Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0000274-95.2017.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS-GO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


Ementa

 

CONSULTA. COMPETÊNCIA PARA GERENCIAR OS SISTEMAS PREVISTOS NA RESOLUÇÃO CNJ N. 214/2015. INTERESSE E REPERCUSSÃO GERAIS QUANTO À DÚVIDA SUSCITADA. CONHECIMENTO DA CONSULTA. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS.


1. Questionamento formulado por Tribunal de Justiça a fim de sanar dúvida relativa a qual órgão compete a função de gerenciar sistemas previstos na Resolução CNJ n. 214/2015.

2. É entendimento pacífico do CNJ o não conhecimento de Consultas que revelem o objetivo de sanar dúvidas jurídicas ou de antecipar a solução de caso concreto.

3. Excepcionalmente, admite-se o conhecimento de Consulta que, a despeito de se basear em caso concreto, apresente repercussão geral para o Poder Judiciário.

 4. Autonomia do Tribunal de Justiça para que, no desempenho de sua gestão administrativa, defina a competência de seus órgãos administrativos e jurisdicionais. Recomendável, porém, que sejam atribuídas aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização, em razão de sua pertinência temática, as funções de suporte, cadastro e gestão dos sistemas previstos na Resolução CNJ n. 214/2015.

 5. Consulta conhecida e respondida.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 4 de outubro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Iracema Vale, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votaram, em razão da vacância dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0000274-95.2017.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS-GO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


Relatório

 

Trata-se de Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - TJGO acerca da interpretação a ser dada à Resolução CNJ n. 214/2015 a respeito dos diversos sistemas nela citados - Sistema de Audiência de Custódia – SISTAC, Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei – CNACL, Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais – CNIEP e Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades de Internação e Semiliberdade – CNIUIS.

Questiona o TJGO se o suporte, cadastro e gestão dos referidos sistemas devem ser repassados para o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), vinculado à Presidência do TJGO, ou administrados pela Divisão de Gerenciamento dos Sistemas do CNJ daquele Tribunal (Id 2092679).

Em razão da matéria, encaminhei os autos ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas - DMF, para análise e emissão de parecer (Id 2107194). 

Em manifestação (Id 2301276), o aludido Departamento opina, inicialmente, pelo não conhecimento da presente Consulta, tendo em vista o não atendimento ao que dispõe o art. 89 do Regimento Interno deste Conselho.

Ainda, pontua que, sendo superada essa preliminar, deve ser indeferido o pedido diante da autonomia orgânica-administrativa dos tribunais nas escolhas e divisões das atribuições aos órgãos internos, dado que assim estaria infringindo o art. 96 da Constituição Federal.

 É o relatório. VOTO.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0000274-95.2017.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS-GO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


Voto

 

Na presente Consulta, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Goiás requer manifestação do Conselho Nacional de Justiça a fim de que este indique a qual órgão, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Goiás, compete o suporte, cadastro e gestão dos sistemas relacionados pela Resolução CNJ n. 214/2015, quais sejam, o Sistema de Audiência de Custódia – SISTAC, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei – CNACL, o Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais – CNIEP e o Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades de Internação e Semiliberdade – CNIUIS.

Consoante o relatado, em razão da matéria versada, o presente procedimento foi remetido ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF para manifestação acerca da questão ora abordada.

A jurisprudência consolidada deste Conselho orienta que o procedimento de Consulta não se presta à resolução de situações concretas, de interesse restrito das partes, uma vez que admitir tal providência seria transformar eventual resposta em salvaguarda contra questionamentos jurídicos decorrentes da prática de ato ou da ocorrência de fato concreto, o que é descabido.

No entanto, mostra-se razoável o conhecimento, de forma excepcional, de Consulta cuja resposta, em razão da matéria abordada, tenha o condão de impactar o Poder Judiciário, por apresentar tema de interesse à organização judiciária como um todo, ainda que derivada de questionamento de caso concreto.

Dessa forma, no caso em exame, verifica-se a pertinência do conhecimento deste procedimento, considerando a normatização dada pelo Conselho Nacional de Justiça pela Resolução n. 214/2015, bem como a relevância do tema não só para o Tribunal requerido, como também para todas as Cortes de Justiça do País.

Vale destacar que entendimento similar foi adotado em procedimento apreciado no Plenário deste Conselho, a fim de conhecer de Consulta que, apesar de veicular caso concreto, ostentava repercussão geral, a saber:

CONSULTA – NEPOTISMO – READMISSÃO DE EX-SERVIDORA CUJA SITUAÇÃO ANTERIOR CARACTERIZAVA NEPOTISMO CRUZADO – IMPOSSIBILIDADE

I. Consultas sobre análise de caso concreto somente são conhecidas quando de sua resposta houver repercussão geral e de suas conclusões puder ser extraída eficácia a todo o Poder Judiciário (PPs nºs 1418, 7809, 11825, 25117; PCA nº 8188).

II. É inviável a readmissão de ex-servidora cuja situação anterior no serviço público já tenha caracterizado incompatibilidade a título de nepotismo. O nepotismo é uma vedação de ordem objetiva, bastando a averiguação de parentesco e a prova (ou forte indício) do ajuste prévio, não importando qualquer qualidade intelectual do indivíduo incompatibilizado pelas normas. Sua caracterização faz presumir favorecimento decorrente de laços de sangue, verdadeiro jus sanguinis nefasto ao moderno serviço público, regido pelos princípios da moralidade e da impessoalidade. Exegese teleológica das normas contidas no art. 37 da CF-88, na Res. 7 do CNJ e na Súm. Vinc. 13 do STF, com as conclusões do STF ao julgar a MC na ADI 1521.

III. Havendo notícia sobre parente de magistrado que ocupa cargo em comissão no parquet, deve-se, através do Conselho Nacional do Ministério Público, averiguar eventual frustração da Res. 1 do CNMP e da Súmula Vinculante 13 do STF.

IV. Consulta conhecida para responder que não é possível readmitir no Poder Judiciário servidora exonerada por forte indício de nepotismo cruzado, ainda que a situação de ajuste prévio não mais subsista.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003296-79.2008.2.00.0000 - Rel. JORGE ANTONIO MAURIQUE - 80ª Sessão - j. 17/03/2009 – g.n.). 

 

Nesse contexto, conheço da Consulta e passo à análise de mérito.

O Conselho Nacional de Justiça instituiu, mediante a Portaria Conjunta n. 1, de 6 de novembro de 2018, o Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais (CGCN), com a finalidade de gerir os cadastros coordenados pelo CNJ - incluindo os mencionados no presente procedimento -, bem como para mantê-los atualizados e aperfeiçoá-los de forma constante. Já a criação dos cadastros ora discutidos foi determinada pela Resolução CNJ n. 214/2015.

O parecer técnico elaborado pelo DMF quanto ao mérito deste procedimento (Id 2301276), foi elaborado nos seguintes termos, os quais adoto como razão de decidir:


Do Mérito. Distribuição Interna das atribuições específicas. 

 

A Resolução nº 214/2015, do CNJ, em que pese dispor sobre a organização, o funcionamento e as competências dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMF) nos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal dos Territórios e nos Tribunais Regionais Federais, não imputou explicitamente a estes o suporte, cadastro e gestão do SISTAC, CNACL, CNIEP e CNIUS.

Todavia, por uma interpretação dos dispositivos normativos da mencionada resolução, pode-se inferir que o mais aconselhável seria que o suporte, cadastro e gestão desses sistemas ficassem a cargo do GMF.

Isso porque, dentre as competências dos GMF’s (art. 6º), estão as de: i) fiscalizar e monitorar a entrada e saída de presos do sistema carcerário e de adolescentes das unidades do sistema socioeducativo; ii) produzir relatórios mensais sobre a quantidade de prisões provisórias e de internações provisórias; iii) fiscalizar as condições de cumprimento de pena, de prisão provisória e de cumprimento de medidas de internação por adolescentes; iv) incentivar e monitorar a realização de inspeções periódicas das unidades prisionais e de internação; v) fiscalizar e monitorar a regularidade e funcionamento das audiências de custódia.

E todas essas atribuições estão diretamente ligadas com SISTAC, CNACL, CNIEP e CNIUS. Tanto o é assim que a Resolução nº 214/2015 determina ao GMF alimentar o banco de dados de inspeções nacional e local e manter atualizado o preenchimento do sistema correspondente à audiência de custódia: 

 

Art. 6º Em conformidade com as diretrizes do DMF, compete aos GMF:  

XI – incentivar e monitorar a realização de inspeções periódicas das unidades prisionais e de internação, sistematizando os relatórios mensais e assegurando sua padronização, garantida a alimentação de banco de dados de inspeções nacional e local, caso este exista, para acompanhar, discutir e propor soluções em face das irregularidades encontradas; 

XII – fiscalizar e monitorar a regularidade e funcionamento das audiências de custódia, mantendo atualizado o preenchimento do sistema correspondente; (Grifos nossos). 

 

Outrossim, cabe ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização fiscalizar e acompanhar o preenchimento do Sistema de Audiência de Custódia, do Cadastro Nacional de Adolescente em Conflito com a Lei, do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais e do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades de Internação e Semiliberdade (§§ 1º a 4º do art. 6º).

Ressalta-se, contudo, que a Resolução nº 214/2015 não poderia atribuir ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização o suporte, cadastro e gestão do SISTAC, CNACL, CNIEP e CNIUS, porquanto estaria ferindo a autonomia orgânica-administrativa dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, que está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, verbis: 

 

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva; 

 

 A CF/88 atribui competência privativa aos tribunais para eleger os seus Presidentes e demais titulares de sua direção, como também expressa a atribuição de editar as normas de sua organização interna; elaboração de Regimentos Internos; organização dos serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei; proposição de criação de novas varas; provimento dos quadros da Magistratura; concessão de férias, licenças e aposentadorias, acometidas igualmente a cada tribunal, seja para os seus próprios membros, seja para os juízes e servidores que lhes forem subordinados.

 Diante disso, o Tribunal de Justiça do Estado do Goiás, pela proximidade e por conhecer sua realidade, é quem tem melhores condições de eleger o órgão que irá ficar responsável pelo suporte, cadastro e gestão do SISTAC, CNACL, CNIEP e CNIUS. Cuida-se de matéria interna corporis.

 Vale mencionar, todavia, que a atribuição de tal encargo à Divisão de Gerenciamento de Sistemas do CNJ, vinculada à Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás, não pode impedir ou dificultar o trabalho do Grupo de Monitoramento e Fiscalização, sob pena de violar um dos objetivos da Resolução nº 214/2015, que foi o de “dinamizar a atuação e o funcionamento dos GMF, para que possam cumprir e desempenhar as atribuições assinaladas na Resolução CNJ 96/2009 e outras que a eles se cometerem por esta Resolução”.

 

Conforme mencionado acima, a Resolução CNJ n. 214/2015 é omissa quanto a atribuição acerca do suporte, cadastro e gestão dos sistemas SISTAC, CNACL, CNIEP e CNIUS, de modo que a interpretação dos dispositivos do referido ato normativo indica a pertinência da realização de tais tarefas pelo Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMF) de cada Tribunal.

No entanto, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça ingressar em aspecto atinente à gestão interna dos Tribunais, determinando a unidade competente para a realização do controle dos sistemas, uma vez que eventual determinação dessa natureza configuraria questionável ingerência deste Colegiado na organização interna corporis do Tribunal, como bem pontuado no aludido parecer.

Nesse sentido, deve-se prestigiar e resguardar a autonomia administrativa dos Tribunais, conferida pela Carta Magna, a qual lhes concedeu a prerrogativa de dispor acerca da organização e funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos (art. 96, inciso I, alínea “a”, da CF/88).

Assim, não há espaço para a intervenção do CNJ no caso em apreço, visto que deve ser respeitada a autonomia dos Tribunais para a organização de suas unidades, de acordo com sua realidade técnica e estrutural.

Por essas razões, CONHEÇO da Consulta formulada, para respondê-la no sentido de que não cabe ao Conselho Nacional de Justiça firmar competências ou atribuições de unidade integrante da estrutura de Tribunal, considerando a autonomia administrativa atribuída constitucionalmente às Cortes de Justiça.

   De toda sorte, recomendável que sejam atribuídas aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização, em razão de sua pertinência temática, as funções de suporte, cadastro e gestão do Sistema de Audiência de Custódia – SISTAC, do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei – CNACL, do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais – CNIEP e do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades de Internação e Semiliberdade – CNIUIS, ou, alternativamente, às Corregedorias, respeitada a autonomia dos tribunais.

 

É como voto.

Intimem-se as partes.

Encaminhe-se cópia desta decisão ao Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais (CGCN) e ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, para ciência. 

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília, 2 de abril de 2019.

 

HENRIQUE ÁVILA

Conselheiro Relator

Brasília, 2019-10-10.