Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0010215-35.2018.2.00.0000
Requerente: SILVIA MARIA MACHADO DE ARAUJO VIGUINI
Requerido: LINCOLN ROSSI DA SILVA VIGUINI

 


EMENTA 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES DA MAGISTRATURA. MAGISTRADO QUE COMPARECE A UM MOTEL DURANTE EXPEDIENTE FORENSE PARA MANTER RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. A RELAÇÃO EXTRACONJUGAL EM REGRA NÃO POSSUI REPERCUSSÃO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. A FALTA DISCIPLINAR PELO COMPARECIMENTO A ESTABELECIMENTO EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE FORENSE REQUER PROVA DE NEGLIGÊNCIA OU DESÍDIA COM OS ATOS JUDICANTES. NÃO COMPROVAÇÃO. ATIVIDADE JURISDICIONAL DESENVOLVIDA COM NORMALIDADE. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE NEGLIGÊNCIA COM RELAÇÃO À ATIVIDADE JUDICANTE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A INSTAURAÇÃO DE PAD.

1. Por mais doloroso que seja para a reclamante descobrir que o seu companheiro eventualmente quebrou o dever de lealdade conjugal, tal fato, por si só, não possui repercussão na esfera administrativo-disciplinar, uma vez que o episódio diz exclusivo respeito à vida privada do casal. 

2. Em relação ao argumento de que o comparecimento ao estabelecimento ocorreu em horário de expediente forense, não foi comprovada negligência ou desídia por parte do magistrado com relação à atividade judicante. Dos boletins estatísticos se extrai que o Juiz teve, no período, produção superior à da magistrada titular do Juízo.

3. Sob um prisma objetivo, a atividade judicante do magistrado continua sendo desenvolvida dentro de uma aparente normalidade administrativa, até porque o Juiz, como agente político que é, não se sujeita a uma jornada diária rígida.

4. Não existem elementos mínimos indicativos de que o magistrado reclamado vem negligenciando a sua atividade judicante.

Recurso administrativo improvido.

 

 

S31/S13/S22

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenario Virtual, 18 de outubro de 2019. Votaram os Excelentissimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins (Relator), Emmanoel Pereira, Rubens Canuto, Valtercio de Oliveira, Candice L Galvao Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Avila. Nao votaram, em razao da vacancia dos cargos, o Conselheiro membro de Tribunal de Justica, Conselheiro magistrado da 1 instancia da Justica Comum dos Estados, Conselheiro membro do Ministerio Publico Estadual e Conselheiros indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0010215-35.2018.2.00.0000
Requerente: SILVIA MARIA MACHADO DE ARAUJO VIGUINI
Requerido: LINCOLN ROSSI DA SILVA VIGUINI


RELATÓRIO 


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 


Cuida-se de recurso administrativo interposto por Silvia Maria Machado de Araújo Viguini contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça.

A presente reclamação disciplinar foi proposta em 16/11/2018 pela reclamante acima mencionada em desfavor de Lincoln Rossi da Silva Viguini, Juiz Substituto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF/1). 

A reclamante, ex-esposa do magistrado reclamado, alega que o reclamado, ainda durante a constância do casamento, se ausentou injustificadamente do seu local de trabalho para ir a um motel da cidade de Manaus na companhia de outra pessoa.

 De acordo com a reclamante, o magistrado “cometeu condutas incompatíveis com a decência pública e privada”.

Juntou aos autos extratos bancários do reclamado que comprovariam os dias e horários em que ele efetuou pagamentos em motéis da cidade.  

Em 10/12/2018, a Corregedoria Nacional de Justiça oficiou à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 1ª Região para que apurasse os fatos narrados.

Em 19/12/2018, veio aos autos a decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Regional da Justiça Federal da 1ª Região, tendo em vista “não vislumbrar na conduta descrita ilicitude administrativa apta a justificar a instauração de um procedimento administrativo disciplinar".

Em 10/12/2018, a Corregedoria Nacional de Justiça arquivou a presente reclamação disciplinar com os seguintes fundamentos:

“[...] Destaco os principais trechos da decisão proferida no procedimento administrativo local: 

‘Ainda que seja irrefutável o reconhecimento de que todo ser humano deve zelar pela lisura de suas condutas, não realizando, às escusas, comportamentos que não possa ser ética e moralmente sustentados de público, o comportamento descrito somente poderia ser avaliado no âmbito administrativo se dele se pudesse extrair consequências que evidenciassem um cristalino prejuízo para a atividade forense.

[...]

Portanto, a responsabilidade que interessa ao direito administrativo é somente aquela que se refere à coisa pública, vinculada ao exercício do cargo.

E, na situação, por mais dolorosa que a conduta se apresente para a representante, que compartilhava uma vida conjugal com o magistrado, a ruptura, por parte deste, do dever de lealdade, somente interessaria a essa esfera administrativa se, em razão de tal conduta, o magistrado estivesse a negligenciar as suas atividades jurisdicionais, em patente desídia com a realização dos atos forenses.

Porém, não é isso que se observa na situação. Os boletins estatísticos anexados, referentes ao período de janeiro a outubro deste ano, demonstram que o requerido exarou 826 sentenças, 779 decisões interlocutórias, 3.638 despachos e realizou 23 audiências de instrução e julgamento. Outrossim, para o mesmo período, observa-se que a Juíza Titular da mesma unidade exarou 549 sentenças, 631 decisões interlocutórias, 2.611 despachos e realizou 15 audiências de instrução e julgamento. Portanto, sob um prisma objetivo, a atividade judicante do magistrado continua sendo desenvolvida dentro de uma aparente normalidade administrativa, até porque, o Juiz, como agente político que é, não se sujeita a uma jornada diária rígida, nem tampouco existe norma que lhe obrigue a uma determinada quantidade de horas de trabalho.

O seu labor deve ser desenvolvido dentro de uma razoabilidade que permita o cumprimento satisfatório do seu múnus público. Portanto, a ausência esporádica do magistrado do ambiente forense para manter encontros íntimos, isso, por si, não é o bastante para ensejar a sua responsabilização administrativa.

Isso não quer dizer que o magistrado não mereça ser sancionado pelo desrespeito aos seus deveres conjugais. Não é isso que se está a se afirmar nesta decisão. Porém, essa responsabilização deve ser buscada em outras esferas, seja no juízo de família - para se formalizar a separação e disciplinar as consequências dela decorrentes - ou no âmbito civil - onde a postulante poderá deduzir o seu pleito de reparação moral. Com estas considerações e por não vislumbrar na conduta descrita ilicitude administrativa a justificar a instauração de um procedimento administrativo disciplinar, determino o arquivamento dos autos”. 

Conforme se observou, o procedimento levado a efeito pela Corregedoria Regional da Justiça Federal da 1ª Região apreciou todos os pontos objeto da controvérsia de forma satisfatória, motivo pelo qual, de forma a prestigiar a atuação do referido órgão censor, levando-se em consideração ainda que a sua competência é concorrente à da Corregedoria Nacional de Justiça, entendo por adequado e oportuno adotar os fundamentos da decisão acima transcrita como razão de decidir no presente caso.  

Assim, da análise dos documentos que instruem este feito, depreende-se que a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem, o que torna desnecessária a atuação complementar da Corregedoria Nacional de Justiça no caso em comento.

Em 27/2/2019, a reclamante apresentou recurso administrativo reiterando os fatos apresentados na petição inicial e solicitando ao Plenário do CNJ a reforma da decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Em 29/5/2019, veio aos autos o acórdão do julgamento do recurso administrativo apresentado pela reclamante no âmbito do TRF1 a respeito dos mesmos fatos. A Corte Especial do TRF1, por maioria, negou provimento ao recurso. Segue o teor da ementa.

EMENTA ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUTAÇÃO DE FALTA FUNCIONAL. ATOS DA VIDA ÍNTIMA DO MAGISTRADO. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO NA ESFERA FUNCIONAL. ARQUIVAMENTO. 1. A ilicitude produzida pelo agente público em atos da vida privada deve ser daquelas qualificadas pelo direito público e relacionadas, ainda que indiretamente, às suas funções. Caso contrário, não há porque estender a investigação e eventual punição à esfera administrativa, sob pena de se produzir um constrangimento desproporcional ao servidor. 2. O artigo 148 da Lei 8.112/1990, de aplicação subsidiária, define o processo disciplinar como "o instrumento destinado a apurar responsabilidade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido," deixando patente que a responsabilidade que interessa ao direito administrativo é somente aquela que se refere à coisa pública, vinculada ao exercício do cargo. 3. Por mais dolorosa que a conduta se apresente para a representante, que compartilhava uma vida conjugal com o magistrado, a ruptura do dever de lealdade somente interessaria a esta esfera administrativa se, em razão de tal conduta, o magistrado estivesse a negligenciar suas atividades jurisdicionais, em patente desídia com a realização dos atos forenses. Tal não é a hipótese, conforme boletins estatísticos anexados aos autos, devendo a querela conjugal ser resolvida em outra esfera.

É, no essencial, o relatório.


S31/S13/S22

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0010215-35.2018.2.00.0000
Requerente: SILVIA MARIA MACHADO DE ARAUJO VIGUINI
Requerido: LINCOLN ROSSI DA SILVA VIGUINI

 


VOTO      

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):


Na hipótese, a discussão consiste em avaliar se o Juiz reclamado praticou falta disciplinar ao comparecer a um motel para, supostamente, manter relação extraconjugal durante período de expediente forense.

Com relação ao fato de o magistrado ter comparecido ao motel para manter relação extraconjugal, entendo que, por mais doloroso que seja para a reclamante descobrir que o seu companheiro eventualmente quebrou o dever de lealdade conjugal, tal fato, por si só, não possui repercussão na esfera administrativo-disciplinar, uma vez que o episódio diz exclusivo respeito à vida privada do casal.

Com relação ao argumento de que a frequência ao estabelecimento ocorreu em horário de expediente forense, entendo que esse fato seria passível de configuração de falta disciplinar acaso comprovado que o reclamado tivesse negligenciado as suas atividades judicantes durante aquele período.

Ocorre que, de acordo com os boletins estatísticos do magistrado, não há que se falar em desídia dele com relação à atividade judicante. Observe que a Corregedoria do TRF1 apurou que “os boletins estatísticos anexados, referentes ao período de janeiro a outubro deste ano, demonstram que o requerido exarou 826 sentenças, 779 decisões interlocutórias, 3.638 despachos e realizou 23 audiências de instrução e julgamento. Outrossim, para o mesmo período, observa-se que a Juíza Titular da mesma unidade exarou 549 sentenças, 631 decisões interlocutórias, 2.611 despachos e realizou 15 audiências de instrução e julgamento”.

Assim, “sob um prisma objetivo, a atividade judicante do magistrado continua sendo desenvolvida dentro de uma aparente normalidade administrativa, até porque, o Juiz, como agente político que é, não se sujeita a uma jornada diária rígida, nem tampouco existe norma que lhe obrigue a uma determinada quantidade de horas de trabalho”.

Dessa forma, não obstante a lamentável situação posta e todo o contexto dos fatos narrados, entendo que não há motivo suficiente para a instauração de processo administrativo disciplinar no caso em tela, uma vez que não existem elementos mínimos indicativos de que o magistrado reclamado tenha negligenciado a sua atividade judicante.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto. 

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

S31/S13/S22

 

Brasília, 2019-10-21.