Conselho Nacional de Justiça


Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004358-08.2018.2.00.0000
Requerente: JEFFERSON DE SOUZA SANTANA
Requerido: JOSE FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA

 

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR REMETIDA À CORREGEDORIA LOCAL. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL PERANTE O CNJ. DESCABIMENTO.MAGISTRATURA E MAGISTÉRIO. CUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRECEDENTES.

1. Uma vez determinada a apuração pela Corregedoria local, eventual inconformismo com o resultado da apuração deve ser suscitado perante referido órgão, sendo inservível o manejo de recurso administrativo diretamente ao CNJ, pois este Conselho não é instância recursal de órgão correcional. Precedentes.

2. Conquanto o Juiz tenha o dever de cumprir com suas obrigações, por imposição legal (LOMAN, art. 35), no que se inclui a observância à presença no Juízo em que atua, bem como a uma jornada de trabalho, é assegurado a ele o exercício da sua função com liberdade e como forma de garantir a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário, conclusão essa que resulta da exegese do artigo 95 da Constituição Federal.

3. A liberdade conferida ao magistrado, no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho, já foi reconhecida por este Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Pedido de Providências n. 0001006-28.2007.2.00.0000, Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, onde assentado que "o juiz, todavia, não está submetido a jornada fixa de trabalho; as atividades realizadas pelo juiz no cumprimento de seus deveres funcionais não se restringem e não se exaurem na observância do horário do expediente do órgão judiciário".

4. O exercício da magistratura não se sujeita à jornada de trabalho pré-definida, a qual pode ser estipulada pelo próprio magistrado conforme sua disponibilidade, cabendo entender a compatibilidade constitucionalmente exigida como aquela que não prejudica a devida prestação jurisdicional.

5. "Apesar do dever do juiz de cumprir os deveres do cargo, o exercício da função jurisdicional deve realizar-se com liberdade e independência.  O controle do cumprimento desses deveres é imposição legal, nos termos do art. 35 da LOMAN, que prevê os deveres do magistrado relativos à pontualidade. Não há, todavia, critério rígido e previamente estabelecido para esse controle, ou carga horária estabelecida, considerando que ao julgador se concede margem de liberdade para melhor atender à atividade jurisdicional" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0000292-34.2008.2.00.0000 - Rel. RUI STOCO - 59ª Sessão Ordinária - j. 25/03/2008).

6. Apuração conclusiva no sentido de que não há prejudicialidade à atividade jurisdicional do magistrado em razão do exercício do magistério.

Recurso administrativo improvido. 

 

 

 

S13

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 30 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana (então Conselheira), Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos (então Conselheiro), Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004358-08.2018.2.00.0000
Requerente: JEFFERSON DE SOUZA SANTANA
Requerido: JOSE FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA


RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):


Cuida-se de recurso administrativo interposto por JEFERSON DE SOUZA SANTANA contra decisão deste Corregedor Nacional de Justiça que determinou o arquivamento da reclamação disciplinar, por considerar que não merecia censura a conclusão a que chegou a Corregedoria local quanto à inexistência de irregularidade na cumulação do cargo de magistrado com o de magistério por parte de JOSÉ FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA, Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Santo Ângelo/RS (Id 3542491). 

Nas razões do recurso administrativo (Id 3577105), o recorrente aduz que "não parece razoável, nem tampouco cauteloso arquivar o procedimento apenas pelas informações repassadas pelo magistrado e pela Corregedoria através de dados colhidos dos sistemas internos que podem facilmente ser manipulados".

E, neste contexto, reitera alegação de sobreposição de horário a inviabilizar a cumulação de cargos.

Intimado, o magistrado apresentou contrarrazões (Id 3665385). 

É, no essencial, o relatório. 


S10Z08/S13

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004358-08.2018.2.00.0000
Requerente: JEFFERSON DE SOUZA SANTANA
Requerido: JOSE FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA

 


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

Nada a prover.

Primeiro porque, uma vez determinada a apuração pela Corregedoria local, eventual inconformismo com o resultado da apuração deve ser suscitado perante referido órgão, sendo inservível o manejo de recurso administrativo diretamente ao CNJ, pois "o CNJ não é instância recursal de órgão correicional" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005217-92.2016.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 275ª Sessão Ordinária - j. 07/08/2018).

No mesmo sentido:

"3. O requerimento foi objeto de ampla e regular análise no âmbito do respectivo Tribunal de Justiça, não podendo o CNJ ser provocado como instância recursal para toda e qualquer decisão administrativa" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003598-59.2018.2.00.0000 - Rel. ARNALDO HOSSEPIAN - 37ª Sessão Virtual - j. 19/10/2018).

 

"3. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal de decisões administrativas dos Tribunais. Precedentes" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008247-04.2017.2.00.0000 - Rel. FERNANDO MATTOS - 48ª Sessão Extraordinária - j. 26/06/2018).

 

"1. A competência da Corregedoria Nacional de Justiça, embora seja ampla no tocante à fiscalização e verificação de legalidade dos atos administrativos praticados pelos membros ou órgãos do Poder Judiciário, deve ser exercida sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais (art. 103-B, § 4º, III, da CF).

2. Ausente a comprovação de desídia, omissão, inércia ou irregularidade na atuação da corregedoria local, deve-se prestigiar sua competência para avaliar e corrigir eventuais ilegalidades em atos ou procedimentos dos juízos do tribunal a que está vinculada" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0004513-16.2015.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 21ª Sessão Virtual - j. 26/05/2017).

 

Ademais, o recorrente não traz nenhum argumento que refute as alegações deste relator, limitando-se a levantar conjectura desprovida de qualquer documentação quanto à licitude dos dados colhidos na origem.

Consoante consignado na decisão recorrida, foi determinada à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a apuração da alegação de que o magistrado ministrava aulas na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI/Santo Ângelo sem observância do requisito de compatibilidade de horário entre as atividades de docente e de magistrado.

Com efeito, o Órgão Correcional local concluiu pelo "arquivamento de procedimento instaurado contra atuação de Magistrado deste Estado do Rio Grande do Sul, por entender-se que, na espécie, o fato de o magistrado ministrar aulas não dificulta sua prestação jurisdicional" (Id 3351296 – fl. 1). 

 E para corroborar o arquivamento, a manifestação do Órgão Correcional local aduz que o trabalho judicante não estaria prejudicado. In verbis (Id 3351296): 

"De fato, não se verifica, na espécie, incompatibilidade entre as atividades docentes e a atividade judicante do Magistrado, Dr. Francisco Dias da Costa Lyra. 

De acordo com as informações atualizadas fornecidas pela instituição de ensino, o único turno em que permanece havendo sobreposição entre o horário forense e as aulas ministradas é o turno de terça-feira pela manhã (0661739). 

E, conquanto haja essa sobreposição de horários, havia em 01/10/2018 apenas 01 (um) processo concluso para sentença (há trinta e cinco dias) e 157 processos conclusos para despacho na 1ª Vara Cível da Comarca de Santo Ângelo, todos conclusos há menos de 30 (trinta) dias (0639886)".  

Por seu turno, o reclamante baseou a alegada incompatibilidade em razão de, "No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul o expediente forense inicia-se às 09horas e encerra às 18horas, de modo ininterrupto, com intervalo de 01 hora" (Id 2960649). 

Com efeito, é dever de qualquer magistrado comparecer pontualmente ao Juízo em que atua para a prática dos atos que são de sua responsabilidade, nos termos do que determina o artigo 35, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, cujo teor é o seguinte: 

'Art. 35. São deveres do magistrado:

(...)

VI – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão; e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

(...)'. 

A efetividade e a qualidade da prestação jurisdicional exigem a presença física do Juiz não só em horários designados para a prática de atos, mas, também, para que as partes ou seus representantes legais possam a ele ter acesso.

Ocorre, porém, que, conquanto o Juiz tenha o dever de cumprir com suas obrigações, por imposição legal (LOMAN, art. 35), no que se inclui a observância à presença no Juízo em que atua, bem como a uma jornada de trabalho, é assegurado a ele o exercício da sua função com liberdade e como forma de garantir a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário, conclusão essa que resulta da exegese do artigo 95 da Constituição Federal.

A propósito, a liberdade conferida ao magistrado, no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho, já foi reconhecida por este Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Pedido de Providências n. 0001006-28.2007.2.00.0000, conforme se infere do seguinte trecho do eminente relator Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá:

"A cada tribunal, no exercício de sua autonomia administrativa, compete a organização dos seus serviços judiciários, no que se inclui a fixação do horário de expediente. Essa competência se extrai das normas do artigo 96 da CF e artigo 21 da LOMAN.

Dessas premissas não se pode inferir, todavia, que o juiz esteja submetido à jornada fixa de trabalho. O compromisso do juiz é com a tarefa de dar solução aos inúmeros casos que lhe são submetidos. O cumprimento dessa tarefa exige mais que mera presença na sede do juízo no horário de atendimento ao público. A preparação de atos decisórios exige estudo de autos de processos e dos temas jurídicos subjacentes aos casos submetidos à solução judicial. Em síntese, as atividades realizadas pelo juiz no cumprimento de seus deveres funcionais não se restringem e não se exaurem na observância do horário do expediente do órgão judiciário" (Plenário, j. 50ª Sessão Ordinária, em 23.10.2007, DJU em 09.11.2007).  

Consoante concluiu a manifestação acima colacionada, não se pode olvidar que é pratica comum entre os Juízes levar autos de processos para casa para despachar e proferir sentenças, diante do acúmulo de serviço no primeiro grau de jurisdição, principalmente na atualidade, em que o número de demandas aumenta em progressão geométrica e os jurisdicionados exigem uma prestação jurisdicional mais célere.

No mesmo sentido, destaca-se: 

"2. A implantação do processo judicial eletrônico teve por objetivo a promoção da celeridade e da qualidade da prestação jurisdicional, revestindo-se, portanto, de vocação universalizante, ao permitir o 'acionamento do Poder Judiciário de qualquer ponto geográfico do planeta' e 'a qualquer momento do dia ou da noite, limitando-se apenas o horário de peticionamento eletrônico'.

3. Nota-se, assim, que o sistema foi criado como ferramenta para a otimização da tramitação dos processos judiciais, e não como instrumento para compelir juízes a cumprir os deveres impostos pela LOMAN. Inteligência do artigo 1º da lei nº 11.419/2006 e da resolução nº 185/2013-CNJ.

4. São ínsitas à carreira da Magistratura certas liberdades na condução da atividade profissional – como a não submissão a jornada fixa de trabalho - dada a sua própria natureza. Tais liberdades, contudo, se contrapõem às responsabilidades que devem suportar, especialmente os deveres previstos na LOMAN, de residir na sede da comarca (art. 35, V), comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou sessão (art. 35, VI) e o de exercer assídua fiscalização sobre os subordinados (art. 35, VII) (CNJ, precedentes).

5. Este Conselho já afastou a possibilidade de os Tribunais adotarem controle de frequência de magistrados, em razão da limitação à sua liberdade de escolher sobre a melhor forma de efetivar a prestação jurisdicional. Todavia, a fiscalização do órgão correcional faz-se possível e necessária em caso de ausência injustificada e frequente de juízes, de modo a coibir abusos e garantir o cumprimento dos deveres funcionais" (PCA nº 0001014-88.2008.2.00.0000)" (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003277-29.2015.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES - 19ª Sessão Virtual - j. 06/09/2016).

 

"1. A simples informação atinente ao horário das disciplinas ministradas pelo professor magistrado não se apresenta suficiente, de 'lege ferenda', ao exame da compatibilidade da acumulação da judicatura com o exercício do magistério" (CNJ - COMISSÃO - Comissão - 0002168-24.2008.2.00.0000 - Rel. JOÃO ORESTE DALAZEN - 83ª Sessão Ordinária - j. 28/04/2009).

 

"Apesar do dever do juiz de cumprir os deveres do cargo, o exercício da função jurisdicional deve realizar-se com liberdade e independência.  O controle do cumprimento desses deveres é imposição legal, nos termos do art. 35 da LOMAN, que prevê os deveres do magistrado relativos à pontualidade. Não há, todavia, critério rígido e previamente estabelecido para esse controle, ou carga horária estabelecida, considerando que ao julgador se concede margem de liberdade para melhor atender à atividade jurisdicional" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0000292-34.2008.2.00.0000 - Rel. RUI STOCO - 59ª Sessão Ordinária - j. 25/03/2008). 

Portanto, o exercício da magistratura não se sujeita à jornada de trabalho pré-definida, a qual pode ser estipulada pelo próprio magistrado conforme sua disponibilidade, cabendo entender a compatibilidade constitucionalmente exigida como aquela que não prejudica a devida prestação jurisdicional.

E, nesse contexto, a conclusão da Corregedoria local é clara ao consignar o bom andamento dos processos sob titularidade do magistrado, pois "em 01/10/2018 apenas 01 (um) processo concluso para sentença (há trinta e cinco dias) e 157 processos conclusos para despacho na 1ª Vara Cível da Comarca de Santo Ângelo, todos conclusos há menos de 30 (trinta) dias (0639886)" (Id 3351296 – fl. 3).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto. 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

S10Z08/S13

Brasília, 2019-09-05.