Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008873-86.2018.2.00.0000
Requerente: MARCOS VINICIOS MARQUES FAGUNDES
Requerido: LEONARDO DA SILVEIRA PACHECO

 


RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO. QUESTÕES MERAMENTE JURISDICIONAIS. 

1. A utilização de via correcional para solucionar ato jurisdicional, contra o qual a lei processual previu o recurso cabível, é expediente que não deve ser admitido, em respeito à independência funcional do magistrado. Do contrário, inviabilizaria o exercício do seu munus público, livre de qualquer pressão ou de interferência externa. 

2. O juízo só pode ser afastado do processo por meio da exceção de impedimento ou de suspeição, pretensão que é manifestamente incompatível e não tem cabimento em autos de reclamação disciplinar, ou mesmo com a competência de atuação da Corregedoria Regional. Na hipótese, a decisão que não conheceu da exceção de suspeição não foi objeto de recurso.

Recurso administrativo improvido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 20 de setembro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Iracema Vale, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008873-86.2018.2.00.0000
Requerente: MARCOS VINICIOS MARQUES FAGUNDES
Requerido: LEONARDO DA SILVEIRA PACHECO


RELATÓRIO


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

           

Cuida-se de recurso administrativo interposto por MARCOS VINICIOS MARQUES FAGUNDES contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça (Id. 3586376).   

Na petição inicial, o reclamante, ora recorrente, insurgiu-se contra a atuação do magistrado LEONARDO DA SILVEIRA PACHECO, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro, no trâmite do Processo de n. 0000621-50.2013.5.01.0531, alegando ainda: (a) ocorrência de violação do princípio do juiz natural; (b) negligência do magistrado na apuração do constrangimento ao exercício da ampla defesa das partes; (c) violação do dever de imparcialidade do magistrado na apuração do crime de falso testemunho; (d) infringência às regras processuais na decisão que indeferiu a gratuidade de justiça.

Requereu a apuração dos fatos e a instauração de processo legal administrativo para aplicação da penalidade cabível. 

Analisados o requerimento inicial e os documentos juntados, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento do expediente, porquanto flagrantemente jurisdicional a questão apresentada (Id. 3586376).  

Inconformado, o requerente, ora recorrente, apresentou, tempestivamente, recurso administrativo repisando os argumentos expendidos na inicial, com o intuito de demonstrar a violação dos deveres funcionais impostos pelo art. 40 do CPP, que assim dispõe:

“Art. 40: Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.” 

Em suas razões, o recorrente sustenta o seguinte (id 3599014): 

“Entretanto, o processo 0000621-50.2013.5.01.0531 possui natureza trabalhista, ou seja, as questões aqui apontadas não têm vínculo com a prestação jurisdicional relacionada ao mérito da causa e, portanto, não configuram “erro in judicando”. 

Melhor dizendo, o descumprimento, em 2016, das normas de distribuição de processo, configura erro administrativo que resultou na formação de órgão julgador com composição distinta daquela que seria observada acaso a regra prevista no artigo 99 do Regimento Interno no TRT1 tivesse sido atendida. Tal fato, portanto, não pode ser aceito pelo CNJ

Inclusive, esse mesmo erro administrativo resultou na feitura de despacho judicial inexistente, pois proferido por pessoa sem jurisdição, o qual contaminou todos os demais atos processuais, dentre eles, a redistribuição ocorrida em 2018, após a aposentadoria do Desembargador Serrano.  Tal fato, portanto, também não pode ser aceito pelo CNJ

Assim sendo, ao se manter inerte após o conhecimento dos problemas administrativos apontados nos requerimentos supracitados, o Desembargador Pacheco comete infração funcional haja vista que ele deveria tomar providências, ainda que de ofício.

De maneira semelhante, é obrigação dos julgadores observar os deveres funcionais impostos pelos ditames do artigo 40 do CPP.

Requer a reconsideração da decisão de arquivamento para apuração dos fatos ou a apreciação do presente expediente pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça.  

É, no essencial, o relatório. 

 

 

S13

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008873-86.2018.2.00.0000
Requerente: MARCOS VINICIOS MARQUES FAGUNDES
Requerido: LEONARDO DA SILVEIRA PACHECO

 


VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):


A decisão não merece reforma.

Inicialmente, em consulta ao sistema PJe-CNJ, não se verifica a existência de outra reclamação contra o recorrido.

As alegações do recorrente mostram-se infundadas pelas seguintes razões: (a) os autos da reclamação trabalhista foram recebidos no gabinete do Desembargador em 8/8/2018, após o trânsito em julgado da decisão que não conheceu da Exceção de Suspeição; (b) os autos chegaram ao gabinete do reclamado para julgamento de embargos de declaração, razão por que não houve reapreciação do mérito da causa, sendo reservado apenas para as hipóteses em que a decisão incorre em vícios de omissão, contradição ou obscuridade;

Convém registrar trecho da defesa do desembargador que traduz a irresignação do reclamante com matéria suscetível de recurso processual (Id 3561458):

O inconformismo do reclamante, que vem se utilizando do jus postulandi desmedidamente, insurgindo-se contra cada um dos magistrados que atua no processo, bem impedindo a regular marcha processual, não permitindo, ainda que as questões alegadamente equivocadas sejam reapreciadas e revistas por órgão da instância revisora.

Tal como registrei no acórdão por mim lavrado, se houve, porventura, equivocada análise das questões apontadas pelo autor, trata-se então, de error in judicando, que, de todo modo, insuscetível de revisão em sede de embargos de declaração.”

 Como visto, a irresignação refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 

O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Dessa forma, a utilização de via correcional para solucionar ato jurisdicional, contra o qual a lei processual previu o recurso cabível, é expediente que não deve ser admitido, em respeito à independência funcional do magistrado. Do contrário, inviabilizaria o exercício do seu munus público, livre de qualquer pressão ou de interferência externa.  

Ademais, é cediço que o juízo só pode ser afastado do processo por meio da exceção de impedimento ou de suspeição, pretensão que é manifestamente incompatível e não tem cabimento em autos de reclamação disciplinar, ou mesmo com a competência de atuação da Corregedoria Regional. Na hipótese, a decisão que não conheceu da exceção de suspeição não foi objeto de recurso.

Assim, a matéria relativa a impedimento ou suspeição se enquadra no âmbito jurisdicional e somente quando demonstrado indício de desvio de conduta na atuação processual do magistrado impedido ou suspeito, em caráter excepcional, pode haver a intervenção do CNJ. 

Dessa forma, nos termos em que posta a questão, forçoso reconhecer que a irresignação se refere a exame de matéria eminentemente jurisdicional, e em tais casos, deve a parte valer-se dos meios recursais próprios, não se cogitando de intervenção deste Conselho (art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal). Nesse sentido:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS E JUSTIÇA GRATUITA. QUESTÕES MERAMENTE JURISDICIONAIS. RECURSO DESPROVIDO.

1. Alegação de suspeição em razão de suposta parcialidade deve ser realizada no bojo dos autos judiciais, mediante ato processual específico para a espécie.

2. Magistrada que indeferiu provas e a concessão de justiça gratuita nos autos de ação trabalhista. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, hipótese em que a parte prejudicada deve valer-se dos meios recursais próprios, não se cogitando atuação do CNJ.

3. Recurso administrativo desprovido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0004381-85.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 268ª Sessão Ordinária - j. 20/03/2018 ).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso, é como voto.

 

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS 

Corregedor Nacional de Justiça 

S12/Z10/S13

 

Brasília, 2019-10-01.