Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007428-33.2018.2.00.0000
Requerente: JOSE SALVADOR CARLOS CAMPANHA
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CGJRJ e outros

 

 

 

                                                                        EMENTA

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RECURSO ADMINISTRATIVO. CONCURSO DE REMOÇÃO IRREGULAR, REALIZADO ENTRE 05/10/1988 E 10/07/2002 (PUBLICAÇÃO DA LEI N. 10.506/2002), REGIDO POR NORMAS ESTADUAIS INCOMPATÍVEIS COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. VACÂNCIA DETERMINADA PELA CORREGEDORIA NACIONAL, NO ANO DE 2010, COM FUNDAMENTO NA AUTOAPLICABILIDADE DO §3º DO ARTIGO 236 DA CF/1988, AFIRMADA PELO STF E PELA RESOLUÇÃO CNJ 80/2009. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO CONTRA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA PREVIAMENTE JULGADA, E PACÍFICA NO CNJ E NO STF. REITERAÇÃO DE PRETENSÃO MANIFESTAMENTE RESCISÓRIA. INVIABILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. JULGAMENTO PELO NÃO CONHECIMENTO. APLICAÇÃO DE NORMA REVELADA EM RESPOSTA À CONSULTAS À SITUAÇÃO DE LIMBO FUNCIONAL. PRECEDENTE, DE CARÁTER TRANSCENDENTE, A AFETAR A RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL, QUE VINCULA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. QUESTÃO COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO.  APLICAÇÃO, AO CASO CONCRETO, DO TRATAMENTO PREVISTO NA RESPOSTA À CONSULTA n. 0003413-16.2021.2.00.0000.

1. Para o interregno firmado entre 05/10/1988 e 09/07/2002 (data de publicação da Lei n. 10.506/2002), o autoaplicável artigo 236, §3º da Constituição Federal exige concurso público regular, de provas e títulos, para o ingresso na atividade notarial e de registro, sem fazer qualquer distinção entre provimento ou remoção. "Em outras palavras, o espírito da mencionada disposição constitucional é o de estabelecer que o ingresso na titularidade de uma serventia, seja por provimento, seja por remoção, depende de aprovação em concurso público de provas e títulos". (MS 32.841-MC/PR, Rel. Ministro Luís Fux, j. 27/03/2014).

2. São irregulares, as ocupações de serventias extrajudiciais, realizadas entre 05/10/1988 e 09/07/2002, sob regência de normas estaduais incompatíveis com a Constituição Federal, que permitiram remoções que não foram antecedidas por concursos públicos de provas e títulos e/ou antecedidos tão-somente por concursos de títulos, circunstanciados por discricionariedade e/ou ausência de critérios objetivos nas seleções de candidatos às remoções. Este entendimento também foi adotado, pela Corregedoria Nacional, em 09/07/2010, nos autos do PP n. 000384-41.2010.2.00.0000, para composição da relação definitiva de serventias vagas, integrada por mais de 390 serventias extrajudiciais, associadas a remoções incompatíveis com a Constituição Federal de 1988. Continua sendo adotado, desde então.

3. Os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, afirmada pelo recorrente, não alcançam a União Federal. Não encontra amparo na legislação, ou na jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a pretensão de que a eficácia de decisões administrativas, produzidas pelo Conselho Nacional de Justiça, sob outorga constitucional federal de competência – seja obstada por interpretação lastreada na atribuição de natureza dúplice a título judicial, formado nos autos de ação judicial (in casu, ação civil pública) que: a) julgou improcedente pedido de declaração de invalidade de atos administrativos estaduais que, entre 05/10/1988 e 09/07/2002, proveram cargos de serviços notariais e de registro sem regulares e prévios concursos públicos de provas e títulos; e b) cuja instrução não contemplou citação à União Federal, oportunizando, na Justiça competente para litígios a envolver esse ente federado, o exercício do contraditório e da ampla defesa – garantias constitucionais qualificadas como cláusulas pétreas em nosso Ordenamento Jurídico.

4. No caso, a pretensão do recorrente em ver-se investido na titularidade de serventia extrajudicial para a qual foi irregularmente removido, entre 05/10/1988 e 09/07/2002, sem prévio concurso público de provas e títulos,  foi expressamente afastada em decisões administrativas anteriores produzidas pelo CNJ, nos autos do PP 0000384-41.2010.2.00.000 (em 21/01/2010 e em 09/07/2010), do PCA 0006929-88.2014.2.00.0000 (em 27/04/2015), bem como nos autos do PP 0001428-85.2016.2.00.0000 (em 25/07/2016, 14/11/2016,  25/05/2018, 03/05/2018, 24/05/2018 e em 26/02/2019).

5. O efeito rescisório de decisões administrativas anteriores, pretendido nestes autos, constitui-se em ofensa à autoaplicabilidade do artigo 236, §3º, da Constituição Federal, à coisa julgada administrativa e à preclusão incidente sobre todas e quaisquer teses passíveis de dedução que não tenham sido, em tempo e modo, apresentadas ao debate, inclusive sobre aquela lastreada em suposta violação ao princípio da isonomia.

6. A questão conflituosa acerca da solução a ser conferida ao limbo funcional de delegatários que fizeram inconstitucional remoção ou permuta de serventias - o mais das vezes com supedâneo em normas estaduais e anuência da Administração Pública local, antes da edição da Lei Federal n. 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) -, é matéria que pendia de pacificação e do equacionamento determinado pelo STF, o que veio a correr com o julgamento conjunto, na 63ª Sessão Extraordinária, de 6/9/2022, apresentando respostas às Consultas Formuladas nos autos  de números 0003413-16.2021.2.00.0000, 0005826-02.2021.2.00.0000, 0008639-02.2021.2.00.0000, Relatora a em. Conselheira Salise Sanchotene. 

7. Orienta o art. 505 do CPC que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença. Com efeito, não existe distinção entre a coisa julgada de uma relação de trato continuado ou de uma relação fundada em único fato. A distinção não está no direito processual, mas sim no direito material, que é dinâmico - exatamente porque, sendo relação que se prolonga no tempo, é passível de alteração, tanto é assim que o próprio Código aponta ser possível a modificação desde que sobrevenha "modificação no estado de fato ou de direito", não afetando a higidez da decisão sob o manto da coisa julgada, mas apenas os efeitos para o futuro.

8. Recurso administrativo a que se nega provimento, com aplicação, de ofício, ao caso concreto, do tratamento previsto na resposta à Consulta n. 0003413-16.2021.2.00.0000.

 

 

 

 

 ACÓRDÃO

Retomado o julgamento, o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Maria Tereza Uille Gomes (então Conselheira) e Marcello Terto, que davam provimento ao recurso. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Tribunal Regional do Trabalho. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 1º de março de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux (então Presidente), Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (então Conselheiro), Mauro Pereira Martins (então Conselheiro), Salise Sanchotene (então Conselheira), Jane Granzoto (então Conselheira), Richard Pae Kim (então Conselheiro), Marcio Luiz Freitas (então Conselheiro), Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Maria Tereza Uille Gomes (então Conselheira). Não votou o Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007428-33.2018.2.00.0000
Requerente: JOSE SALVADOR CARLOS CAMPANHA
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CGJRJ e outros

 

RELATÓRIO                                                          

 

 

       O EXM. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

 

1. Trata-se de Recurso Administrativo (Id 3266694), com pedido de concessão de efeito suspensivo, interposto por JOSÉ SALVADOR CARLOS CAMPANHA em face da Decisão Monocrática Id 3260519 do Ministro Humberto Martins que, com fundamento no inciso I do artigo 8º do RI/CNJ, determinou o arquivamento sumário deste Pedido de Providências, “tendo em vista a manifesta improcedência dos pedidos formulados, ante as decisões anteriores do Conselho Nacional de Justiça sobre o mesmo objeto deste feito”, mantendo a inclusão do 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, RJ (CNS 088955), na Relação Permanente Geral de Vacâncias, prevista no artigo 11 da Resolução CNJ n. 80/2009.

Nas razões recursais, aduz o recorrente que apresentou o presente pedido de providências para que fosse revista, por erro de fato, a decisão monocrática proferida no âmbito do Pedido de Providências global n. 000384.41.2010.2.00.0000, instaurado por decorrência da Resolução CNJ n. 80/2009, analisando dezenas de milhares de atos de provimento de serventias de todo o país, declarou irregular o seu concurso de remoção para o Cartório do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca do Rio de Janeiro.

Diz que trouxe aos autos elementos que comprovam o advento de fatos novos e a higidez da remoção, uma vez que foi previamente à edição da Lei Federal n. 8.935/1994, mediante a aferição de critérios objetivos, previstos à época em Lei estadual.

Pondera ser delegatário de serviços notariais e registrários, tendo sido empossado "efetivado no cargo de Titular de 1ª Categoria de Entrância Especial do Cartório do 4º Contador Judicial, com base no art. 208 da vigente Constituição de 1967/69, com a redação dada pela EC 22/1982", "à época não-oficializada", e que, em "05/09/1994 (Processo N°. 55.997/94-CJ), após concurso de remoção, pela Portaria N°. 3.663/94 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 05/09/1994, publicada no D.O. de 06/09/1994, foi transferido de Titularidade, passando a ocupar o Cartório do 2.° Ofício do Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital, entrando em exercício na serventia em 06/09/1994, onde permanece há 24 (vinte e quatro) anos".

Admite que a decisão no procedimento administrativo que pretende seja revista considerou irregular o provimento por remoção, ao fundamento de violação da CF/1988 e da Lei n. 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), malgrado a Lei Federal seja posterior ao ato.

Assevera que a decisão, antes proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça, está em desacordo com decisões administrativas proferidas em outros casos e decisões judiciais, e que a remoção tem embasamento na então vigente Lei estadual n. 2.085-A/72.

Diz que, após a edição da Lei dos Cartórios, foram ajuizadas diversas ações em que figurou como réu impugnando as remoções, dentre elas a Ação popular n. 0001561-33.1995.8.19.0000, transitada em julgado após o advento da Resolução CNJ n. 80/2009, que constitui fato novo relevante capaz de levar à reforma da decisão do CNJ.

Obtempera que há o poder-dever da Administração Pública de rever seus próprios atos, e que a prática, antes do avento da Lei Federal dos Cartórios, era reiterada no âmbito administrativo local, e que não poderia também retornar à Serventia anterior, uma vez que foi estatizada.

O julgamento do recurso administrativo foi pautado pela Ministra Maria Thereza que, todavia, retirou o feito da pauta da 86ª Sessão Virtual de 2021.

Anoto, ainda, que partes foram intimadas a manifestarem-se acerca do entendimento perfilhado pelo Plenário do CNJ, por ocasião do julgamento conjunto que apresentou resposta às Consultas formuladas nos autos n. 0003413-16.2021.2.00.0000, 0005826- 02.2021.2.00.0000, 0008639-02.2021.2.00.0000, Relatora a em. Conselheira Salise Sanchotene, inclusive acerca da eventual aplicação da norma revelada de caráter geral à solução da questão conflituosa dos presentes autos (Id 5335498).

A Presidência do TJRJ esclareceu que a Serventia do 2º Ofício do Registro de Títulos e Documentos foi ofertada no LIX Concurso Público de Provas e Títulos para outorga de delegações do Estado do Rio de Janeiro.

O Corregedor-Geral de Justiça, por seu turno, informou que: a) há precedentes do CNJ reconhecendo a legalidade das nomeações originárias, anteriores à CF/1988, e definindo as regras para investidura em novo serviço, ao que se chamou “limbo funcional”; b) no julgamento conjunto que apresentou resposta às Consultas formuladas nos autos n. 0003413-16.2021.2.00.0000, 0005826-02.2021.2.00.0000, 0008639-02.2021.2.00.0000, o CNJ entendeu ser possível a oferta da titularidade de serviços extrajudiciais vagos e remanescentes de concursos públicos, bem como a dos cuja vacância se aperfeiçoou após o início do último concurso, aos delegatários regularmente investidos mas com remoções anuladas eis que realizadas em ausência de concurso público de provas e títulos; c) o “limbo funcional” é caracterizado pela declaração de inconstitucionalidade de remoções ou permutas, sem concurso público, após a CF/1988, em cenário em que os serviços de origem foram extintos ou preenchidos por outros delegatários, impossibilitando o retorno ao status quo ante; d) a situação é idêntica à verificada no âmbito do TJDFT, em que também se entendeu indelegável a atividade de registro de distribuição de feitos judiciais e sua certificação; e) “o precedente instaurado por força do julgamento da Consulta nº 00003413-16.2021.2.00.0000, cognominado “limbo funcional", não pode ser aplicado ao recorrente, uma vez que de acordo com o decidido, no processo nº 2020/06100590, o mesmo não exercia titularidade de serviço extrajudicial anteriormente à CRFB, eis que, como relatado acima, exercia titularidade de SERVIÇO JUDICIAL”, não remunerado pelos cofres públicos, só tendo sido investido titular de serviço extrajudicial após a remoção em 6/9/1994; f) conforme precedente do CNJ contido no PCA n. 0001427-18.2007.2.00.0000, Relator designado para acórdão o Conselheiro Rui Stoco, o processamento de autos e a função cartorária judicial, ou seja, o sistema cartorial de apoio ao exercício da atividade típica de julgar, não se confunde com a atividade extrajudicial exercida pelos chamados cartórios de notas ou de registro de imóveis pelo sistema de delegação, não se admitindo que o titular de serventia judicial possa remover-se para serventia extrajudicial, por força do art. 236 da CF/88, ainda que a legislação local seja permissiva.

O Requerente José Salvador Carlos Campanha ponderou que: a) o presente Pedido de Providências almeja a revisão do ato praticado por este Conselho Nacional de Justiça que, por força da Resolução nº 80/2009, declarou a vacância do Cartório do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro; b) “a questão debatida nos autos das Consultas n. 0003413- 16.2021.2.00.0000, 0005826-02.2021.2.00.0000, 0008639-02.2021.2.00.0000, suscitadas como potenciais paradigmas, não se compatibiliza com as peculiaridades nestes autos tratadas, na medida em que os referidos precedentes buscaram tão somente consolidar o tratamento a ser dado aos delegatários que acabaram sem conseguir retornar às suas serventias originárias, em razão da regular produção de efeitos da Resolução CNJ 80/2009 que declarou a irregularidades dos concursos de remoção/permutas por eles realizados”; c) conquanto nos presentes autos busca-se seja derradeiramente anulada a decisão proferida por este CNJ por força da Resolução 80/2009, para que a serventia seja definitivamente declarada provida, nos paradigmas recentemente julgados por este CNJ no acórdão de lavra da Conselheira Conselheira Salise Sanchotene buscou-se uma solução decorrente dos regulares efeitos da declaração de vacância feita pela Resolução 80/2009, sendo, portanto, diametralmente incompatíveis os pleitos e objetivos almejados nos casos, conforme assentado pela própria Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro em sua manifestação; d) suscitou teses que demonstram a insubsistência da decisão que declarou a vacância da serventia com base na Resolução 80/2009, que “chegaram a ser objeto de análise nos presentes autos no voto proferido pela então Conselheira Maria Thereza Uille Gomes, oportunidade em que a Conselheira afirmou não se revelar razoável, lógico e legal admitir, de um lado, as remoções apenas com base em títulos ocorridas entre 2002 (Lei 10.506/2002) e 2009 (Resolução CNJ 81/2009), em homenagem a inúmeros princípios constitucionais (legalidade, segurança jurídica, proteção da confiança, etc.), e, de outro, desaceitar, in casu, remoção realizada segundo critérios definidos pelo Estado do RJ, no exercício de sua competência constitucional (artigo 125, § 1º, da CF) e anteriormente à edição da Lei Federal 8.935/1994”. 

É o relatório.

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

F49/J18

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007428-33.2018.2.00.0000
Requerente: JOSE SALVADOR CARLOS CAMPANHA
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CGJRJ e outros

  

 

                                                      VOTO

 

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

2. Como dito, trata-se de Recurso Administrativo em Pedido de Providências (Id 3266694) interposto por JOSÉ SALVADOR CARLOS CAMPANHA em face de Decisão Monocrática (Id 3260519) que manteve a inclusão, determinada pela Corregedoria Nacional, em 12/07/2010, nos autos do PP n. 0000384-41.2010.2.00.0000, do 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, RJ (CNS 088955), na Relação Permanente Geral de Vacâncias, prevista no artigo 11 da Resolução CNJ n. 80/2009.

Sem o prévio concurso público exigido pela Constituição Federal de 1988, o recorrente foi removido, em 06/09/1994, por ato publicado em 05/09/1994, do cargo de titular do 4º Contador Judicial da Capital - Serventia ora estatizada - para a titularidade da delegação do 2º Ofício do Registro de Títulos e Documentos da Capital. 

A unidade extrajudicial de destino, objeto da pretensão nestes autos, foi incluída na relação provisória das serventias consideradas vagas, por decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, proferida em 21/01/2010, nos autos do PP 0000384-41.2010.2.00.0000 (Id 645606 e seguintes), sob o seguinte teor: “Essa serventia foi declarada vaga, pois seu titular foi nomeado ou designado sem a devida aprovação em concurso público regular”.

No ponto, cumpre ressaltar que, como esclarecido nos autos pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e constata-se também do Edital de Abertura do LIX Concurso para outorga de Serventias do Rio de Janeiro, a Serventia do 2º Ofício do Registro de Títulos e Documentos da Capital, para a qual o recorrente foi removido, está vinculado ao certame em trâmite.  

A relação provisória de vacâncias, divulgada em 21/01/2010, estava integrada não apenas pela serventia extrajudicial objeto de interesse da parte recorrente, como também por outras  516 (quinhentas e dezesseis) serventias, igualmente associadas a procedimentos de remoção tidas como irregulares, realizados a partir de 05/10/1988. 

As impugnações apresentadas por 4.606 (quatro mil, seiscentos e seis) interessados foram individualmente apreciadas e julgadas por novas decisões da Corregedoria Nacional, proferidas naqueles mesmos autos, em 09/07/2010 (Id 657774). As novas decisões foram publicadas na edição n. 124/2010 do Diário da Justiça, em 12/07/2010. Juntamente com a delegação que é objeto de interesse da parte recorrente, mais de 390 (trezentas e noventa) outras unidades, associadas a procedimentos de remoção irregulares, remanesceram na relação de serventias vagas. 

No Mandado de Segurança n. 29.012/DF, o Recorrente José Salvador Carlos Campanha apresentou, ao Supremo Tribunal Federal, tese segundo a qual: a) a remoção (considerada irregular pelo CNJ, em 21/01/2010 e em 09/07/2010) seria legítima, por ser precedida de concurso; b) a titularidade da serventia pretendida estaria assegurada por decisão judicial transitada em julgado; e c) a segurança jurídica e a boa-fé limitariam o poder de autotutela da administração pública.

O ato administrativo, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, declaratório da vacância da serventia pretendida pelo autor deste PP (2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro - CNS 08.895-7) foi examinado pelo Supremo Tribunal Federal e considerado legítimo, em decisão publicada no DJe DE 21/08/2014, na qual o Excelentíssimo Ministro Teori Albino Zavascki deu destaque ao dado de realidade pelo qual “(...) a remoção [...] afronta as exigências constitucionais previstas nos artigos 96, I, e 236, §3º, da Constituição”.

 No mesmo ato, o  Ministro Teori Zavascki revogou a medida liminar que houvera sido deferida em 11/10/2010, pelo em. Ministro Ayres Brito, para "suspender os efeitos da decisão do Corregedor Nacional de Justiça que incluiu o 2º Ofício do Registro de Títulos e Documentos da Capital do Rio de Janeiro na lista definitiva de vacâncias".

 Em 05/11/2014, o impetrante (José Salvador Carlos Campanha) apresentou pedido de desistência do MS 29.012/DF, pedido  que foi homologado pelo saudoso Ministro Relator, em 02/02/2015.

 Antes mesmo da homologação do pedido de desistência realizado nos autos do MS 29.012/DF, José Salvador Carlos Campanha apresentou, ao Conselho Nacional de Justiça, em 28/11/2014, o PCA 0006929-88.2014.2.00.0000, em face da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com a finalidade de rescindir o Provimento CGJ/RJ 43/2010 (editado com fundamento na Resolução CNJ n. 80/2009) – que declarou vaga a serventia extrajudicial do 2º Ofício do Registro de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro.

 Na ocasião, o Requerente/Recorrente trouxe novamente a debate alegações lastreadas em: a) suposto erro de fato na valoração do concurso de remoção, considerado irregular pelo CNJ; b) menção a decisões proferidas nos autos dos processos 0003833-97.1995.8.19.0001 e 1996.001.118394-4, que tramitaram no âmbito Judicial local, que lhe assegurariam a titularidade da serventia pretendida; e c) em suposta violação ao princípio da isonomia, diante de tratamentos diferentes que teriam sido ofertados, pelo CNJ, para casos similares entre si.

 O arquivamento sumário do PCA 0006929-88.2014.2.00.0000 foi determinado pela Decisão Id 1688403, datada em 27/04/2015, e preservada pela Decisão Id 1768362, que considerou intempestivo o recurso juntado fora do prazo regimental. O arquivamento definitivo foi certificado em 17/09/2015. 

Em 01/04/2016, José Salvador Carlos Campanha submeteu ao CNJ o Pedido de Providências n. 0001428-85.2016.2.00.0000, também lastreado, em essência, nas mesmas alegações apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal (no MS 29.012/DF) e pelo próprio CNJ (no PCA 0006929-88.2014.2.00.0000).  O PP foi arquivado sumariamente, em Decisão Monocrática Id 1992801, proferida em 25/07/2016, pela Corregedoria Nacional de Justiça. Em 24/04/2018, o Plenário do CNJ, na 270ª Sessão Ordinária,  negou provimento ao recurso interposto por José Salvador Carlos Campanha.

 O arquivamento definitivo do PP 0001428-85.2016.2.00.0000 deu-se em 18/03/2019, em cumprimento a mais uma decisão do Corregedor Nacional de Justiça (Id 2788159), que não acolheu pedido de anulação/reforma da Decisão Plenária proferida em 25/07/2016. 

 Finalmente, neste Pedido de Providências (00007428-33.2018.2.00.0000), além de reiterar alegações outrora apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (no MS 29.012/DF) e ao CNJ (na impugnação à decisão proferida em 09/07/2010, no PCA 0006929-88.2014.2.00.0000 e no PP 0001428-85.2016.2.00.0000), a parte autora trouxe argumentos fundados na superveniência das Lei n. 13.489/2017 e 13.655/2018, bem como em interpretação dada ao título judicial (transitado em julgado em março/2012) formado em março/2012, nos autos do processo 0001561-33.1995.8.19.0000.

 Quanto à reiterada arguição de decadência, cabe consignar que o parágrafo único do artigo 91 do Regimento Interno do CNJ (aprovado pela Resolução n. 67, de 03/03/2009), que tem por fundamento o §2º do Art. 5º da Emenda Constitucional n. 45/2004 – e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ressalvam expressamente a inaplicabilidade do prazo decadencial de cinco anos para situações como a discutida neste processo, em que o ato examinado afronta diretamente a Constituição Federal. Neste sentido, decisões proferidas no MS 28.301 AgR, relatado pelo Ministro Roberto Barroso, e no MS 26.860, relatado pelo Ministro Luiz Fux.

 Quanto à superveniência da Lei n. 13.489/2017, cumpre recordar trecho de decisão monocrática proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, nos autos do MS 29.496 ED-ED/DF, em 07/06/2018: 

 

A propósito, a superveniência da Lei 13.489/2017 não constitui fundamento válido à pretensão do impetrante, ora embargante. Como tive a oportunidade de enfatizar na decisão embargada, a orientação jurisprudencial firmada por esta CORTE assumiu como pressuposto a autoaplicabilidade do artigo 236, §3º da CF/88. Assim, tem-se refutado, de maneira expressa, a pretensão de retirar, do texto constitucional, justificativa pautada em ato jurídico perfeito ou decadência, para, ao final, pretender resguardar situação consolidada em desrespeito à própria ordem Constitucional de 1988. 

 

Aquele argumento conduz também à lembrança do consignado em voto da Excelentíssima Senhora Ministra Relatora Rosa Weber, datado em 21/03/2018, para os Embargos de Declaração em Mandado de Segurança n. 31.514/DF, transcrito parcialmente a seguir, com grifos acrescidos:

A Lei nº 13.489, de 06.10.2017, se limitou a acrescentar um parágrafo único ao art. 18 da Lei nº 8.935/94 (cujo caput afirma: “A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção”), com o seguinte teor: “Aos que ingressaram por concurso, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, ficam preservadas todas as remoções reguladas por lei estadual ou do Distrito Federal, homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça, que ocorreram no período anterior à publicação desta Lei”.

O dispositivo é irrelevante para o deslinde do caso, pois, conforme estabelecido de forma absolutamente clara na decisão recorrida, é notória a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o art. 236, §3º, da Constituição Federal é autoaplicável. Portanto, desde a vigência da Carta Magna, são inconstitucionais remoções e permutas realizadas sem concurso público. Reitere-se: a questão é de inconstitucionalidade, não de legalidade. Assim, a menos que se pretenda inverter o sentido da estrutura hierárquica das normas, de modo a se interpretar a Constituição a partir da legislação ordinária, lei não pode ter o alcance de convalidar atos administrativos inconstitucionais por natureza, porque frontal e diretamente ofensivos a dispositivo expresso da Lei Maior.

 

A preservação de remoções que ocorreram no período anterior à publicação da Lei n. 13.489/2017, foram reguladas por lei estadual e homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça está restrita, portanto, nos termos da Constituição Federal de 1988, aos que ingressaram, por remoção, na atividade notarial e registral: a) entre 05/10/1988 e 09/07/2002, mediante regular concurso público de provas e títulos; b) a partir de 09/07/2002, mediante regular concurso público de títulos. 

Note-se que a dispensa da exigência de concurso de provas para fins de ingresso por remoção na atividade notarial e de registro, promovida pela Lei n. 10.506/2022 sobre o artigo 16 da Lei n. 8.935/1994, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de mérito, ocorrido em 04/09/2023, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 14.  

A Corte Constitucional modulou os efeitos da decisão, para estabelecer a validade das remoções realizadas com base na norma declarada inconstitucional, quando precedidas de concursos públicos exclusivamente de títulos iniciados e concluídos, com a publicação da relação dos aprovados, no período compreendido entre a entrada em vigor da Lei n. 10.506/2002 (09/07/2002) e a edição da Resolução CNJ n. 81/2009 (09/06/2009). 

Os efeitos daquela modulação alinham-se perfeitamente aos previstos na alínea “c” do artigo 4º da Resolução CNJ n. 80/2009, que trouxe exceções para a declaração de vacância de todos os serviços notariais e de registros providos em desacordo com a Constituição Federal de 1988, dentre as quais, a exceção referida àqueles aprovados em concurso de títulos para remoção concluídos, com a publicação da relação dos aprovados, desde a vigência da Lei n. 10.506/2002 (09/07/2002) até a publicação da própria Resolução CNJ n. 80/2009 em Sessão Plenária Pública (09/06/2009). 

É dizer: a eficácia da Resolução CNJ n. 80/2009, reconhecida por farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, foi mais uma vez afirmada, desta feita, no que tange à modulação deferida para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei n. 8.935/1994, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.506/2002.

 Constata-se assim que, para fins de aplicação do previsto na alínea "c" do parágrafo único do artigo 4º da Resolução CNJ n. 80/2009, a parte autora deste Pedido de Providências, deveria: I) ter sido aprovada em concurso de títulos para remoção, concluído (com a publicação da relação dos aprovados) entre 09/07/2002 e 09/06/2009; e b) ter, no mínimo, obtido, em tal concurso, classificação final que eventualmente lhe assegurasse, com prioridade sobre outros interessados, o direito de escolha do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos (CNS 088955); e c) ter sido aquinhoada, em Sessão Pública, especificamente com esta mencionada serventia e não com outra qualquer.

 Quanto à alegação de coisa julgada de natureza judicial, cumpre salientar que a União não participou em litisconsórcio passivo necessário das ações judiciais mencionadas pelo requerente José Salvador Carlos Campanha e não está, portanto, incluída nos limites objetivos ou subjetivos da coisa julgada que o recorrente insiste em alegar.

 Consta no documento Id 4105881, cópia da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 5ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital (Rio de Janeiro, RJ) para os autos do processo n. 1995.001.003513-1 (Reexame Necessário 0003833-97.1995.8.19.0001 – Id 3235644). Trata-se de ação popular proposta por Mário da Silva Hernandes Perez em face do Estado do Rio de Janeiro e de Paulo Roberto de Azevedo Freitas.  

 No processo n. 1995.001.003513-1, a sentença foi proferida em 12/03/2010, momento que é, a um só tempo: a) posterior àquele no qual o 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, (RJ), houvera sido incluído na Relação Provisória de Vacâncias, por ato administrativo administrativo federal baixado, em 21/01/2010, pela Corregedoria Nacional de Justiça; e b) anterior àquele no qual aludida serventia foi incluída na Relação Permanente de Vacâncias, por ato da Corregedoria Nacional de Justiça, que, em 12/07/2010, julgou improcedente a impugnação apresentada por José Carlos Salvador Campanha, autor de mais este procedimento administrativo.

 Da transcrição parcial daquela sentença pode-se extrair:

Deseja o autor a declaração de invalidade de atos administrativos que proveram cargos de serviços notariais e registrais e dos demais atos administrativos deles resultantes; entende que ocorreram remoções indevidas em afronta ao art. 236, da CF; que se violou a Lei n. 8.935/1994; que houve violação do princípio da Moralidade Administrativa; trouxe jurisprudência que o favoreceria e, ao final, a Resolução n. 80, do CNJ, que ampararia seu direito.

Adoto, como razões de decidir, os pareceres de fls. 552/560 e 609/613, entendendo que não há como prosperar o pleito autoral.

É fundamental que se destaque que os atos administrativos impugnados foram praticados legalmente, sem lesão ao patrimônio público, vez que praticados, destaque-se, antes do advento da Lei nº 8.935/94 e antes do art. 236, da CF.

Trata-se de defender princípio básico do ordenamento jurídico, que é a irretroatividade das leis, consubstanciado em cláusula pétrea, posta no art. 5º, XXXVI, da Lei Maior, que protege como direito individual fundamental, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Neste sentido, Nelson Nery Júnior, Caio Mário da Silva Pereira, Belizário Antônio de Lacerda, Carlos Mário da Silva Velloso e Alexandre de Moraes, todos, tratando do tema. Na jurisprudência, por todos: STF, Ag. Instr. nº 200767-2; STF, Pleno ADIn nº 248/RJ e STF, Ag. Instr. nº 159587-6/SC.

Logo, o que discute o autor se deu exatamente no período anterior às leis antes referidas e o atuar da Administração decorreu dos artigos 38 e 72, segunda parte, da Lei nº 2.085-A/72 do Estado do Rio de Janeiro, além de norma prevista no art. 44, do Código de Organização Judiciária à época em vigor, que dava poderes ao Corregedor para as remoções questionadas, como bem ressaltado no segundo parágrafo da promoção do Parquet às fls. 613.

O demandante pleiteia efetivação em momento posterior à vigência da Lei nº 8.935/94, o que faz incidir o art. 37, II, da CF, que impede a ascenção funcional. Neste sentido, confira-se, por todos, a lição de Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, Editora Atlas, 7ª edição, 2007, página 820; e na jurisprudência, veja-se: STF, Pleno, ADIn nº 402-6/DF – Relator Ministro Moreira Alves, DJ, Seção I, 24/05/2001, p.24.

E mais, a Reclamação nº 3337, intentada pelo autor junto ao STF reconheceu a validade do ato de remoção feito com base na Lei Estadual nº 2.085-A/72, que foi recepcionada pelo art. 236 da CF, bastando-se conferir o próprio teor da decisão integral da Reclamação trazida pelo próprio demandante (fls. 592/594).

Quanto à Resolução nº 80, do CNJ, melhor sorte não assiste também ao autor, vez que o Conselho baixou uma Resolução que é uma decisão administrativa, sujeita a recurso e controle jurisdicional, desinfluente nesta demanda, como se vê da manifestação dos réus às fls. 628, que adoto; todavia, repita-se, o mais relevante não é esta questão e sim que os atos discutidos pelo autor foram praticados com base em leis anteriores à edição da Lei nº 8.935/94 e art. 236, da CF, estando, portanto, beneficiados pelos atos protegidos pelo art. 5º, XXXVI, da CF, como já acima apontei.

Em consequência, afastei todas as alegações autorais, seja com esteio na fundamentação supra colocada, seja com base nos pareceres do MP (de fs. 552/560 e 609/613) que, repito à exaustão, também utilizei como razões de decidir, por economia processual (art. 5º, LXXVIII, da CF)

Isto posto, por todas as razões e fundamentações acima explicitadas, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE O PEDIDO.

 

A sentença, julgando improcedente o pedido formulado na inicial, proferida no processo n. 1995.001.003513-1, foi confirmada pelo TJRJ. Não foi, contudo, inclusive em sede recursal,  propiciado à União oportunidade para ingresso no processo. A União não foi citada, nem mesmo intimada ao longo da tramitação do feito.

 Quanto à Reclamação n. 3.337, mencionada na transcrição feita acima, importa anotar que foi julgada improcedente, pelo Supremo Tribunal Federal,  em 07/08/2008.

Por um lado, "nos termos do art. 47 do CPC/1973, há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei "ou pela natureza da relação jurídica", o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. E o art. 114 do CPC/2015 também estabelece que o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. Já o 115, I, dispõe que a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo" (REsp n. 1.188.443/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 18/12/2020.)

De mais a mais, não há reconhecimento, na legislação ou na jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Conselho Nacional de Justiça, de natureza dúplice para decisões finais apuradas em ações civis públicas, sendo este, por si só, obstáculo intransponível ao acolhimento da tese sustentada pela parte recorrente. 

A prestação jurisdicional é delimitada pela peça vestibular (e/ou por emenda regularmente acrescida àquela vestibular) e não há, nos autos deste processo administrativo, sequer evidência de que a exordial, eventual emenda ou a contestação apresentadas à ação popular n. 1995.001.003513-1 estavam integradas por requerimentos voltados à anulação ou à reforma: a) da Resolução CNJ n. 80/2009; e/ou b) do ato administrativo que, produzido pelo CNJ em 21/01/2010, declarou a vacância do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos (CNS 088955), sendo certo também que dependeria da integração da União no polo passivo e de tramitação no âmbito da Justiça Federal. Tais requerimentos não foram julgados pelo Juízo Estadual e, portanto, não integram a coisa julgada. 

Não é minimamente razoável - sob perspectiva lógico-jurídica - pretender-se que a eficácia de decisões administrativas, produzidas pelo Conselho Nacional de Justiça (Órgão Nacional, vinculado à União Federal), sob outorga constitucional federal de competência, seja obstada por título judicial formado em processo julgado pela Justiça Comum Estadual - que não tenha contemplado o deferimento, à União Federal, de oportunidade para exercício do contraditório (prévio e efetivo) e da ampla defesa, garantias constitucionais qualificadas como cláusulas pétreas em nosso Ordenamento Jurídico.

Neste sentir, não se sustenta o argumento pelo qual a União (representada pelo CNJ) estaria coagida a tolerar a remoção irregular discutida nestes autos, omitindo-se quando ao exercício efetivo do poder-dever advindo do artigo 103-B da Constituição Federal, em virtude do que foi incidentalmente consignado na fundamentação de sentença que:  a) julgou improcedente o pedido de declaração de invalidade de atos administrativos estaduais que deram provimento a cargos (delegações) de serviços notariais e registrais; b) foi proferida em ação popular (na espécie, desprovida de natureza dúplice); e c) foi proferida em processo judicial para o qual a União não foi citada.

 Em síntese: a interpretação a que a parte recorrente se apega simplesmente não é oponível à União.

 Não há direito adquirido contra o texto constitucional. A manifesta improcedência dos pedidos iniciais e do recurso neste processo administrativo está evidenciada também nos termos da decisão que foi proferida, por votação unânime, pelo Supremo Tribunal Federal, para  diversos Agravos Regimentais em Mandados de Segurança (29.472, 29.478, 29.552, 29.641, 29.653, 29.660, 29.676, 29.677, 29.679 e 29.714, dentre outros) impetrados por cidadãos, em situações jurídicas irregulares similares à da parte recorrente, diante do ato administrativo da Corregedoria Nacional de Justiça que, autorizado pela Resolução CNJ n. 80/2009, em 09/07/2010, declarou (nos autos do PP n. 000384-41.2010.2.00.0000) a vacância demandada pelo autoaplicável §3º do artigo 236 da Constituição Federal.

São inúmeros os julgamentos, produzidos pelo Supremo Tribunal Federal, contrários à eficácia de normas estaduais que admitiam remoções na atividade notarial e de registro, independentemente de regular e prévio concurso público (de provas e títulos)na vigência da Constituição Federal de 1988. Dentre tantos, calha citar alguns dos que estiveram sob relatoria do Ministro Teori Zavaski, quais sejam: MS 29.290 AgR, 2ª Turma, j. 3/3/2015, Dje de 8/5/2015; MS 29.101 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; MS 29.186 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; MS 29.093 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; MS 29.128 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; MS 29.146 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; MS 29.130 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015; e MS 29.129 AgR, 2ª Turma, j. 14/4/2015, Dje de 3/8/2015.

A específica situação jurídica na qual a parte autora deste procedimento administrativo se encontra é resultante da conjugação do respectivo histórico funcional com a aplicação, em processos judiciais e administrativos já julgados, de entendimento consolidado, tanto no âmbito do CNJ quanto do Supremo Tribunal Federal, acerca da teleologia e eficácia atribuíveis ao §3º do artigo 236 da Constituição Federal.

 Não há dúvidas quanto ao interesse da parte autora deste procedimento em obter: a) desconstituição da decisão que, proferida pela Corregedoria Nacional, no dia 09/07/2010 (com fundamento no caput do artigo 1º da Resolução CNJ n. 80/2009), considerou irregular, a partir de 05/10/1988, a ocupação de serviço notarial e de registro promovida em desacordo com as normas da Constituição Federal vigente; e b) a substituição daquela legítima decisão por outra (relacionada à alínea "c" do parágrafo único do artigo 4º da Resolução CNJ n. 80/2009), que garanta assunção da titularidade da serventia que lhe é de interesse, mediante prévia exclusão daquela da Relação Permanente Geral de Vacâncias (artigo 11 da Resolução CNJ n. 80/2009). A pretensão rescisória é indisfarçável.

Com efeito, não há falar em relativização da coisa julgada administrativa, uma vez que a eficácia preclusiva do julgado impede seja infirmado o resultado a que se chegou em processo anterior com decisão transitada em julgado, ainda que a ação repetida seja outra, mas que, por via oblíqua, desrespeita o julgado adredemente proferido.

O uso deste procedimento para obtenção de aludido efeito rescisório não está previsto no Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça e, tendo em vista reiterados julgamentos deste Conselho e do Supremo Tribunal Federal para esta questão já pacificada, não pode ser admitido.

É inequívoca a preclusão incidente sobre todas e quaisquer teses deduzíveis que não tenham sido, em tempo e modo, apresentadas ao debate, inclusive sobre aquela lastreada em suposta violação ao princípio da isonomia. Eventuais equívocos em julgamentos administrativos pretéritos, consubstanciados em potenciais falhas na identificação de ocupações irregulares de serventias extrajudiciais, demandam correções e certamente não podem ser utilizados como paradigmas para produção inconstitucional e em série de novos erros.

Não há dúvida, portanto, quanto à irregularidade da remoção de José Salvador Carlos Campanha para 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, RJ  (CNS 088955).

Todavia, a questão não fica assim resolvida, notadamente em vista de que, como se verá adiante, há questão subjacente cognoscível de ofício pela Administração Pública, e o próprio art. 462 do CPC traz luz ao orientar que, se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte.

3. Como assentei em precedente no âmbito do STJ, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e, exatamente por isso, tenho afirmado que, se a divergência de índole doutrinária é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável (REsp. n. 753.159/MT e Recurso Repetitivo 1.339.436/SP).

A questão conflituosa acerca da solução a ser conferida a delegatários, isto é, pessoas devidamente aprovados em concurso ou eremanescentes das hipóteses do art. 284 da CF/1967, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 22/1982, que fizeram inconstitucional remoção ou permuta de serventias - o mais das vezes com supedâneo em normas estaduais, antes da edição da Lei Federal n. 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), e invariavelmente com a anuência da Administração Pública local -, é matéria que pendia de pacificação antes do julgamento conjunto, na 63ª Sessão Extraordinária de 6/9/2022, apresentando respostas às Consultas formuladas nos autos de números 0003413-16.2021.2.00.0000, 0005826-02.2021.2.00.0000, 0008639-02.2021.2.00.0000 e atendendo à conclamação do STF acerca da necessidade de equacionamento dessas situações, Relatora a em. Conselheira Salise Sanchotene.

Esse leading case tem a seguinte ementa:

PEDIDOS DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. JULGAMENTO CONJUNTO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. REMOÇÕES POR PERMUTA ANULADAS PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO ÀS SERVENTIAS DE ORIGEM. NECESSIDADE DE EQUACIONAMENTO ADMINISTRATIVO DO CHAMADO “LIMBO FUNCIONAL”. CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACORDOS HOMOLOGADOS. CONSULTA RESPONDIDA. RECURSOS CONHECIDOS EM PARTE E IMPROVIDOS.

1. Julgamento conjunto de procedimentos que tratam do chamado “limbo funcional”, situação anômala caracterizado pela impossibilidade de retorno de notários e registradores às serventias de origem após anulação de remoções e permutas consideraras inconstitucionais pelo Conselho Nacional de Justiça.

2. Orientação do Supremo Tribunal Federal de equacionamento  administrativo do “limbo funcional”, considerada a legitimidade do ingresso inicial por concurso público.

3. Em observância aos princípios da segurança jurídica e da vinculação ao instrumento convocatório, é inviável a retirada de serventias regularmente listadas em edital de concurso público ainda não finalizado para ofertá-las aos delegatários do chamado “limbo funcional”. Recursos administrativos conhecidos em parte e, no mérito, improvidos.

4. Homologação de acordos firmados por 62 (sessenta e dois) delegatários do Estado do Paraná em audiência de conciliação conduzida pelo Núcleo de Mediação e Conciliação (NUMEC) do Conselho Nacional de Justiça.

5. Consulta respondida para assentar a possibilidade de ofertar a titularidade de serventias remanescentes de concursos públicos e de serventias cuja vacância se aperfeiçoou depois do início do último concurso aos delegatários do “limbo funcional”, respeitados critérios que protejam, de um lado, os delegatários de ônus ou perdas anormais ou excessivos e, de outro, os interesses gerais envolvidos.(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0008639-02.2021.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 63ª Sessão Extraordinária - julgado em 06/09/2022 ).

 

Nesse mencionado precedente, Sua Excelência, bem demonstrando a divergência jurisprudencial no âmbito do CNJ, dispôs:

No ano de 2009, o CNJ editou a Resolução de n. 80, na qual declarou a vacância dos serviços notariais e de registro cujos responsáveis não haviam sido investidos por meio de concurso público de provas e títulos específico para a outorga de delegações de notas e de registro, na forma da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988).

Para dar cumprimento à referida resolução, foi instaurado o Pedido de Providências n. 0000384-41.2010.2.00.0000, no qual o então Corregedor-Nacional de Justiça, o Exmo. Ministro Gilson Dipp, proferiu 14.964 decisões individualizadas sobre a situação dos serviços extrajudiciais do país, conforme publicação efetivada em 12/7/2010 no Diário de Justiça Eletrônico.   

Nessas decisões, inúmeras remoções e permutas foram anuladas, pois não haviam sido precedidas da necessária realização de concurso público.

Em muitos casos, contudo, os delegatários removidos haviam ingressado no serviço extrajudicial por regular concurso público, de sorte que a anulação das remoções ou permutas inconstitucionais teve como efeito o retorno ao status quo ante.

Em outras palavras, uma vez reconhecida a nulidade dos atos de remoção/permuta, foi imposto aos delegatários, por consectário lógico, o retorno à situação jurídica original, isto é, à condição de titulares da serventia extrajudicial que ocupavam regularmente antes de serem indevidamente removidos.

Ocorre que inúmeras dessas serventias já se encontravam, ao tempo da anulação, extintas ou ocupadas por outros delegatários igualmente aprovados em concurso público, o que tornou impossível o restabelecimento do estado de coisas anterior, situação que se convencionou chamar de “limbo funcional”.

É precisamente nesta situação que se encontram a maioria dos autores dos PPs n. 0008639-02.2021.2.00.0000 e n. 0005826-02.2021.2.00.0000.

[...]

Dentre os autores dos pedidos de providências, TERCIO BASTOS MELLO JUNIOR, do PP n. 0005826-02.2021.2.00.0000, e SIMONE DA SILVA REIS DIB, do PP. n. 0008639-02.2021.2.00.0000, possuem condição diferenciada. Segundo as informações do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ambos estão em situação de interinidade, mas a unidade da qual partiram para a remoção ou permuta invalidada pelo Conselho Nacional de Justiça era um cartório judicial. O vínculo originário de Simone com o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, diferentemente de Tércio, é oriundo de um concurso para cartório judicial. Além desses autores, outros agentes delegados nessa mesma condição constam do processo como terceiros interessados, a saber, MARA SALETE WYPYCH, ELAINE MAGALHÃES SOUZA DE VASCONCELLOS e JULIANO BUHRER TAQUES. 

[...]

No PCA n. 0001408-75.2008.2.00.0000, em 8 de setembro de 2009, o Conselho Nacional de Justiça considerou irregular a remoção de agentes delegados de cartórios judiciais para serventias extrajudiciais, nos seguintes termos (Id 728959):

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DERIVADO SEM CONCURSO PÚBLICO. REMOÇÃO POR PERMUTA. SERVENTIAS JUDICIAIS PARA EXTRAJUDICIAIS. NULIDADE DO ATO. JULGADO PROCEDENTE. DESCONSTITUIÇÃO DOS DECRETOS. A realização de remoções por permuta com base no interesse da justiça, mesmo que fundamentada em norma estadual, viola o § 3º do art. 236 da CF, que exige o concurso público tanto para o provimento originário quanto para o provimento derivado. As permutas, da forma como realizadas, atendem tão somente aos interesses particulares dos envolvidos. Pedido que se julga procedente.

[...]

 

 Inicialmente, ao enfrentar a situação dos agentes delegados do “limbo funcional”, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que caberia exclusivamente ao delegatário suportar os ônus do ato irregular do qual participou. Veja-se:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE REMOÇÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. QUESTÃO JUDICIALIZADA.  MANUTENÇÃO DE TABELIÃO EM SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. REMOÇÃO. PROVIMENTO SEM CONCURSO PÚBLICO. MODULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não cabe ao CNJ apreciar questão previamente submetida a órgão com competência jurisdicional.

2. São incompatíveis com o art. 236, § 3º , da Constituição Federal, não sendo recepcionadas pela Magna Carta, as normas estaduais editadas anteriormente que admitem a  remoção na atividade notarial e de registro independentemente de prévio concurso público.

3. Em caso de reconhecimento da irregularidade do ato de remoção, compete ao removido retornar à serventia de origem. Sendo impossível o seu retorno por estar a serventia provida ou ter sido extinta, cabe ao removido suportar os ônus e arcar com as consequências indesejáveis do ato manifestamente inconstitucional.

4. Pedido improcedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001095-36.2016.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 31ª Sessão Virtual - julgado em 05/02/2018).

 

 

A questão, todavia, foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Em diversos Mandados de Seguranças (v.g.: MS n. 29415, n. 29414, n. 29423, n. 29425 e n. 29489), a Suprema Corte confirmou a nulidade das remoções. Porém, por reconhecer a legitimidade do ingresso inicial por concurso público, determinou ao TJPR que promovesse o “equacionamento administrativo” da situação dos impetrantes.

[...]

Nas palavras do Exmo. Ministro Luiz Fux, em voto proferido nos autos do MS n. 29415, “(...) a bem da busca pela realização da Justiça no caso concreto, não se pode ignorar o fato de que o provimento originário da impetrante junto ao posto de escrivã se deu mediante a realização de efetivo concurso público. (...) o afastamento da impetrante da serventia para a qual permutada não lhe retira o direito legítimo de ocupação do posto inicial para o qual nomeada após concurso público, direito a ser conciliado com a situação jurídica titularizada por eventual cartorário que, de boa-fé e também mediante concurso público, atualmente ocupe a vaga de origem”.

O eminente Ministro prossegue afirmando que “(...) do mesmo modo que não se pode prorrogar, ainda que temporariamente, uma situação de flagrante inconstitucionalidade (como seria a permanência da impetrante junto à serventia para a qual permutada), não se pode negar albergue jurídico a quem foi aprovado em concurso público. Dessarte, à luz da peculiaridade do caso concreto, voto no sentido de determinar a expedição de ofício ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para que equacione administrativamente a situação indicada, vedada a manutenção, ainda que temporariamente, da impetrante no cargo para o qual se viu removida em desacordo com a Constituição/1988”.

Daí se concluir que, hoje, na esteira do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, recai sobre o Administração Judiciária a desafiadora incumbência de dar uma solução para o “limbo funcional”.

Afirmo que a incumbência é desafiadora pois o “limbo funcional” consubstancia situação anômala e excepcional que, por isso mesmo, não encontra no ordenamento jurídico posto uma solução pronta e acabada.

Nesse contexto, de antemão, reputo de suma importância esclarecer que qualquer solução voltada ao equacionamento administrativo do “limbo funcional” necessariamente terá de ser construída afastando-se da estrita legalidade.

[...]

A necessidade de “equacionamento administrativo” torna mesmo imperativo reconhecimento da possibilidade de flexibilização pontual do sistema geral de regras que orienta a delegação de serviços extrajudiciais. Com efeito, tais regras foram pensadas para as situações de normalidade, de maneira que, diante da excepcionalíssima situação ora analisada, devem ceder espaço para que se encontre uma solução para o “limbo funcional”.

Isso, claro, desde que respeitados critérios que resguardem os direitos de terceiros e os princípios que informam a atuação da Administração Pública, dentre os quais destaco os princípios da indisponibilidade do interesse público e o princípio da moralidade administrativa, consoante tratarei oportunamente.

[...]

No caso, o devido seria o retorno dos delegatários às serventias de origem – assim entendida como a serventia da qual o agente delegado saiu para a remoção ou permuta invalidada. Tal retorno mostrou-se inviável quando as serventias de origem estavam extintas, desativadas ou preenchidas por outros agentes delegados regularmente designados de forma definitiva para a serventia.

Destaco que agentes delegados cujas serventias de origem estavam vagas e desimpedidas para o retorno foram excluídos da conciliação, visto que não há óbice para o ajuste administrativo direto.

De outro lado, agentes delegados que antes da remoção ou permuta invalidada estavam em cartório judicial igualmente não foram contemplados com a conciliação, pois o objeto do processo era o uso de vagas das serventias extrajudiciais para o ajuste administrativo determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, a estatização dos cartórios judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e a irregularidade de remoções entre serventias extrajudiciais e cartórios judiciais foram apreciadas pelo Conselho Nacional de Justiça em processos diversos (PCAs 0002363- 72.2009.2.00.0000 e 0001408-75.2008.2.00.0000), envolvendo outras questões jurídicas.

Assim, diante da impossibilidade fática de retorno dos agentes delegados para serventia extrajudicial na qual estava antes da remoção ou da permuta invalidada, por motivo de sua extinção, desativação ou preenchimento definitivo por outro delegatário, entendo que o equacionamento administrativo do “limbo funcional” somente terá respaldo constitucional se tiver como objetivo alcançar o estado de coisas mais próximo possível ao status quo ante, evitando, ao máximo, discrepâncias tais como as apontadas há pouco.

Para cumprir esse objetivo, tornou-se imprescindível a definição de balizas para a audiência de conciliação.

Para tanto, assentei, nos despachos de Id n. 4833938 e n. 4833938, como forma de proteger os legítimos interesses dos candidatos do certame atualmente em curso, que as serventias ofertadas em seu edital inaugural (Edital n. 1/2018) não poderiam ser objeto de negociação.

Além disso, estabeleci que a conciliação deveria levar em consideração, entre outros, os seguintes critérios: (i) a proporcionalidade entre a receita da serventia de origem (na qual estava o agente delegado antes da permuta ou remoção irregular invalidada pelo Conselho Nacional de Justiça) e a receita da serventia vaga de destino; (ii) a ordem de antiguidade dos agentes delegados e (iii) a localidade da serventia de destino.

A meu sentir, a conjugação de tais critérios, ou seja, proporcionalidade da receita, antiguidade, e localidade da serventia, é o método mais apropriado para reproduzir, na medida do possível, a situação fática em que o delegatário se encontraria caso fosse possível o retorno à serventia originária.

Nesse contexto, como forma de garantir critério da proporcionalidade, as serventias de origem foram organizadas em 10 (dez) grupos, sendo que cada grupo correspondeu, proporcionalmente, a uma das faixas de valor da receita total trimestral das serventias atualmente vagas e não oferecidas em concurso público.

Ficou estabelecido que, dentro de cada grupo de serventias de origem, os respectivos agentes delegados, ao serem chamados nominalmente na audiência de conciliação, poderiam fazer a escolha de uma serventia vaga, respeitando-se, no grupo, a ordem de antiguidade dos delegatários.

Ficou também estabelecido que as serventias vagas remanescentes de uma faixa de maior valor passariam a integrar o leque de opções da faixa imediatamente subsequente.

Observados esses critérios, foram firmados 63 (sessenta e três) acordos, entre os dias 25/8/2022 e 26/8/2022, em audiência de Conciliação realizada na sede do TJPR, em Curitiba/PR.

[...]

Entendo que os requerimentos formulados na petição Id 4850206 estão contemplados na resposta à Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – medidas futuras quanto aos agentes delegados que não tiveram interesse na proposta de conciliação (ainda que em função do lapso temporal escolhido para a apuração da receita total bruta – José Sérgio de Lima), que não compareceram ou que não tiveram sua situação individual reconhecida como limbo funcional por impossibilidade de retorno à serventia extrajudicial da qual saiu para remoção ou permuta invalidada (Tércio Bastos Mello Júnior e Lincoln Buquera de Freitas Oliveira).

 

Assim, rogando novamente vênias ao posicionamento externado pela então Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, entendo que cabe conhecer da Consulta para respondê-la nos seguintes termos: é possível ofertar a titularidade de serventias remanescentes de concursos públicos e de serventias cuja vacância se aperfeiçoou depois do início do último concurso aos delegatários que tiveram as remoções anuladas por ato deste Conselho e foram impossibilitados de retornar às delegações de origem (“limbo funcional”), respeitados os critérios postos na fundamentação deste voto.

 

 

Com efeito, não se pode ignorar que o art. 89, § 2º, do RICNJ estabelece que Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. § 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral. 

A bem da verdade, a vinculação aos precedentes não é uma inovação trazida pelo novo CPC, mas, sim, uma questão de teoria da interpretação do direito, que ganhou autoridade após a superação dos modelos declaratório e descritivo das normas jurídicas, que passou a ser reconstrutivo e adscritivo de sentidos reconduzidos aos textos jurídicos (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. Vol. l. São paulo: RT, 2015, p. 149).

Até o julgamento da Consulta, revelando norma de caráter geral, havia dispersão na jurisprudência do CNJ, em julgamento de feitos individuais, sem transcendência e vinculação da Administração Pública.

O dissenso inicial a respeito da mesma questão jurídica, apesar de ofender a isonomia e a segurança jurídica, é necessário para maior reflexão sobre todos os entendimentos possíveis a respeito da matéria, não sendo, em linha de princípio, por si só, manifestamente indesejável. É bem por isso que, a título ilustrativo, a doutrina promove a arguta observação de que, na esfera jurisdicional, muito embora a prolação do precedente vinculante incumba ao STF e ao STJ, dentro de suas respectivas competências constitucionais, na verdade, representa o ápice de um processo que envolve as instâncias ordinárias, advocacia e Ministério Público, visto que a questão jurídica repete-se em diversos feitos de que participam esses partícipes, culminando com um amadurecimento do entendimento acerca das questões jurídicas para consolidação do entendimento das cortes de superposição.

De outro lado, não se pode negar que o direito é dotado de certa flexibilidade, até mesmo para que se amolde a seu tempo, de modo que negar que o enunciado extraído da resposta às Consultas afete, no âmbito administrativo, a regência das relações de direito material, é engessar o direito, além do desejável para a satisfação da segurança jurídica.

Com efeito, em vista que a norma jurídica revelada não é antecedente à decisão administrativa declarando a vacância das serventias ligadas à permuta, significa, induvidosamente, nova circunstância-fático jurídica, a afetar não a coisa julgada administrativa, mas a relação de direito material.

Nessa linha de intelecção, por ocasião do julgamento Recurso Especial representativo da controvérsia, RESP 1.391.118/RS, a Segunda Seção, na linha da abalizada doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso, perfilhou o entendimento de que a coisa julgada inclui sob o manto da intangibilidade pan-processual, as questões tanto as deduzidas como as que poderiam tê-lo sido -, por isso traz embutida ou pressuposta a exegese feita judicialmente, já definida quanto aos seus campos subjetivo e objetivo de aplicação.

"A eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo Juízo constantes do mérito da causa" e nem sequer se poderia considerar deduzível a norma vinculante que viria a ser revelada pelo Plenário do CNJ nas mencionadas Consultas (RESP 1090847/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 10/05/2013).

Dessarte, no tocante à coisa julgada administrativa (preclusão administrativa), e também aos seus efeitos jurídicos projetados do passado até o presente, em linha de princípio, permanecem hígidos, não exsurgindo, pois, nenhum dano indenizável, todavia, como se trata de relação jurídica de direito material continuativa (também denominada permanente), cujo fundamento jurídico que a embasou, consoante interpretação vinculante e consolidadora do Plenário do CNJ, cumprindo determinação do STF de propiciar o equacionamento da situação de pessoas em limbo funcional, viola o ordenamento jurídico, no tocante ao ponto em que relega os delegatários ao limbo funcional, sem o devido equacionamento, uma vez que foram atos, malgrado irregulares, praticados com a anuência da Administração Pública local.

É preciso ressaltar que não constitui nenhuma novidade, inclusive no tocante ao direito comparado, que a decisão administrativa ou sentença que tem efeitos prospectivos, determinando comando para o futuro (limbo funcional), em relação jurídica de direito material continuativa (também denominada permanente), é decisão que contém cláusula rebus sic stantibus.

Ocorre que, por mais que a coisa julgada seja o resultado da jurisdição, a vida real sempre acaba se impondo, e é portanto lógico que uma sentença [ou decisão administrativa] que pretenda disciplinar uma relação continuativa não dure para sempre. É circunstância similar ao que ocorre com uma lei defasada que, embora não tenha perdido seu valor de lei, por mais defasada que esteja, decerto perde toda sua eficácia. (NIEVAFENOLL, Jordi. Coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 273)

Confira-se, respectivamente, a bastante similar redação do inciso I dos arts. 471 do CPC/1973 e 505 do CPC/2015:

Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

 

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Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

Por um lado, o caput dos dispositivos complementam a disciplina da coisa julgada, no sentido da imutabilidade e indiscutibilidade, impedindo que a mesma demanda (isto é, que tenha tríplice identidade: partes, causa de pedir e pedido) seja apreciada novamente com a extinção do segundo processo ou que uma questão antes debatida seja rediscutida .com uma decisão de mérito no segundo processo).

A teoria da substanciação, expressamente adotada pelo CPC (art. 282, III do CPC/1973 e 319, III, do CPC/2015), esclarece que a causa de pedir é composta pelos fatos e fundamentos jurídicos, sendo certo que a revelação de nova norma jurídica constitui fundamento jurídico novo, passível de suscitação, mesmo em se tratando de coisa julgada no âmbito judicial, em nova demanda - denominada pela doutrina, no tocante à decisões judiciais, ação revisional - a ser ajuizada, conforme o multicitado escólio de CHIOVENDA, no mesmo Juízo responsável pela liquidação do julgado -, visto que não está encoberto pela eficácia preclusiva da coisa julgada.

Dessarte, na verdade não existe distinção entre a coisa julgada de uma relação de trato continuado ou de uma relação fundada em único fato (como, por exemplo, um acidente de veículo automotor). A distinção não está no direito processual, mas sim no direito material, que é dinâmico - exatamente porque, sendo relação que se prolonga no tempo, é passível de alteração, tanto é assim que o próprio Código aponta ser possível a modificação desde que sobrevenha "modificação no estado de fato ou de direito". Ou seja, a segunda demanda somente altera para o futuro, e não para o passado (ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (coords.). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 618-619).

A segunda demanda somente altera para o futuro e não para o passado, e justamente por isso não há direito à indenização, uma vez que a norma, de caráter geral e vinculante, foi revelada bem recentemente pelo Plenário do CNJ, e só com o presente Pedido de Providências houve o pedido/oportunidade de exame dessa circunstância fático-jurídico relevante nova e também de sua aplicabilidade ao caso concreto.

Portanto, não há, efetivamente, modificação da coisa julgada nessas hipóteses, mas apenas são situações nas quais o direito material é mais dinâmico e, por isso, o legislador acaba por afirmar que é possível a revisão se ocorrer algum fato que assim justifique. (DELLORE, Luiz. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de Oliveira (coords.). Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 637)

Nesse mesmo diapasão, cumpre ressaltar que, em precedente do Pleno do STF, MS 25.430, relator p/acórdão Ministro Edson Fachin, foi reafirmado o entendimento de que, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, a eficácia da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte (cláusula rebus sic stantibus):

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA. EXAME. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DIREITO AO PAGAMENTO DA UNIDADE DE REFERÊNCIA E PADRÃO - URP DE 26,05%, INCLUSIVE PARA O FUTURO, RECONHECIDO POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. PERDA DA EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO JUDICIAL, EM RAZÃO DA SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LHE DERAM SUPORTE. SUBMISSÃO À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À GARANTIA DA COISA JULGADA. PRECEDENTES.

1 . No julgamento do RE 596.663-RG, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão Min. Teori Zavascki, DJe 26.11.2014, o Tribunal reconheceu que o provimento jurisdicional, ao pronunciar juízos de certeza sobre a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito que se apresentam no momento da sua prolação.

2. Tratando-se de relação jurídica de trato continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte (cláusula rebus sic stantibus ).

3. Inexiste ofensa à coisa julgada na decisão do Tribunal de Contas da União que determina a glosa de parcela incorporada aos proventos por decisão judicial, se, após o provimento, há alteração dos pressupostos fáticos e jurídicos que lhe deram suporte. 4. Ordem denegada.(MS 25430, Relator(a): Min. EROS GRAU, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe095 DIVULG 11-05-2016 PUBLIC 12-05-2016)

 

 

Com efeito, no caso, por óbvio, e é importante salientar, não se trata, em absoluto, de desconstituição da coisa julgada material administrativa, tampouco da denominada relativização da coisa julgada, fundada em mero critério de injustiça elou desproporcionalidade, franqueando ao administrado um poder geral de revisão da coisa julgada, "que daria margem, certamente, a interpretações das mais diversas, em prejuízo da segurança jurídica"  (DIDIER, Fredie. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coords.). Comentários ao novo código de processo civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 775).

4. Como segundo fundamento autônomo, é bem de ver que a imposição de limbo funcional perpétuo, o que fica bem claro no presente caso em que é inviável o retorno ao status quo ante em vista que a Serventia outrora titularizada pelo recorrente veio a ser estatizada, tem também clara natureza de sanção, análoga à própria pena administrativa máxima da perda da delegação, sendo certo que a Lei Federal n. 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal, estabelece que os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Essa solução extrai-se também da teleologia do art. 5º , XL, da Constituição Federal, que consagra a retroatividade de norma benigna, que, por seu turno, o que, conforme precedentes do STJ, é plenamente aplicável em sede de Direito Administrativo sancionador.

No multicitado julgamento do RMS n. 37.031/SP, Relatora a Ministra Regina Helena Costa, a Primeira Turma do STJ perfilhou o entendimento de que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º , XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador.

O Precedente tem a seguinte ementa:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. I - (...)- As condutas atribuídas ao Recorrente, apuradas no PAD que culminou na imposição da pena de demissão, ocorreram entre 03.11.2000 e 29.04.2003, ainda sob a vigência da Lei Municipal n. 8.979/79. Por outro lado, a sanção foi aplicada em 04.03.2008 (fls. 40/41e), quando já vigente a Lei Municipal n. 13.530/03, a qual prevê causas atenuantes de pena, não observadas na punição.

- Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente.

- Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais.

- A pretensão relativa à percepção de vencimentos e vantagens funcionais em período anterior ao manejo deste mandado de segurança, deve ser postulada na via ordinária, consoante inteligência dos enunciados das Súmulas n. 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.

Precedentes. - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.

(RMS n. 37.031/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/2/2018, DJe de 20/2/2018.)

 

 

5. Por último, cumpre anotar que o encaminhamento proposto é o mesmo que já vem sendo procedido pela Administração Pública local, conforme manifestação do Corregedor-Geral nos autos, assim como diversos e-mails recebidos pela Corregedoria Nacional de Justiça solicitando atualização do sistema Justiça Aberta encaminhados pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, todos aludindo ao processo SEI n. 2023-06089701, instaurado para dar cumprimento ao acórdão do CNJ referente à aludida Consulta n. 0003413-16.2021.2.00.0000, em que foi aprovado, pelo Corregedor-Geral da Justiça do Rio de Janeiro,  o Parecer - CGJ/CGJGAB06 com o seguinte teor:

Cuida-se de procedimento instaurado visando dar cumprimento ao acórdão proferido pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça que, nos autos da consulta nº 0003413-  16.2021.2.00.0000, decidiu:

[...]

Relembrando os contornos fáticos e jurídicos da questão tratada, já na vigência  da Constituição Federal de 1988 o Poder Judiciário em diversos Estados – inclusive no Rio de Janeiro – autorizou permutas, remoções e promoções à titularidade em serviços extrajudiciais  sem prévia submissão dos favorecidos a concurso público de provas e títulos, como exigido  pelo artigo 236, § 3º ("art. 236. (...) § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de  concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.").

[...]

Desde então, a compreensão do Conselho Nacional de Justiça vinha sendo no  sentido de que, com a assunção de novos titulares concursados, os interinos de que trata a  Resolução CNJ nº 80/2009 seriam dispensados e não iriam ocupar qualquer outra função notarial ou registral, suportando o ônus da ilícita movimentação funcional.

Ocorre que precedentes recentes do Supremo Tribunal Federal reconheceram que a nulidade declarada pela Resolução CNJ nº 80/2009 atingiu apenas os atos concretizados a partir de 5 de outubro de 1988 sem concurso público, mas não a investidura originária em si  do agente atingido pela norma. E, dessa forma, determinou aos Tribunais de Justiça que promovessem o equacionamento administrativo ao denominado  limbo funcional  gerado (MS nº 29.414, 29.415, 29.423, 29.425 e 29.489).

Como resultado, o Conselho Nacional de Justiça, na consulta nº 0003413-16.2021.2.00.0000, referida no relatório, determinou aos tribunais estaduais que promovam o equacionamento do limbo funcional ofertando a titularidade de serventias extrajudiciais remanescentes de concursos públicos e de serventias de igual natureza cuja vacância se aperfeiçoou depois do início do último concurso "aos delegatários que tiveram as remoções anuladas por ato deste Conselho e foram impossibilitados de retornar às delegações de origem", respeitados os critérios nela fixados.

[...]

Com tais considerações, visando prosseguir no cumprimento do acórdão  proferido pelo Conselho Nacional de Justiça, sugiro retornem os autos:

i) ao SEPEX para identificar os responsáveis pelo expediente interinos atingidos  pela Resolução CNJ nº 80/2009 que antes da Constituição Federal de 1988 exerciam  titularidade em serventia extrajudicial, apontando-a e indicando se se encontra atualmente preenchida ou já oferecida no concurso público para delegatários em curso; e

ii) vindo a resposta, deverá se manifestar o SECEX indicando: ii.1) a receita  trimestral total – referência: último trimestre (julho a setembro/2022) – dos serviços extrajudiciais originalmente titularizados pelos agentes apontados pelo SEPEX; e ii.2) os serviços  extrajudiciais atualmente vagos e ainda não oferecidos em concurso público.

 

Cabe também consignar que, como admitido/afirmado pela própria requerida Corregedoria local, a titularidade do Requerente tem esteio no art. 284 da CF/1967, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 22/1982 (estabeleceu que fica assegurado os substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, a efetivação no cargo de titular, desde que investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983).

Note-se: 


AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. NOMEAÇÃO PARA TITULARIDADE ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. INAPLICABILIDADE DO ART. 208 DA CRFB/1967. AUSÊNCIA DO REQUISITO TEMPORAL. NOMEAÇÃO PRECÁRIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 47 DA LEI 8.935/1994. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A outorga de delegação registral ou notarial, para legitimar-se constitucionalmente, pressupõe a indispensável aprovação em concurso público de provas e títulos, por tratar-se de regra constitucional que decorre do texto fundado no impositivo art. 236, § 3º, da Constituição da República, que constitui-se em norma de eficácia plena.

2. Na vigência da Constituição da República de 1967, com a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 22/1982, assegurou-se aos substitutos das serventias extrajudiciais, nos termos do art. 208, a efetivação no cargo titular, caso contassem com cinco anos de exercício de substituição na mesma serventia até a data de 31.12.1983.

3. O art. 47 da Lei 8.935/1994 preconiza que “o notário e o oficial de registro, legalmente nomeados até 5 de outubro de 1988, detêm a delegação constitucional de que trata o art. 2º”. Consectariamente, a norma abarca, apenas, os titulares das serventias extrajudiciais legalmente nomeados até a entrada em vigor da Constituição da República de 1988.

4. In casu, a impetrante assumiu a Serventia de Serviço Registral de Títulos e Documentos e das Pessoas Jurídicas de Itaúna – MG no dia 13.08.1985, em caráter precário, por ocasião do falecimento do então titular, de sorte que tal situação não se enquadra na ressalva prevista no art. 208 da CRFB/1967, na redação dada pela EC nº 22/1982, nem na norma encartada no art. 47 da Lei 8.935/1994. 5. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO. (MS 30652 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14-10-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-236  DIVULG 04-11-2016  PUBLIC 07-11-2016)

 

Por fim, malgrado a menção, pela Corregedoria local, a um único precedente do CNJ, antes das respostas às Consultas e amadurecimento jurisprudencial da questão no âmbito do CNJ, atendendo até mesmo a uma conclamação do STF para que o CNJ procedesse ao equacionamento dos limbos funcionais, entendo que não há diferença ontológica entre titularidade de serventia do foro judicial privatizada, custeada por emolumentos dos utentes dos serviços, sem percepção de nenhuma remuneração pelo delegatário, com o tratamento a ser conferido a titular de serventia extrajudicial, ainda mais que o Tribunal local admite que houve a estatização das serventias, inviabilizando o retorno ao status quo ante e consequente equacionamento do limbo funcional.

De mais a mais, a própria Corregedoria requerida afirma que a questão é idêntica à verificada no âmbito do Distrito Federal, em que, como é cediço, a Serventia do Foro Judicial de distribuição veio a ser estatizada por determinação do Plenário do TCU, tendo o TJDFT oferecido ao outrora delegatário serventia extrajudicial,  solução que foi confirmada pelo Plenário do CNJ, em precedente assim ementado:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TJDFT. CARTÓRIO DE DISTRIBUIÇÃO DO DISTRITO FEDERAL. SERVIÇO OUTORGADO MEDIANTE CONCURSO PÚBICO. ESTATIZAÇÃO. DECISÃO DO CNJ PELA MANUTENÇÃO DO TITULAR ATÉ A VACÂNCIA (PP 415 e 721). POSTERIOR DECISÃO CONFLITANTE DO TCU. CONFLITO RESOLVIDO PELO TJDFT. DIREITO DE OPÇÃO POR NOVA SERVENTIA. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DA SERVENTIA OPTADA DE CONCURSO VIGENTE.

1. Pretensão de invalidação de decisão de Tribunal, que garantiu a delegatário de serventia extrajudicial, regularmente aprovado em concurso público, o direito de optar por nova serventia vaga, em razão da estatização dos serviços da atualmente ocupada.

2. A existência de procedimento de reclamação para garantia das decisões em trâmite no CNJ não prejudica a análise da legalidade da decisão impugnada neste procedimento.

3. A posterior determinação do TCU para estatização do serviço delegado não pode repercutir no direito adquirido e deve coexistir com a decisão deste Conselho em procedimentos anteriores.

4. No caso específico, não viola a regra do concurso público a oferta de nova serventia compatível com a atualmente ocupada àquele que foi aprovado em concurso público.

5. A decisão do TJDFT restabelece a ordem jurídico-constitucional com a retomada do serviço de distribuição e preserva o direito de o delegatário, regularmente aprovado em concurso público, ser titular de serventia extrajudicial.

6. Considerada a legalidade da decisão do TJDFT, é premente a necessidade de se retirar a oferta da serventia em certame vigente.

7. Pedido de controle administrativo julgado improcedente e pedido de providências julgado procedente.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002446-49.2013.2.00.0000  - Rel. SAULO CASALI BAHIA - 189ª Sessão Ordinária - julgado em 19/05/2014 ).

 

 

 

6. Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso, por tempestivo, e, no mérito, pelo não provimento.

  Considero prejudicado o pedido de concessão de medida suspensiva da decisão recorrida.

 Por fim, considerando a resposta provida pelo Plenário desta Casa à Consulta n. 0003413-16.2021.2.00.0000, VOTO, também, pela aplicação, de ofício, à situação do recorrente (incluso em limbo funcional), do tratamento prescrito na resposta à Consulta n. 0003413-16.2021.2.00.0000.

 

 Brasília, data registrada pelo sistema.

 

 

 

 


 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça


  F49/J18

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

(VOTO DIVERGENTE)

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Pedido de Providências (PP), no qual José Salvador Carlos Campanha requer a revisão de decisão[1] da Corregedoria Nacional de Justiça (CN) que declarou a vacância do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ, por irregularidade em procedimento de remoção promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), em agosto de 1994.

               De plano, registro que o presente voto divergente foi elaborado e apresentado na 86ª Sessão Virtual deste Conselho, pela ilustre ex-Conselheira Maria Tereza Uille Gomes.

Por me filiar ao entendimento de Sua Excelência e ante o destaque do julgamento para esta sessão presencial, ocasião em que os votos proferidos durante a sessão virtual são desconsiderados, adiro às razões de voto aqui lançadas, com algumas complementações.

Pois bem. Entendo que o caso comporta análise sob duas perspectivas:

i) a primeira (o mérito), se deve ser mantida a decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, que declarou a vacância do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ, por reputar ilegalidade na remoção realizada por José Salvador Carlos Campanha;

ii) a segunda (questão de ordem), e não menos importante, caso seja confirmada a declaração de vacância, se o requerente José Salvador Carlos Campanha deverá retornar para sua serventia de origem, pois a declaração de vacância atingirá, única e exclusivamente a remoção sob análise e não o provimento originário, obtido ainda antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

 

I – MÉRITO: VACÂNCIA DO 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ

Para a ilustre Conselheira Maria Thereza de Assis Moura, “a pretensão do autor em ver-se investido na titularidade do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos (CNS 088955) foi expressamente afastada em diversas decisões administrativas produzidas pelo CNJ, nos autos do PP 0000384-41.2010.2.00.000 (em 21/01/2010 e em 09/07/2010), do PCA 0006929-88.2014.2.00.0000 (em 27/04/2015), bem como nos autos do PP 0001428-85.2016.2.00.0000 (em 25/07/2016, 14/11/2016, 25/05/2018, 03/05/2018, 24/05/2018 e em 26/02/2019)”.

Entende que “sob perspectiva lógico-jurídica ou mesmo histórico-sociológica, não é possível proferir a nova decisão requerida nestes autos, sem prévia desconstituição daquela legítima decisão administrativa, produzida em 09/07/2010, mais antiga e mantida aplicada, desde então, pelo Conselho Nacional de Justiça, a milhares de outras situações jurídicas nas quais responsáveis: a) não tenham sido investidos por meio de concurso público de provas e títulos específico para a outorga de delegações de notas e de registro; e b) salvo exceções dispostas nas alíneas do parágrafo único do artigo 4º da Resolução CNJ n. 80/2009, estejam respondendo pelo serviço a qualquer outro título, que não o concurso público específico de provas e títulos para a delegação dos serviços notariais e de registro, a exemplo daqueles que, depois de 05/10/1988, foram irregularmente declarados estáveis ou dos que chegaram à qualidade de responsável pela unidade por permuta ou por qualquer outra forma não prevista na Constituição Federal vigente”.

Por isso, conclui que para “o período firmado entre 05/10/1988 (vigência da atual Constituição Federal) e 10/07/2002 (data de publicação da Lei n. 10.506/2002), vige entendimento pelo qual o autoaplicável §3º do artigo 236 da Constituição Federal exige concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade notarial e de registro, sem fazer qualquer distinção entre provimento ou remoção”.

Em que pese os judiciosos argumentos apresentados, peço vênia para divergir de seu voto.

Com efeito, a rápida análise dos autos nos leva a compreensão de que o Pedido Providências apresentado por José Salvador Carlos Campanha tem por escopo a revisão de questão decidida pelo Plenário do CNJ (PP 0001428-85.2016.2.00.0000) e superação de jurisprudência consolidada do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a investidura para o exercício dos serviços notariais e de registro, após o advento da Constituição de 1988 (art. 236), depende de prévia habilitação em concurso público.

Porém, reexaminando os documentos e os argumentos ventilados no recurso, sobretudo após o amplo debate promovido pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Ato 0008717-98.2018.2.00.0000, em que se discutiu a (des)necessidade de o CNJ disciplinar o período de vacatio legis ocorrido entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a edição da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994 (Lei dos cartórios), por força da Lei 13.489/2017, penso que descabe ao Conselho Nacional de Justiça desconstituir ato local a partir de interpretação de lei posterior ou Resolução do CNJ, em observância aos postulados da segurança jurídica, boa-fé e proteção da confiança.

Reside aqui o fato novo: a subsunção do caso concreto à publicação e vigência da nova Lei 13.489/2017.

Se assim não o fizer, estará o CNJ, a meu sentir, inobservando a mens legislatoris da Lei 13.489/2017, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, para o fim de resguardar situações constituídas em um período de vazio normativo federal a disciplinar a conformação dos concursos de remoção (05.10.1988 a 21.11.1994).

Consoante exposto no julgamento do Ato 8717-98,

i) em 6 de outubro de 2017, entrou em vigor a Lei 13.489, que resguarda as remoções que obedeceram aos critérios estabelecidos na legislação estadual ocorridas entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 (5.10.1988) e a edição da Lei dos cartórios (18.11.1994);

ii) os princípios da segurança jurídica (de status constitucional) e da proteção da confiança levam em conta a estabilização das relações jurídicas, a boa-fé e a prática de atos lícitos pelo Poder Público frente às expectativas geradas pela Administração – questões identificadas pelo Poder Legislativo por ocasião da edição da Lei 13.489/2017;

iii) a Lei 13.489/2017 intenta resguardar situações relativas a remoções no serviço notarial e registral que ocorreram até a data da publicação da Lei 8.935/1994 (18.11.1994), segundo a legislação então vigente, ou seja, dirige-se àqueles que, há mais de vinte anos, obedeceram à legislação então tida como consentânea com a Constituição, portanto, normas válidas à época e únicas a regulamentar as remoções;

iv) até a edição da Lei dos cartórios (Lei 8.935, de 18.11.1994) não existia nenhuma norma federal a disciplinar a forma e/ou a estabelecer requisitos específicos para a remoção na atividade cartorária, ressalvando-se, inclusive, que a própria Lei 8.935/1994 atribuiu aos Estados a competência para normatizar as remoções, conforme se extrai da leitura do artigo 18:

Art. 18. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.

v) cabe ao CNJ, órgão de natureza exclusivamente administrativa, aplicar a Lei Federal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, contra a qual se desconhece decisão em ADC ou ADI;

vi) a Resolução CNJ 81, de 09.06.2009, que dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e minuta de edital, entrou em vigor 21 anos após a vigência do artigo 236 da Constituição Federal, com efeitos ex nunc, e com dispositivo expresso no sentido de aquelas regras não se aplicavam aos concursos cujos editais de abertura já haviam sido publicados por ocasião de sua aprovação (artigo 17). Portanto não regulou as situações pretéritas;

Art. 17. Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação em sessão pública de julgamento pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça, e, ressalvado o disposto no artigo anterior, não se aplica aos concursos cujos editais de abertura já estavam publicados por ocasião de sua aprovação.

vii) os critérios para o concurso de remoção, até o advento da Resolução CNJ 81/2009 (9.6.2019), foram definidos pelos Estados, por meio do Código de Organização e Divisão Judiciária, no exercício de sua competência constitucional – artigo 125, § 1º, da CF, que atribui aos tribunais a competência para organizar sua Justiça, por meio da lei de organização judiciária;

viii) no período de vigência da regra do artigo 236 da Constituição Federal, até a edição da Lei 8.935, de 18.11.1994, os concursos foram realizados sem que houvesse normas gerais editadas pela União;

ix) a própria norma geral editada pela União (Lei 8.935/1994), ora exigiu, na remoção, concurso de provas e títulos (1994), ora apenas o concurso de títulos (Lei 10.506, de 9.7.2002);

x) a proporcionalidade no preenchimento das vagas – 2/3 por provimento e 1/3 por remoção –  somente foi regulamentada a partir de 1994, por força da Lei 8.935 (Lei dos cartórios);

xi) a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados (art. 24, § 2º, da CF);

xii) inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercem a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades, nos termos do § 3º do artigo 24 da CF;

xiii) as regras insertas nas leis de organização judiciária eram as únicas existentes e vigentes no ordenamento jurídico à época dos concursos de remoção e, portanto, não podiam ser afastadas, em vistas de sua presunção de legalidade e constitucionalidade;

xiv) os requisitos legais adotados pelos Códigos de Organização e Divisão Judiciária no período de vacatio legis (05.10.1988 a 21.11.1994) eram os que, à época, serviam de base para os concursos de remoção, ante a inexistência da norma geral federal, editada somente em 1994 (Lei 8.935/1994);

xv) à época de realização dos concursos de remoção, sequer existia o CNJ (instalado em 2005), tampouco as regras editadas pelo Órgão no ano de 2009 para disciplinar os concursos de notários e registradores (Resolução CNJ 81, de 9.6.2009). 

As informações trazidas aos autos por José Salvador Carlos Campanha dão conta de que o requerente foi efetivado no cargo de Titular de 1ª Categoria de Entrância Especial do Cartório do 4º Contador Judicial/RJ, em 15.9.1988, com base no art. 208 da Constituição Federal de 1967

Após, removido para o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ, em decorrência de seleção pública promovida pelo TJRJ, a partir dos critérios definidos em Edital e ausência de anotações na ficha funcional (regularidade disciplinar). Portanto, não se está aqui a examinar o provimento originário.

Os quadros a seguir sintetizam a trajetória do cartorário até a sua efetivação na serventia do 2º Ofício da Comarca da Capital/RJ e os atos baixados pelo TJRJ, para fins de provimento do cartório:

 

Data

Registro

1964

Auxiliar do cartório do 4ª Contador Judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

1967

Aprovado em concurso público para o cargo de escrevente juramentado (Id 3235633)

15.9.1988

Efetivado no cargo de Titular de 1ª Categoria de Entrância Especial do Cartório do 4º Contador Judicial com base no art. 208, da Constituição Federal de 1967 (EC nº 22/1982) (Id 3235635)

12.8.1994

Publicação de Edital de remoção para o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital (Id 3235642)

25.8.1994

Publicação da relação dos candidatos que se inscreveram para participar;

05.9.1994

Seleção do candidato a partir dos critérios definidos em Edital e ausência de anotações na ficha funcional (regularidade disciplinar).

06.9.1994

Entrada em exercício: 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ.

21.11.1994

Publicação da Lei 8.935/1994.

Processo Administrativo: Informa vacância 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ (Id 3235639, fl. 1).

 

 

 

 

Edital de Remoção para o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ (Id 3235642, fl. 1).

 

 

 

Certidão: determinação para expedição e publicação de edital de remoção (Id 3235639, fl. 11).

 

 

 

Lista de inscritos/candidatos participantes do certame (Id 3235639, fl. 6).

 

 

 

Submissão dos candidatos à Administração (Id 3235642, fl. 16).

 

Despacho de remoção: Corregedor Geral da Justiça (Id 3235642, fl. 19).

 

 

 

Portaria de designação de José Salvador Carlos Campanha para exercício no 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ (Id 3235642, fl. 20).

 

 

 

 

Como se pode observar, a remoção de José Salvador Carlos Campanha para o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ foi precedida de divulgação de edital, publicação de lista de candidatos participantes, concorrência e seleção do cartorário, segundo critérios estabelecidos na legislação estadual.

Ainda que se argumente que a remoção não obedeceu à exigência de realização de concurso público de provas e títulos, certo é que a conformação dos certames para a outorga das delegações de notas e de registro sofreu oscilações ao longo do tempo, por força de alterações legislativas promovidas em 1994, 2002 e 2009.

Essa foi a razão pela qual, inclusive, que o próprio Conselho Nacional de Justiça, à altura da edição da Resolução CNJ 80/2009, que declarou a vacância dos serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais pertinentes à matéria, resguardou as remoções de notários e de registradores aprovados em concurso de títulos desde a vigência da Lei 10.506/2002.

Como não admitir uma remoção realizada conforme legislação estadual vigente em um tempo em que a Lei 8.935/94, a Resolução 80/2009 e a Resolução 81/2009 sequer existiam?  

Resolução CNJ 80/2009

Art. 1° É declarada a vacância dos serviços notariais e de registro cujos atuais responsáveis não tenham sido investidos por meio de concurso público de provas e títulos específico para a outorga de delegações de notas e de registro, na forma da Constituição Federal de 1988;

§ 1º Cumprirá aos respectivos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios elaborar lista das delegações vagas, inclusive aquelas decorrentes de desacumulações, encaminhando-a à Corregedoria Nacional de Justiça, acompanhada dos respectivos títulos de investidura dos atuais responsáveis por essas unidades tidas como vagas, com a respectiva data de criação da unidade, no prazo de quarenta e cinco dias.

§ 2º No mesmo prazo os tribunais elaborarão uma lista das delegações que estejam providas segundo o regime constitucional vigente, encaminhando-a, acompanhada dos títulos de investidura daqueles que estão atualmente respondendo por essas unidades como delegados titulares e as respectivas datas de suas criações.

Art. 4º Estão incluídas nas disposições de vacância do caput do artigo 1º desta resolução todas as demais unidades cujos responsáveis estejam respondendo pelo serviço a qualquer outro título, que não o concurso público específico de provas e títulos para a delegação dos serviços notariais e de registro, a exemplo daqueles que irregularmente foram declarados estáveis depois da Constituição Federal de 1988 e dos que chegaram à qualidade de responsável pela unidade por permuta ou por qualquer outra forma não prevista na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.

Parágrafo único. Excluem-se das disposições de vacância do caput do artigo 1º desta resolução as unidades dos serviços de notas e registro, cujos notários e oficiais de registro:

a) tenham sido legalmente nomeados, segundo o regime vigente até antes da Constituição de 1988, assim como está prescrito no artigo 47 da Lei Federal 8.935, de 18 de novembro de 1994, cuja norma deferiu a esses titulares, regularmente investidos sob as regras do regime anterior, a delegação constitucional prevista no art. 2º dessa mesma lei;

b) eram substitutos e foram efetivados, como titulares, com base artigo 208 da Constituição Federal de 1967 (na redação da EC 22/1982). Nesses casos, tanto o período de cinco anos de substituição, devidamente comprovado, como a vacância da antiga unidade, deverão ter ocorrido até a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988;

c) foram aprovados em concurso de títulos para remoção concluídos, com a publicação da relação dos aprovados, desde a vigência da Lei n. 10.506, de 09 de julho de 2002, que deu nova redação ao artigo 16 da Lei n. 8.935/1994, até a publicação desta Resolução em sessão plenária pública, ressalvando-se eventual modulação temporal em sentido diverso quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 14 pelo C. Supremo Tribunal Federal;

Nesse contexto, não nos parece razoável, lógico e legal admitir, de um lado, as remoções apenas com base em títulos ocorridas entre 2002 (Lei 10.506/2002) e 2009 (Resolução CNJ 81/2009), em homenagem a inúmeros princípios constitucionais (legalidade, segurança jurídica, proteção da confiança, etc.), e, de outro, desaceitar, in casu, a remoção realizada segundo critérios definidos pelo Estado do RJ, no exercício de sua competência constitucional (artigo 125, § 1º, da CF) e anteriormente à edição da Lei Federal 8.935/1994. 

A propósito, os requisitos constantes dos Códigos de Organização e Divisão Judiciária no período de vacatio legis (05.10.1988 a 21.11.1994) eram os únicos que serviam de base para os concursos de remoção, ante a sua vigência e a inexistência da norma geral federal, editada apenas em 18.11.1994 (Lei 8.935/1994). A única questão inadmissível, por certo, acaso prevista em lei local, seria a dispensa do concurso por imposição do novo texto constitucional, o que não é a hipótese dos autos.

Neste particular, é digno de nota decisão de improcedência prolatada pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro na Ação Popular 0003833-97.1995.8.19.0001/RJ, em 5.7.2011, na qual se pretendia a invalidação dos atos administrativos que ensejaram o provimento dos cargos dos serviços notariais e registrais (dentre os réus, Jose Salvador Carlos Campanha), por força de remoções de contadores, inventariantes, avaliadores, escrivães (Id 3635644, p. 11).

A regulamentação da norma constitucional do art. 236, que trata de tais serventias, veio com a edição da Lei 8.935/94, que previa a natureza e os fins dos serviços em análise e dos seus titulares e prepostos, sendo certo que o §3º, do art. 236 previa o concurso público como forma de ingresso na atividade.

Outrossim, certo é que o ingresso na atividade notarial e de registro passou a ocorrer através de concurso público de provas e títulos, realizados pelo Poder Judiciário, com a participação da OAB, do Ministério Público, de um notário e de um registrador, sendo certo que a obtenção da delegação dependerá também do preenchimento dos requisitos, além da aprovação em concurso público.

A competência para expedir o ato de delegação é do Presidente do Tribunal de Justiça, tendo em vista o teor do art. 9º, da Lei 2.891/98, valendo ressaltar, por oportuno, que o critério de preenchimento define-se pela data da vacância da titularidade ou quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço, admitindo-se à remoção titulares que exercessem a atividade há mais de dois anos.

Na hipótese dos autos, apurando-se a legalidade dos atos administrativos impugnados, certo é que o período em que ocorreram as transferências dos réus beneficiados foi antes do advento da Lei n.º 8935/94, que regulamentou o art. 236, da CRFB.

Era nesse período que os réus integravam a última classe dos titulares de cartórios, que, à época, estavam sujeitos ao prévio “concurso de remoção”, no caso de vacância, por força dos arts. 38 e 72, da Lei n.º 2085-A/72 e do art. 44, do CODJERJ, que dava plenos poderes ao Corregedor para remover servidores de uma serventia para outra.

[...]

Certo é, portanto, que os atos administrativos impugnados foram praticados legalmente, sem lesão ao patrimônio público, vez que praticados, destaque-se, antes do advento da Lei nº 8.935/94 e antes do art. 236, da CRFB.

Trata-se de defender princípio básico do ordenamento jurídico, que é a irretroatividade das leis, consubstanciado em cláusula pétrea posta no art. 5º, XXXVI, da Lei Maior, que protege como direito individual fundamental, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Ademais, como bem destacado pelo sentenciante, a Reclamação nº 3337, intentada pelo autor junto ao STF, reconheceu a validade do ato de remoção feito com base na Lei Estadual nº 2.085-A/72, que foi recepcionada pelo art. 236, da CRFB. (Grifo nosso)

A Lei 13.489, editada em 6 de outubro de 2017, resguarda as remoções realizadas de acordo com o regramento vigente nas legislações estaduais até a edição da Lei 8.935/1994: 

Art. 1º Esta Lei resguarda as remoções que obedeceram aos critérios estabelecidos na legislação estadual e na do Distrito Federal até 18 de novembro de 1994.

Art. 2º O art. 18 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 18. .........................................................................

Parágrafo único. Aos que ingressaram por concurso, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, ficam preservadas todas as remoções reguladas por lei estadual ou do Distrito Federal, homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça, que ocorreram no período anterior à publicação desta Lei.” (NR) 

Assim, considerando a clara expressão da vontade do Congresso Nacional de trazer segurança jurídica às situações como as dos presentes autos (Lei 13.489/2017); os princípios constitucionais que informam a atuação do Poder Público; a plena vigência da Lei 13.489/2017, contra a qual se desconhece decisão em ADC ou ADI; e o fato de que a remoção de José Salvador Carlos Campanha para o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ foi precedida de divulgação pública de edital, publicação de lista de candidatos participantes, concorrência e seleção do cartorário, segundo critérios estabelecidos na legislação estadual, tenho que o provimento ao recurso é medida que se impõe.

Entender de modo diverso, com a devida vênia, é ir de encontro à independência dos Poderes; negar, administrativamente, vigência à Lei Federal, editada pelo Poder Legislativo no exercício de sua função; antecipar juízo de valor de Lei que nem mesmo o STF ainda o fez; declarar, por vias transversas e antecipadamente ao próprio Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de Lei Federal; e promover controle preventivo de constitucionalidade, em usurpação da competência do STF.

E mais, é também negar vigência à Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[2], que estabelece em seu art. 24 o dever de respeito às orientações gerais da época em que produzido determinado ato administrativo, “sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”. Confira-se:

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.       

Referido dispositivo foi posteriormente regulamentado pelo Decreto n. 9.830/2019, que disciplinou a questão relacionada à revisão de ato administrativo quanto à validade por mudança de orientação geral. Veja-se:

Art. 5º A decisão que determinar a revisão quanto à validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos cuja produção de efeitos esteja em curso ou que tenha sido concluída levará em consideração as orientações gerais da época.

§ 1º É vedado declarar inválida situação plenamente constituída devido à mudança posterior de orientação geral.

§ 2º O disposto no § 1º não exclui a possibilidade de suspensão de efeitos futuros de relação em curso.

§ 3º Para fins do disposto neste artigo, consideram-se orientações gerais as interpretações e as especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária e as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

§ 4º A decisão a que se refere o caput será motivada na forma do disposto nos art. 2º, art. 3º ou art. 4º.

Em relação a afirmação constante do voto da Nobre Corregedora, de que o caso específico do requerente foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n. 29.012/DF, verifico que houve pedido de desistência, posteriormente homologado pelo Ministro relator, a afastar a coisa julgada.

A análise do presente caso comporta a seguinte reflexão feita pelo professor italiano Alexandre Groppali, em sua obra Filosofia do Direito:

De que natureza é o critério fundamental em que nos inspiramos para distinguir o justo do injusto? Estes princípios morais são inatos ao homem, ou brilham nele só com luz reflexa? São axiomas que se impõe em si, ou há necessidade do raciocínio, para que se tenha de ficar convencido da sua verdade? E admitidos tais princípios fundamentais, deve-se, perante casos particulares da vida, construir sobre a base deles um sistema de normas de conduta, ou deve abandonar-se o homem à mercê dos ditames qua sua consciência, de vez em quando, lhe sugere?

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para declarar provido o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ, nos termos da fundamentação antecedente. 

Na hipótese de restar vencido, entendo que este Conselho não pode deixar de se debruçar sobre os desdobramentos da decisão em questão, ou seja, o retorno do requerente para a serventia de origem, pois a declaração de vacância atingirá, única e exclusivamente, a remoção, e não o originário, obtido ainda antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

 

II – QUESTÃO DE ORDEM: RETORNO DO CARTORÁRIO À SERVENTIA DE ORIGEM

Tal como registrado ao longo deste voto, José Salvador Carlos Campanha foi aprovado em concurso público para o cargo de escrevente juramentado (Id 3235633) no ano de 1967 e, efetivado no cargo de Titular de 1ª Categoria de Entrância Especial do Cartório do 4º Contador Judicial em 15.9.1988, com base no art. 208, da Constituição Federal de 1967 (EC nº 22/1982) (Id 3235635).

À toda evidência que por ocasião da Edição da Resolução CNJ 80/2009, este Conselho declarou a vacância de unidades de serviços extrajudiciais, em face da inobservância de normas constitucionais. Em momento algum foi determinada a anulação de atos relativos aos provimentos iniciais dos cartorários envolvidos nas remoções entre serventias extrajudiciais. Esta questão não está sob análise.

Esse é, a meu ver, ponto chave que o CNJ não pode se distanciar. Eventual decisão que declare a perda do vínculo com o serviço público deve ser expressa. O PP 0000384-41.2010.2.00.0000 não abarcou em nenhum momento essa questão.

Por consequência, a declaração de nulidade da remoção realizada pelo cartorário José Salvador Carlos Campanha não tem o condão de anular também o ato de provimento originário no serviço notarial e de registro.

O Supremo Tribunal Federal ao confirmar a anulação das remoções por permuta, a título ilustrativo, definiu que os agentes delegados deveriam retornar ao status quo ante (MS 29698 AgR, Relator: Min. Teori Zavascki). Essa determinação não deixa dúvidas quanto à necessidade de se resguardar o direito dos cartorários de regressarem às serventias de origem, haja vista a manutenção do vínculo inicial.

Tal como consignado no voto divergente apresentado pelo Conselheiro Márcio Freitas, no julgamento do PCA 0006047-19.2020.2.00.0000, realizado na 99ª Sessão Virtual, “[d]eve ser assentado que os delegatários cujas remoções por permuta foram anuladas não perderam a condição de aprovados em concurso público ou tiveram o provimento inicial questionado e, por isso, têm o direito subjetivo à titularidade de uma serventia extrajudicial”.

Dessa forma, caso reconhecida pelo Plenário deste Conselho a vacância do 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ, mostra-se plenamente aplicável a solução determinada pelo Supremo Tribunal Federal no MS 29.698 AgR, Relator: Min. Teori Zavascki.

No aludido mandamus, o Supremo Tribunal Federal determinou ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que procedesse ao retorno do status quo ante:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO, SEM CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO PLENÁRIO. 1. É firme a jurisprudência do STF (v.g.: MS 28.371, Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe de 27.02.2013) e MS 28.279, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 29.04.2011), no sentido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Assim, a partir de 05.10.1988, o concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o disposto no art. 16 da referida Lei, com a redação que lhe deu a Lei 10.506/2002. 2. É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a atividade notarial e de registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por servidores públicos, cujos cargos não se confundem (ADI 4140, Min. ELLEN GRACIE, Plenário, DJe de 20.09.2011; ADI 2.891-MC, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Plenário, DJ de 27.06.2003; ADI 2602, Min. JOAQUIM BARBOSA, Plenário, DJ de 31.03.2006; e ADI 865-MC, Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 08.04.1994). 3. O Plenário do STF, em reiterados julgamentos, assentou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu art. 236. Nesse sentido: MS 28.279 DF, Min. ELLEN GRACIE, DJe 29.04.2011 (“Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal”); MS 28.371-AgRg, Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ 27.02.13 (“a regra de decadência é inaplicável ao controle administrativo feito pelo Conselho Nacional de Justiça nos casos em que a delegação notarial ocorreu após a promulgação da Constituição de 1988, sem anterior aprovação em concurso público de provas”; e MS 28.273, Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 21.02.2013 (“o exame da investidura na titularidade de cartório sem concurso público não está sujeito ao prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999”). 4. É legítima, portanto, a decisão da autoridade impetrada que considerou ilegítimo o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público de provas e títulos, decorrente de remoção, com ofensa ao art. 236, § 3º, da Constituição. Em consequência, deve se retornar ao status quo ante. A jurisprudência do Plenário desta Corte foi reafirmada recentemente no julgamento do MS 28.440 AgR, de minha relatoria, na Sessão do dia 19.06.2013. 5. Agravo regimental desprovido.

(MS 29698 AgR, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161  DIVULG 20-08-2014  PUBLIC 21-08-2014)

Nos dizeres do ilustre Conselheiro Márcio Freitas – que reproduziu o voto então apresentado pela Conselheira Candice Lavocat Galvão – “[a] solução apresentada pelo Tribunal paranaense pode ser replicada pelo TJES e se afigura compatível com a ordem jurídico-constitucional ao cumprir a decisão que anulou a remoção por permuta e preservar o direito daquele que ingressou na atividade notarial ou registral de forma regular”.

Assim, na hipótese de ser reconhecida a vacância da serventia extrajudicial por irregularidade no concurso, deve-se permitir o retorno do cartorário à serventia que ocupava originariamente. Na eventualidade de não ser possível, deve o Tribunal proceder a oferta de delegação remanescente de concurso público ao notário/registrador como forma de equacionar a situação jurídica, haja vista que a declaração de vacância não atinge o provimento inicial existente.

 

III – CONCLUSÃO

Em suma, pelo que tudo dos autos constam e, nos termos da fundamentação antecedente, voto:

Mérito:

i) dou provimento ao recurso, para declarar provido o 2º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da Capital/RJ;

Questão de ordem:

ii)  improvido o recurso, proponho ao Plenário a expedição de determinação ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para que proceda à equalização da situação jurídica de José Salvador Carlos Campanha, tendo em vista a existência de provimento originário anterior à Constituição Federal.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.

 

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 



[1] PP 000384-41.2010.2.00.0000, proferida em: 24.1.2010.

[2] DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.