Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007154-40.2016.2.00.0000
Requerente: LARISSA SOELLA GALLON e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES

 

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE LIMINAR - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - PAGAMENTO DE DIÁRIAS A MAGISTRADOS. LIMITAÇÃO POR MEIO DE LEI ESTADUAL. DESPESA DE NATUREZA OBRIGATÓRIA.  AFRONTA A DIREITO OBJETIVO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS. LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, ARTS. 65, IV, 119, 124 E 129.1.As diárias destinadas a magistrados que exercem atividade jurisdicional em comarca diversa daquela pela qual originalmente respondem são verbas de natureza obrigatória por parte dos Tribunais de Justiça. 2. Despesa fora da margem de discricionariedade dos gestores do Tribunal.Lei estadual não pode dispor sobre matéria já regulada na Lei Orgânica de Magistratura, especialmente no que se refere às prerrogativas dos magistrados.3.Ratificação da liminar proferida monocraticamente. 4.Procedência do pedido para anular os Ofício Circulares 13/2015 e 14/2015 do TJES, a fim de garantir o pagamento de diárias aos Magistrados do Poder Judiciário do Espírito Santo, no caso de comprovado deslocamento de sua Comarca.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 4 de outubro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Iracema Vale, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007154-40.2016.2.00.0000
Requerente: LARISSA SOELLA GALLON e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES


RELATÓRIO

Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, proposto pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO ESPÍRITO SANTO - AMAGES, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – TJES, contra os ofícios circulares nº 13/2015 e 14/2015.

Tais ofícios, de janeiro de 2015, comunicam (i) a suspensão dos pagamentos de diárias por jurisdição prestada em Comarca diversa daquela pela qual originalmente responde ou exerce titularidade o Magistrado e (ii) que a partir de fevereiro de 2015, apenas seriam pagas diárias referentes aos deslocamentos para frequência às aulas do Curso de Formação da ENFAM, àqueles Magistrados que não estejam percebendo gratificação por direção de foro ou eleitoral 

De plano, o TJES foi intimado para prestar informações sobre a matéria objeto dos autos, de forma a subsidiar a decisão liminar. 

Antes que viesse a manifestação do Tribunal, a fim de agilizar a instrução do feito, determinou-se a remessa dos autos ao Departamento de Acompanhamento Orçamentário – DAO, solicitando emissão de parecer para se obter esclarecimento sobre os seguintes pontos: 

1. Houve sobra orçamentária no fechamento da execução do TJES, referente aos exercícios de 2015 e 2016, em Grupos de Natureza de Despesa (GND) que legalmente poderiam ser utilizados ao pagamento de diárias?

2. O pagamento de diárias impacta o limite prudencial ou legal de despesas com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LCP nº 101/2000)?

Em 16.02.2017, vieram aos autos, as informações do requerido e o parecer solicitado ao DAO. 

Em suma, o TJES sustentou que não poderia realizar o pagamento de diárias aos magistrados porque: (i) as despesas de pessoal sob sua responsabilidade encontram-se em patamar superior ao limite legal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal; (ii) “nos termos dos artigos 1°e 2°, da Resolução nº.057/2015, a designação para exercício cumulativo de jurisdição inerente ao cargo da carreira da magistratura estadual dar-se-á, em hipóteses excepcionais, por absoluta necessidade do serviço, devendo ser concedidos dias de gozo de folga para compensação do magistrado pelo ônus do desempenho de acumulação de juízo, de modo que, a cada 06 (seis) dias de exercício cumulativo de jurisdição, ser-lhe-á concedido 01 (um) dia de gozo de folga” e; (iii) havendo sobra orçamentária, tais recursos podem ser remanejados de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade do Tribunal, a fim de fazer frente a investimentos necessários, em estrutura física e de informática, por exemplo. 

 O Parecer do DAO respondeu as indagações que lhe foram submetidas esclarecendo o seguinte: 

As despesas com diárias não são espécies remuneratórias e sim indenizações destinadas a cobrir despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana nos deslocamentos fora de sede em caráter eventual ou transitório. Trata-se de despesas administrativas e caracterizadas nos orçamentos como outras despesas correntes, assim denominadas as despesas correntes que não são despesas de pessoal.

Assim, o pagamento de diárias não impacta os limites prudencial e legal fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Como regra geral, as despesas com diárias correm à conta de dotações alocadas nos orçamentos em ações orçamentárias que tenham por finalidade dar suporte às despesas com a atividade fim dos órgãos, no Grupo de Natureza de Despesa (GND) 3 – outras despesas correntes.

No orçamento do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, aprovado na Lei Orçamentária Anual do Estado, identificamos dotações e sobras orçamentárias nesse GND nas ações orçamentárias elencadas na tabela abaixo, as quais, possivelmente, comportaram despesas com diárias de servidores e magistrados.

As sobras de dotações apontadas foram obtidas dos mapas que demonstram as dotações orçamentárias dos exercícios de 2015 e 2016 e suas execuções, publicados no portal do Tribunal na rede mundial de computadores, em cumprimento à Resolução CNJ nº 102 e que juntamos ao presente processo.

 

Orçamento 

Ações 

Dotação não executada 

 Exercício 2015 

Tesouro 

Valorização e Desenvolvimento Social de Recursos Humanos 

R$ 4.851.779,00 

Fundo Especial do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo 

Manutenção das Atividades Judiciais; 

Realização de Concursos públicos; e 

Formação de Recursos Humanos 

R$ 22.923.757,00 

R$   1.546.330,00 

R$   1.030.194,00 

Exercício 2016 

Tesouro 

Valorização e Desenvolvimento Social de Recursos Humanos 

R$ 107.624.737,00 

Fundo Especial do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo 

Efetividade na Prestação Jurisdicional

R$   33.557.843,00 

Em 03.03.2017, antes da apreciação da liminar em Sessão, o TJES (Id. 2122395) veio aos autos pedindo esclarecimento sobre o cumprimento da Liminar, se deveria, ou não, respeitar a limitação contida no art. 86, § 4º, da Lei Complementar Estadual nº 46/94. 

Atendendo à manifestação do TJES, ante a omissão na Decisão concessiva de liminar, foi proferida Decisão complementar (Id. 2123966) esclarecendo que "o pagamento das diárias aos magistrados deve ocorrer com observância de todas as regras estaduais de regência concernentes à matéria em exame".

Com o feito relatado e incluído em pauta para ratificação, no dia 7 de abril do presente ano, a Associação pediu que fosse analisada a forma do pagamento das diárias, eis que a Lei Complementar Estadual nº 46/94 não seria aplicável aos magistrados.

No dia 26 de julho de 2017, conforme certidão gravada sob Id. 2230200, o processo foi retirado de pauta.

Face ao tempo decorrido, foi determinado a intimação do Tribunal e da Associação dos Magistrado do Espírito Santo para que manifestassem interesse no prosseguimento do feito.

Em resposta à intimação o Tribunal sustentou que, tão logo proferida decisão referente ao pedido de esclarecimentos, foi determinada a retomada, de imediato, do pagamento de diárias aos magistrados nos moldes determinados pelas decisões (Id. 2117342 e Id.2123966) deste Conselheiro.

Ademais, informa que o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, ao proferir acórdão, firmou entendimento pela legalidade na concessão de diárias por jurisdição estendida, sem que haja a incidência da Lei Complementar Estadual nº. 46/94, uma vez que os magistrados seriam regidos pela LOMAN. Por fim, o Tribunal de Justiça manifestou interesse no prosseguimento do feito, “inclusive com expressa manifestação acerca da aplicação, ou não, do artigo 86, §4º, da Lei Complementar Estadual nº. 46/94, quando da concessão de diárias a magistrados”.

O Requerente, por sua vez, manifestou seu interesse no prosseguimento do feito para que seja ratificada a liminar concedida e declarada a nulidade e consequente ineficácia dos efeitos dos atos exteriorizados através dos Ofício Circulares 13/2015 e 14/2015 do TJES, que determinaram a suspensão dos pagamentos de diárias por jurisdição em Comarca diversa àquela pela qual originalmente respondem ou exercem titularidade o Magistrado”.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007154-40.2016.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO ESPÍRITO SANTO - AMAGES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES

 


VOTO

Conforme relatado, após deferimento da liminar, este procedimento foi pautado para ratificação, todavia, em razão da retirada do feito de pauta por iniciativa da Secretaria Processual e, também, da suficiência da instrução, a questão está madura para julgamento. Por economia e em favor da celeridade, avanço no exame do mérito.

Após deferida e incluída a liminar em pauta para ratificação a Associação dos Magistrados do Espírito Santo, AMAGES, peticionou nos autos requerendo “o efetivo cumprimento da decisão liminar”, com fundamento “na resolução que regula o pagamento de diárias dos magistrados, a LOMAN e a Lei Complementar 234/2005 e sem as limitações impostas pela lei dos servidores estaduais”.

Argumenta, em síntese, que a Lei Complementar Estadual nº 46/94 só se aplicaria aos servidores, e não aos magistrados, que são regidos pela LOMAN. Que o artigo 128 da Lei Complementar nº 234/2002 “assegura aos magistrados da ativa o pagamento de diárias sem as restrições previstas na LC 46/94” e, por fim, que o próprio Tribunal, por meio da Resolução 05/2015, regulamenta o pagamento das diárias.

Ora, não há controvérsias quanto à necessidade de pagamento de diárias a magistrados que exercem atividade jurisdicional em comarca diversa daquela pela qual originalmente responde, em razão do previsto no art. 65, inciso IV, da LOMAN (LC nº 35/79), bem como no art. 128, inciso II, do Código de Organização Judiciária do Estado do Espírito Santo (Lei Complementar nº 234/2002).

Por ser devido e legal o pagamento dessa vantagem de cunho indenizatório, não pode o Tribunal pura e simplesmente suspendê-lo, mesmo em razão de crítica situação fiscal, priorizando outros investimentos em seu lugar. Haja vista que esta é uma despesa de natureza obrigatória, está fora da margem de discricionariedade dos gestores do Tribunal.

Resta apenas a discussão da aplicabilidade ou não do artigo 86, §4º, da Lei Complementar Estadual nº. 46/94, quando da concessão de diárias a magistrados no Estado do Espírito Santo.

Em decisão concessiva de liminar anteriormente proferida (Id. 2123359), o então Conselheiro Rogério Nascimento esclareceu que o pagamento das diárias aos magistrados deve ocorrer com observância de todas as regras estaduais de regência concernentes à matéria em exame”. No entanto, ao melhor analisar, entendo que os dispositivos presentes na Lei Complementar não são automaticamente aplicáveis aos magistrados, posto que esses não são servidores públicos.

Na verdade, os magistrados são agentes políticos do Estado e órgãos do Poder Judiciário, conforme o art. 92 da Constituição Federal. Este, inclusive, é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições –, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. Legitimidade passiva reservada ao Estado." (RE 228.977, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 5-3-2002, Segunda Turma, DJ de 12-4-2002.) 

Ainda que a referência à servidor público na Lei Complementar nº 46 de 31/01/1994 pareça indicar a intenção do legislador de alcançar os magistrados em seus dispositivos, lei estadual não pode dispor sobre matéria já regulada na Lei Orgânica de Magistratura, especialmente no que se refere às prerrogativas dos magistrados.

Diante deste quadro, a limitação ao pagamento de diárias a magistrados afronta o direito conferido pelos artigos 65, IV, 119, 124 e 129 da LOMAN (LC nº 35/79), assim como pelo art. 128, II, da Lei Complementar nº 234/2002, levando em consideração que tais dispositivos não apresentam nenhuma limitação quanto à sua realização.

Ademais, consoante informado pela Presidência do Tribunal, extraiu-se do acórdão TC – 1072/2017, nos autos do Fiscalização Ordinária do TJES (TC – 3205-2015), “entendimento do Egrégio Tribunal de Contas deste Estado pela legalidade na concessão de diárias por jurisdição estendida, sem que haja a incidência, salvo melhor juízo, da Lei Complementar Estadual nº. 46/94”.

Assim é que, sendo inaplicável a Lei Complementar Estadual nº. 46/94 a magistrados no que se refere ao pagamento de diárias voto pela ratificação da liminar e, no mérito, pela procedência do pedido, para anular os Ofício Circulares 13/2015 e 14/2015 do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo e determinar a inteira aplicação dos artigos 65, IV, 119, 124 e 129 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e do art. 128, II, do Código de Organização Judiciário do Estado do Espírito Santo, a fim de que seja garantido o pagamento de diárias aos Magistrados do Poder Judiciário do Espírito Santo, no caso de comprovado deslocamento de sua Comarca.

Inclua-se em pauta.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília, DF, data registrada em sistema.

 

Conselheira Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva

Relatora

LGAF

 

 

 

Brasília, 2019-10-08.