longo dos últimos anos, a imprescindibilidade de uma política nacional de processos eletrônicos (Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0003555-64.2014.2.00.0000 - Rel. Carlos Eduardo Dias - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004350-36.2015.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Campelo - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015), o Conselho Nacional de Justiça tem, desde 2013, instado e solicitado aos Tribunais que enviem informações acerca da implantação do PJe no âmbito daquelas Cortes, para que se possa acompanhar a difusão dos sistemas e a própria concretização dos preceitos normativos.

Nesse período, foram recolhidos inúmeros dados sobre a composição dos Comitês Gestores, registros dos planos de implementação do referido sistema, assim como apresentadas pretensões de relativização dessa implantação, as quais foram objeto de análise técnica e posterior submissão ao Plenário do CNJ, nos termos da Resolução 185/2013 (art. 45).

Redistribuído o feito à minha relatoria em 5-7-2018, em razão da Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Infraestrutura do CNJ (Id. 2871616), foram atualizadas as informações provenientes dos Tribunais, assim como impulsionadas as pretensões de relativização no âmbito da mencionada Comissão (Id. 3239135).

Em 20-2-2019, o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) divulgou em sua página oficial ter promovido “contratação direta” da transnacional de tecnologia Microsoft, “para o desenvolvimento de nova plataforma de processo eletrônico e infraestrutura de tecnologia”. 

De acordo com o veiculado pela própria Corte, com repercussão em diversos sítios de conteúdo jurídico, “o valor total do contrato é de R$ 1,32 bilhão”, no intuito da “criação de uma estratégia de longo prazo para a completa transformação digital das atividades do Tribunal e inclui o desenvolvimento de novo sistema de tramitação processual. O projeto prevê o uso de nuvem e a adoção de novos softwares”. 

Diante de tal fato, em 21-2-2019 deferi medida cautelar, ad referendum do Plenário, para que a Administração do e. Tribunal Bandeirante se abstivesse de praticar qualquer ato tendente a concretizar ou dar execução à contratação noticiada antes de assim autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça, com os seguintes fundamentos:

II – Compete ao Conselho Nacional de Justiça, por mandamento constitucional (art. 103-B), “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União”. 

A Lei 11.419, de 2006, dispôs “sobre a informatização do processo judicial”. Seu art. 18 autoriza a regulamentação pelo Poder Judiciário, desiderato contemplado pela Resolução CNJ 185/2013, “que institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento”. 

O art. 34 da aludida norma é expresso no sentido que as “Presidências dos Tribunais devem constituir Comitê Gestor e adotar as providências necessárias à implantação do PJe, conforme plano e cronograma a serem previamente aprovados pela Presidência do CNJ, ouvido o Comitê Gestor Nacional”. 

É bem verdade que a mesma Resolução faculta a relativização de suas regras, mas pelo próprio Conselho e depois de requerimento instruído pelo Tribunal interessado (Procedimento de Competência de Comissão – 0004349-51.2015.2.00.0000 – Rel. Conselheiro Luciano Frota – 50ª Sessão Extraordinária - j. 11/09/2018; Acompanhamento de Cumprimento de Decisão – 0004867-75.2014.2.00.0000 – Rel. Carlos Eduardo Dias – 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015). 

O caso sob exame se reveste, porém, de características que vão ainda além do descumprimento de previsão normativa. 

A isso se soma contratação “direta” (sem licitação), por valor que se aproxima da casa de um bilhão e meio de reais, de empresa estrangeira, a qual promoverá, conforme noticiado, “computação em nuvem” – também conhecida pela expressão inglesa “cloud computing” e que, afora particularidades técnicas, nada mais é que um ambiente dotado de recursos de hardware, plataformas de desenvolvimento e serviços acessados virtualmente, ou seja, remotamente. 

É dizer: potencialmente falando, empresa estrangeira, em solo estrangeiro, manterá guarda e acesso a dados judiciais do Brasil, onde a intensa judicialização reúne, nos bancos de dados dos Tribunais, uma infinidade de informações sobre a vida, a economia e a sociedade brasileira, o que, ressalvadas as cautelas certamente previstas, pode vir a colocar em risco a segurança e os interesses nacionais do Brasil, num momento em que há graves disputas internacionais justamente acerca dessa matéria. 

Essa foi precisamente uma das preocupações que levou a Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Infraestrutura do Conselho Nacional de Justiça a anunciar “a instalação de grupo de trabalho para pronta apresentação de proposta de resolução que vise a disciplinar o acesso aos bancos de dados dos órgãos do Poder Judiciário, seja por outros órgãos públicos, seja por entidades privadas”, do que foi a Corte Paulista notificada ainda no ano passado. 

Estabelece o Regimento Interno deste Conselho (RICNJ): "Art. 25. São atribuições do Relator: [...] XI - deferir medidas urgentes e acauteladoras, motivadamente, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado”. 

Não há dúvida de que "o Conselho Nacional de Justiça pode, a fim de garantir a efetividade do processo administrativo, conceder medida cautelar para suspender atos administrativos de órgãos do Poder Judiciário. Poder que, se não fosse explicitado nos arts. 97 e 99 do RI/CNJ, combinados com o art. 45 da Lei nº 9.784/99, estaria implícito" (STF, MS 27704, Relator (a):  Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 05/08/2014, Acórdão Eletrônico DJe-196 Divulg 07-10-2014 Public 08-10-2014).

III – Ante o exposto, determino, ad referendum do Plenário, que a Administração do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se abstenha de praticar qualquer ato tendente a concretizar ou dar execução à contratação noticiada antes de assim autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça, o que faço por força do art. 25, XI, do Regimento Interno.

Intime-se com urgência o Tribunal da presente liminar, a fim de que a cumpra e faça cumprir, assim como preste as informações pertinentes, em até 10 (dez) dias.

Dê-se ciência dela ao Exmo. Sr. Presidente do Conselho Nacional de Justiça, solicitando-lhe imediata inclusão em pauta.

Uma semana depois, em 28-2-2019, juntaram-se aos autos as informações prestadas por aquela Corte acerca da contratação, em que afirmou que não teria havido “descumprimento da Resolução CNJ 185/2013”, tampouco os riscos apontados na medida suspensiva (Id. 3568034), informações que destaco neste voto.

Na sequência, já na última sexta-feira (8-3-2019), a Microsoft entendeu de complementar a manifestação do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de “elidir as preocupações relativas à segurança da informação da solução tecnológica oferecida”, sustentando cumprir os requisitos do Marco Civil da Internet, Lei de Acesso à Informação e Lei Geral de Proteção de Dados (Id. 3574508).

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
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VOTO  

  

Em cumprimento ao disposto no art. 25, XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, submeto à apreciação do Plenário a decisão cautelar proferida nos presentes autos. 

Conforme nela consta, a instituição do Processo Judicial Eletrônico (PJe) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais pela Resolução CNJ 185/2013 teve o propósito de atender não só à previsão da Lei 11.419/2006 (art. 18), mas também de assegurar a própria função deste Conselho, como órgão central responsável por formular e supervisionar políticas de âmbito nacional para o Poder Judiciário.

Desse modo, desde 2013, as ações do CNJ têm sido voltadas a garantir haver sistema de tramitação processual nacional, independentemente de suas esferas, sem desprezar, entretanto, peculiaridades locais que justifiquem sistemas próprios, notadamente quando já em avançado estágio de desenvolvimento e funcionamento.

Nessa perspectiva, houve diversos casos – recentes inclusive – em que, após regular processamento e manifestação das áreas técnicas do CNJ, foi autorizada pelo Plenário deste Conselho a chamada “relativização” da Resolução CNJ 185/2013 (art. 45), com consequente manutenção de sistema já em uso por Tribunais, mas desde que ocorresse adesão ao “Modelo Nacional de Interoperabilidade” e fosse utilizado o “Módulo Escritório Digital” (Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004352-06.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004355-58.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Comissão - 0004346-96.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 272ª Sessão Ordinária - j. 22/05/2018).

Ressalte-se que todas essas preocupações do CNJ objetivam, em verdade, que o uso da tecnologia da informação se dê em consonância com princípios e garantias constitucionais, notadamente os da supremacia do interesse público, da razoável duração do processo, da eficiência, com a racionalização dos recursos orçamentários, e do acesso à justiça, sempre observado o quadro normativo vigente.

Não há aqui nem é momento de análise de mérito, para o qual o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo oferece densas e respeitáveis informações, que merecem o exame das áreas técnicas do CNJ.

Segundo informado pelo e. Tribunal Paulista, a contratação ora questionada foi resultado do “esgotamento tecnológico do atual sistema de tramitação de processos judiciais – o SAJ-JUD”, que “não é compatível com a plataforma de nuvem nos modelos IaaS, PaaS e SaaS” e “não é estável, sendo alvo constante de travamentos e indisponibilidades”, tendo ficado “58 (cinquenta e oito) horas indisponível”.

Apontou que entre os aspectos negativos de se adotar o SAJ 6 (evolução do sistema) estariam: a) “não ser totalmente nativo de nuvem”; b) “ausência de comprometimento quanto a prazos e entregas” por parte da empresa; c) “necessidade de prosseguimento de investimentos pelo TJSP em seu Data Center/redundância (backup), estimados em R$ 975 milhões”; d) “a linguagem ainda mantém Delphi”; e) “o custo total anual para manutenção do atual sistema judicial do TJSP é de cerca R$ 243 milhões”, enquanto “a solução apresentada pela Microsoft, ao término do contrato, custará o valor total atual de R$ 148 milhões”; f) “ausência de apresentação de proposta para solução de problemas de baixas de correção no ambiente do SAJ 6”; g) “histórico de promessas não cumpridas pela empresa quanto às entregas”; h) “os pilotos com 1º módulo do SAJ 6 não foram conduzidos em nuvem”; i) “o TJSP não deterá o Código-Fonte do prometido SAJ 6”.

Informou que “foi decretado temporariamente o sigilo do processo, até a efetivação do contrato, com fundamento nos arts. 7º, § 1º, 23, VI e VII, 24, §§ 1º ao 5º e 27, III, da Lei nº 12.527/2011”, e que professores da Universidade de São Paulo “reconheceram a regularidade e legalidade da decretação de sigilo”.

Alegou, ainda, que aquela Corte “consultou empresas de referência no mercado global em nuvem (AWS, Google e Microsoft)”, mas que, “após confirmação de que seria vedada a subcontratação e que não se remuneraria a fase de levantamento de requisitos, apenas a Microsoft assinou o Acordo de Cooperação”, situação que “aliada à singularidade do objeto, por si só já autorizaria a contratação direta, com base na Lei de Licitações (Lei 8.666/93)”. No entanto, registrou que “o fundamento da contratação em questão encontra-se no fato de que o seu objeto envolve encomenda tecnológica, de modo que o legislador, diante do risco tecnológico, expressamente autorizou a contratação direta de empresa, a critério do órgão público contratante, nos termos da Lei 10.973/2004”.

Aduziu que “a opção estratégica pela construção de nova Plataforma de Justiça Digital em nuvem teve como intuito permitir constante e regular incorporação de novas tecnologias sem custo adicional”, a exemplo da inteligência artificial, assim como de “diversos serviços SAAS que podem revolucionar não apenas a qualidade da tramitação do processo judicial em si como, sobretudo, a forma de interação do Poder Judiciário com os jurisdicionados”.

Relatou, outrossim, que: a) “o período necessário para o desenvolvimento da plataforma é de 5 anos”; b) “a coexistência com o sistema atual perdurará por 3 anos”; c) “o TJSP conseguiu negociar condições financeira excelentes, por meio de uma solução única frente ao modelo de negócio adotado pela Microsoft”, sendo o valor total do contrato composto por “serviços de desenvolvimento e suporte” – “R$ 780.929.260,30” e “Licenças: R$ 549.374.500,40”; d) “para assegurar a potencialização da inovação pretendida, não apenas no tocante aos fluxos de trabalho, mas, sobretudo, pelo aprimoramento dos serviços de prestação de jurisdição pela incorporação de novas tecnologias, contratou-se o Programa do Centro de Inovação e Transformação Digital”; e) “após os 5 anos do contrato em análise , o TJSP terá uma economia de cerca de 40% com o custo de manutenção de seu sistema de tramitação de processos judiciais”; f)“estima-se que a economia do TJSP, em 10 anos, será próxima a R$ 1 bilhão”; g) “passará a ser coproprietário de produto inovador”; h) “o contrato em foco beneficiará a todos, abrindo possibilidades de reprodução e de parcerias, inclusive com o CNJ, para o compartilhamento de experiências e de Know-how”.

No que concerne à contratação de nuvem, explicou que: a) possibilita “aumentar ou diminuir o volume de armazenamento de dados”; b) proporciona maior segurança no armazenamento desses dados e de acessos; c) “a nuvem pública da Microsoft, a Azure, atende a padrões de segurança de dados”; d) houve previsão expressa de que “a Microsoft deverá guardar sigilo dos dados em posse do TJSP, oportunizando-se o armazenamento no Brasil”, obedecendo a legislação pátria; e) “a Microsoft aderiu a inúmeras certificações internacionais de segurança da informação e privacidade”; f) sobre a espionagem de governos, a Microsoft obrigou-se: “não autorizar qualquer governo a acessar, livre e diretamente, os dados do TJSP”, “não cooperar com qualquer governo no sentido de violar seus elementos de criptografia, nem mesmo a fornecer chaves de criptografias a governos”, “não inclui ‘backdoors’ em seus produtos e adota medidas para garantir que os governos possam verificar tal fato de maneira independente”; g) os dados enviados à nuvem Azure “serão todos criptografados e não serão acessíveis à Microsoft, exceto se houver expressa autorização do tribunal para funcionário específico, com senha expirável em curto prazo e totalmente auditável”; h) outros órgãos públicos tem dados armazenados em nuvem, a exemplo do STJ, AGU, MPSP, Ministérios da Economia e da Justiça, TCU e Banco Central; i) “não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, lei impedindo o armazenamento de dados públicos em nuvens, nem, tampouco exigindo sua manutenção em território brasileiro”; j) “eventuais restrições ao uso de nuvem pública por órgão público, ou a manutenção de dados em territórios brasileiros, insertas em decretos federais, possuem eficácia que se circunscreve, apenas, aos órgãos da administração pública federal, sendo que o TJSP não integra o Poder Executivo Federal ou Estadual”.

Por fim, consignou que “não se entendeu que a contratação com a Microsoft violaria a decisão transcrita acima” (Cumprdec 0003686-39.2014.2.00.0000), “uma vez que não apenas a relativização da Res. CNJ nº 185/13 já havia sido expressamente deferida pelo CNJ, de forma unânime, como, também, em momento algum condicionou a evolução do sistema de processo eletrônico do TJSP à prévia autorização. Cumpre consignar que, transcorridos mais de cinco anos da vigência da Resolução n° 185/13 e ultrapassados todos os prazos nela estabelecidos, o PJe não se encontra pronto nem em termos de ser implantado para funcionar em todas as competências, o que acrescido ao fato de o contrato do TJSP com a Softplan expirar em março próximo, impôs uma tomada de decisão em direção ao mercado para fazer frente ao imenso volume de processos e evitar a insegurança resultante das interrupções, falhas e quedas no sistema, que vem marcando a relação negocial com a atual contratada”.

Todas essas considerações despertam a maior atenção e a elas faço apenas um único reparo, já que a relativização anterior a que se refere era naturalmente voltada àquela situação, posta concretamente e cuja decisão teve aqueles limites (Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0003686-39.2014.2.00.0000 - Rel. Fernando Cesar B. De Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015). Hipótese diferente, a ser tida como abstrata, nos levaria a relembrar que nenhuma das relativizações até hoje julgadas pelo Plenário constituíram – nem o poderiam ter feito – uma “carta branca” para que a partir daquele momento o Tribunal passasse a agir, na espécie, sem observar as diretivas do CNJ na matéria.

A iniciativa do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, suas particularidades, e as informações ofertadas estão a ensejar, a meu sentir, a devida reflexão do Conselho Nacional de Justiça, que igualmente vem de insistir na necessária integração e interoperabilidade, que o Tribunal em foco procurou afirmar, o que deve ser reconhecido.

Quanto ao mais, sem embargo da análise pelas áreas técnicas do Conselho no porvir que estou a propor, cabe registrar a existência de contratações desfavoráveis às organizações públicas, com prejuízos de grande monta, que redundaram na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (acórdão 2.569/2018) que avaliou as práticas comerciais adotadas por grandes fabricantes de tecnologia da informação (v.g Microsoft, IBM, ORACLE, SAP, Red Hat e VM Ware) na relação com o Poder Público, para a contratação de licenciamento de software e seus serviços agregados.

De acordo com aquela Corte de Contas, diante de “um mercado em que há grande concentração das soluções em poucos fabricantes de software, bem como elevada dependência desses sistemas para o núcleo do próprio negócio das organizações públicas” é elevado o risco de o interesse público ser lesado, com pagamentos indevidos, sobrepreços, superfaturamentos, a pretexto de “desenvolver o serviço público, agregando pouco ou nada para a sociedade”.

A propósito, encontra-se em trâmite também no Tribunal de Contas da União o processo 008.903/2018-2, originado pelo acórdão 543/2018 e que tem por escopo “avaliar a implementação e o funcionamento da informatização dos processos judiciais”.

No presente caso, não me furto de afirmar que a linha adotada pelo e. Tribunal Bandeirante encontra sim eco neste Conselho e, sobretudo, neste Relator: não há como se desconhecer a realidade única do sistema judiciário, complexo e diversificado, edificado sobre os pilares constitucionais da independência entre os Poderes (arts. 2º, 92 e 93), da autonomia dos Tribunais (arts. 96 e 99), especialmente diante do princípio-chave da Federação (art. 125), que consagra a máxima parcela de autonomia, dentre os Tribunais do País, aos Tribunais dos Estados (art. 125), únicos a ombrear-se com o Supremo Tribunal Federal no dever magno do controle concentrado de constitucionalidade (arts. 102, I, a, e 125, § 2º).

Isso tudo, porém, não tem como (ADI 3367, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-2006 PP-00004 EMENT VOL-02225-01 PP-00182 REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-00029) infirmar o já registrado:

II - Compete ao Conselho Nacional de Justiça, por mandamento constitucional (art. 103-B), “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União”. 

A Lei 11.419, de 2006, dispôs “sobre a informatização do processo judicial”. Seu art. 18 autoriza a regulamentação pelo Poder Judiciário, desiderato contemplado pela Resolução CNJ 185/2013, “que institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento”. 

O art. 34 da aludida norma é expresso no sentido que as “Presidências dos Tribunais devem constituir Comitê Gestor e adotar as providências necessárias à implantação do PJe, conforme plano e cronograma a serem previamente aprovados pela Presidência do CNJ, ouvido o Comitê Gestor Nacional”. 

É bem verdade que a mesma Resolução faculta a relativização de suas regras, mas pelo próprio Conselho e depois de requerimento instruído pelo Tribunal interessado (Procedimento de Competência de Comissão – 0004349-51.2015.2.00.0000 – Rel. Conselheiro Luciano Frota – 50ª Sessão Extraordinária - j. 11/09/2018; Acompanhamento de Cumprimento de Decisão – 0004867-75.2014.2.00.0000 – Rel. Carlos Eduardo Dias – 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015). 

 

É por isso que as mesmas preocupações que embalaram “órgãos da administração pública federal”, à frente o Banco Central e sua recentíssima Resolução 4.658/2018, que “dispõe sobre a política de segurança cibernética e sobre os requisitos para a contratação de serviços de processamento e armazenamento de dados e de computação em nuvem a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar”, hão de encontrar resposta, ainda que não exatamente a mesma, por todos os órgãos do Poder Judiciário, notadamente quando se está diante de guarda e acesso a dados judiciais.

De minha parte, não tenho dúvidas de que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo terá adotado as cautelas necessárias à iniciativa que tomou. Porém, as questões propriamente do mérito da iniciativa, notadamente as atinentes à forma de contratação e aos requisitos técnicos do contrato, deverão ser objeto de avaliação e pronunciamento das áreas competentes do CNJ.

Também não tenho dúvidas de que as políticas do Conselho não são imunes a críticas e podem e devem ser reavaliadas caso não condigam, em essência ou em atualidade, com o melhor interesse público. A área de TI, o processo eletrônico e o PJe não são exceções.

O que me parece fora de dúvida, finalmente, é que, no quadro normativo em vigor, eventuais contratações que se distanciem dos preceitos da Resolução CNJ 185/2013 – como aparenta constituir o caso dos autos – devem ser submetidas ao crivo deste Conselho, sob pena de comprometimento da gestão estratégica de tecnologia da informação do Poder Judiciário e, salvo melhor juízo, do próprio interesse público.

Ante o exposto, voto pelo imediato processamento das informações ofertadas pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelos setores técnicos competentes do Conselho Nacional de Justiça, para análise e parecer, mantidos os efeitos da cautelar e sem prejuízo de que as preocupações suscitadas pelo Tribunal instruam desde já outras providências administrativas em andamento no Conselho. 

Brasília/DF, data registrada no sistema. 

  

Conselheiro Márcio Schiefler Fontes 

Relator

 

 

 

Brasília, 2019-03-13.