Conselho Nacional de Justiça


Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002354-61.2019.2.00.0000
Requerente: GALAL FARO e outros
Requerido: CAROLINA VALIATI DA ROSA e outros

 

EMENTA 


RECURSO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. AÇÃO INDENIZATÓRIA E PENAL MANEJADA POR MAGISTRADO. SEARA JURISDICIONAL.


1. Da análise percuciente dos autos, o que se infere é o inconformismo dos recorrentes com o cunho de decisão exarada por magistrada em ação de danos morais, ação cujo autor é outro magistrado, alvo de diversos procedimentos instaurados pelos reclamantes.

2. No caso concreto não é possível afastar o entendimento de que a irresignação se limita a exame de matéria eminentemente jurisdicional.  

3. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. "Se os argumentos desenvolvidos pelo recorrente, em essência, têm natureza jurisdicional – opções jurídicas de magistrado na condução de processo –, não cabe a análise pela Corregedoria Nacional" (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0006698-56.2017.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão Ordinária – j. 7/8/2018).

5. Se o magistrado se sentiu afrontado em sua honra em razão de expedientes manejados pelos recorrentes e, de consequência, ajuizou ações indenizatória e penal, tal questão desaba na seara judicial, da qual esta Corregedoria não tem qualquer competência.

 Recurso administrativo improvido.

 

 


S10/Z10/S13

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 18 de outubro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins (Relator), Emmanoel Pereira, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votaram, em razão da vacância dos cargos, o Conselheiro membro de Tribunal de Justiça, Conselheiro magistrado da 1ª instância da Justiça Comum dos Estados, Conselheiro membro do Ministério Público Estadual e Conselheiros indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002354-61.2019.2.00.0000
Requerente: GALAL FARO e outros
Requerido: CAROLINA VALIATI DA ROSA e outros

 

RELATÓRIO


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):


Cuida-se de recurso administrativo interposto por GALAL FARO e CHRISTIANE FARO contra decisão deste relator que determinou o arquivamento sumário da presente reclamação disciplinar, por vislumbrar o cunho eminentemente jurisdicional do expediente (Id 3603039). 

Das razões da confusa e desconexa peça intitulada pelos recorrentes de "impugnação à decisão" (Id 3624172 – em 4/5/2019) extrai-se a pretensão de ver a intervenção desse Conselho na condução dos Processos n. 0003986-25.2016.8.16.0116 e n. 0005299-21.2016.8.16.0116, por entender que se encontram revestidos de irregularidades.

Novos documentos foram juntados pelos recorrentes em 6/5/2019 (Id 3625794 e subsequentes), em 27/5/2019 (Id 3647209 e subsequentes) e 17/6/2019 (Id 3667566 e subsequentes, e Id 3667569 e subsequentes).

Contrarrazões do recurso no Id 3648600.

É, no essencial, o relatório.


S10/Z10/S13

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002354-61.2019.2.00.0000
Requerente: GALAL FARO e outros
Requerido: CAROLINA VALIATI DA ROSA e outros

 

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

Consoante consignado na decisão atacada, das extensas e desconexas petições apresentadas, bem como dos documentos juntados pelos requerentes, não se extrai qualquer indício que efetivamente revele a alegada atuação ilegítima da juíza Carolina Valiati da Rosa.

Aliás, da análise percuciente dos autos, o que efetivamente se infere é o inconformismo dos reclamantes com o mérito de decisão exarada por ela em ação de danos morais, ação cujo autor é o magistrado Ricardo José Lopes, alvo de diversos procedimentos instaurados pelos reclamantes.

E a decisão foi favorável ao autor, por reconhecer que os reclamados imputaram ao magistrado, além de fraudes processuais e obstrução de justiça, a prática dos crimes previstos nos arts. 313 e 319 do CP, por meio de notícia crime.

A propósito, excerto da decisão:


"Verifica-se, na petição inicial, que a insurgência do requerente se refere às afirmações feitas no Habeas Corpus n. 1.522.945-9, ação judicial na qual o requerido insinua que Ricardo José Lopes, utilizando-se do cargo de juiz, teria forjado de forma deliberada fraudes processuais e obstruído a justiça, em detrimento do réu, além de ter deixado de agir com a imparcialidade exigida ao magistrado.

Ainda, foram lançadas suposições no sentido de que o autor participa de uma organização criminosa.

Destacam-se os seguintes trechos das alegações feitas pelo requerido:

'Nesse caso é que, o paciente e a família Faro sofreram, pelos mesmos policiais envolvidos, um atentado a vida, fato registrado no processo n.º 0000319- 65.2015.816.0116 e isso foi logo após a omissão da manifestação de juízo referente a ilegalidade de TCIP, e a cobertura da impunidade pelo M.P, e, juízo. (...) Tratando-se de decisão desde início deveria ser tomada de oficio pelo juízo ou a pedido imediato do Ministério Público, declarado sua nulidade absoluta por sua ilegalidade e apesar de tantos requerimentos do paciente a respeito, nem o juízo nem M.P se manifestaram a respeito. Ao contrário, submeteram o paciente durante 750 dias a 4 inquéritos policiais e diversas novas infrações penais inclusive atentado a vida dos mesmos autores de fato da mesma lide. (...). Para afastar qualquer tentativa ou justificativa que trata-se de um erro processual involuntário nós juntamos CD da denúncia contra Sr. Valdir G. de Souza, ex-secretário do Juizado Especial de Matinhos, que envolve Juiz, promotores da justiça, servidores públicos, que foram protocolados em 29/05/2015 para o procurador geral da justiça do PR e para o juiz natural da lide. Trata-se de fraude processual para manutenção de falsa acusação, para facilitar a impunidade de todas as infrações penais e os crimes incluindo atentado a vida sofridas pelo paciente Galal Faro e sua família. O juiz ao não se manifestar o que referente ao requerimento com base no art. 133, tendo o paciente o direito a processá-lo, ficou oficialmente adversário inimigo capital para o paciente. O juiz tornou-se uma parte adversária do paciente. Tendo interesse no desfecho final da lide contra o paciente. (...). Utilizou seu cargo como juiz para obstrução à justiça através de comprovadas e registradas fraudes procedimentais como segue. Utilizou de forma ilegal da alegada notificação que não foi recebida, para decretar o transito em julgado e o arquivamento de todos os processos de qual o paciente e a família são vítimas, para permitir ilegalmente o transito em julgado dos arquivamentos. De forma ilegal, mandou os servidores públicos a declarar o cancelamento da audiência que tinha sido marcada dia 27.01.2016 a mesma, da qual ele próprio tinha rejeitado o cancelamento e tinha condenado o paciente por ter pedido esse cancelamento.'

 

Ocorre que, conforme visto na decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, na Notícia Crime protocolizada em desfavor do autor (SEI! 0016577-50.2018.8.16.6000), as acusações feitas pelo requerido foram afastadas.

Observa-se que na referida Notícia Crime de nº 1.34.001.00605/2018-94, o requerido Galal Faro e sua esposa, Christine Faro, imputaram ao requerente a prática dos crimes previstos nos artigos 319 e 313 do Código Penal, bem como 'fraude processual dolosa, peculato eletrônico e diversas outras infrações penais comprovadas contra instituições públicas.'

A decisão consignou, no entanto, que apesar das alegações do requerido de que o requerente agiu de maneira ilegal, omissa e parcial na condução dos processos em que Galal Faro é parte, não houve comprovação de dolo ou má-fé no cumprimento dos deveres do magistrado, tampouco inaptidão para o trabalho.

Foi esclarecido, igualmente, que decisões contrárias aos interesses do réu não possuem o condão de caracterizar infração disciplinar, ainda mais quando obedecem aos termos do inciso IX, art. 93 da Constituição da República.

Partindo dessa premissa, embora não se possa censurar o direito de defesa contemplado no art. 5º, inciso LV da CRFB – principal tese de defesa da contestação – também não pode o judiciário ser conivente com os evidentes excessos cometidos pelo requerido, sobretudo porque as ofensas desferidas, inclusive da prática de crimes, estão desacompanhadas de quaisquer provas da sua ocorrência.

(...)

Em outras palavras, ao atribuir as já mencionadas críticas ao magistrado, a conduta do requerido transbordou os limites do razoável para proteger seus interesses, adentrando indevidamente na esfera pessoal do requerente.

Salienta-se, ademais, que a ação voluntária do agente foi dolosa, vez que houve flagrante intenção, por parte do réu, em lesar a imagem do autor.

(...)

No caso em análise, o dano moral, motivo pelo qual o requerente busca a indenização, está igualmente configurado.

Isso porque a honra e a imagem do indivíduo estão protegidas, constitucionalmente, pelo 5º, inciso X, que disciplina: 'são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.'

Não há como afastar as alegações do requerente, ao afirmar que sua dignidade humana foi atingida pelo requerido, mormente porque o cenário judiciário impõe que sejam utilizadas expressões adequadas, com tratamento respeitoso entre partes, advogados e magistrados.

No mais, sabe-se que o juiz tem o dever de resolver as lides que lhe são apresentadas de forma imparcial e dentro dos ditames da lei, sendo que ao questionar a índole profissional do magistrado, o requerido, inevitavelmente, atingiu a idoneidade da pessoa física do autor.

A doutrina, a propósito, reconhece que 'com a inclusão da coibição do abuso de direito na categoria dos atos ilícitos, aquele que, ao exercer direito seu, excede os limites aceitáveis, avaliados segundo o fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes, ocasionando prejuízo a outrem, comete ato ilícito e deve reparar' (CARVALHO NETO, Inácio e FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil Comparado e Comentado, Curitiba: Juruá, 2002, vol. I, p. 203)

Salienta-se, por oportuno, que não se está diante de um 'mero aborrecimento inerente ao exercício da magistratura' por parte do autor, na medida em que nada impedia o requerido de demonstrar inconformidade com a atuação do requerente, sem, contudo, precisar desonrá-lo ou desqualificá-lo como Juiz de Direito.

(...)

Estando configurado tanto o ato ilícito do agente quanto a ocorrência do dano, há clara relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo requerido e o resultado suportado pelo requerente, o que torna desnecessário tecer maiores considerações a respeito do evidente nexo de causalidade.

Por obvio que o dano causado ao requerente é decorrência lógica da conduta desmedida do requerido, já não há como não ser reconhecido o alegado abuso de direito de defesa" (Id 3600402). 

 

E neste contexto, convém reiterar que o papel do CNJ se restringe ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (103-B, CF), sendo incompetente para avaliar o acerto ou desacerto de decisões judiciais.

A propósito:


"3. A irresignação refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

4. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0001261-97.2018.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 45ª Sessão Virtual - j. 05/04/2019).

 

"3. Não cabe a atuação do CNJ para retificar eventual vício de legalidade ou de mérito de atos judiciais, tampouco para punir membros do Poder Judiciário por manifestações e conclusões havidas no exercício de seu mister precípuo, sob pena de desvirtuamento do sistema jurídico e do próprio escopo correcional" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0000912-94.2018.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 275ª Sessão Ordinária - j. 07/08/2018).

 

Com efeito, assim como os recorrentes utilizam do seu direito de petição para manejar diversos expedientes, tanto na esfera administrativa quanto na judiciária, contra o magistrado Ricardo José Lopes, inexiste do mesmo modo qualquer viabilidade de o CNJ intervir nos Processos n. 0003986-25.2016.8.16.0116 e n. 0005299-21.2016.8.16.0116, pois também ao magistrado assiste o direito de peticionar quando sente sua honra afrontada.

Se o magistrado se sentiu afrontado em sua honra em razão dos expedientes manejados pelos recorrentes e buscou a tutela jurisdicional para amparar a sua pretensão, tal questão está inserta no exercício do direito fundamental de ação (CF, art. 5º, XXXV), esgotando-se na esfera judiciária, na qual esta Corregedoria não tem qualquer competência para intervir.

Portanto, ausente qualquer fundamento que legitime a instauração de investigação em desfavor da magistrada ora recorrida, o desprovimento do recurso é medida que se impõe.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto. 

 


MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

S10/Z10/S13

 

Brasília, 2019-10-21.