Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Valtércio de Oliveira

 

Autos: CONSULTA - 0000588-70.2019.2.00.0000
Requerente: GLAUBER DE LUCENA CORDEIRO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

EMENTA. CONSULTA. JUSTIÇA ELEITORAL. JUÍZES ELEITORAIS SUPLENTES DA CLASSE DOS ADVOGADOS. SITUAÇÃO ESPECIAL DA FUNÇÃO. EXERCÍCIO DE COORDENAÇÃO DE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO, MESMO COM FUNÇÃO ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DO ART. 2ª, 1º, DA RESOLUÇÃO CNJ 34/2007. CONSULTA RESPONDIDA.

1. Questiona-se se (1) um juiz membro substituto (suplente) do T.R.E., oriundo da classe dos juristas, havendo compatibilidade regular de horários, pode ser, durante o seu mandato, coordenador de uma pós-graduação stricto sensu em uma faculdade/universidade localizada no mesmo município da sede do Tribunal, quando o mesmo não estiver na titularidade da substituição? (2). No exemplo do caso acima, caso esse juiz substituto (suplente) do T.R.E. esteja no exercício das funções, em substituição ao titular, o mesmo ainda poderia exercer a referida coordenação durante aquele período?

2. Os juízes eleitorais da classe dos advogados possuem status diferenciado em relação aos demais magistrados, quer de carreira, quer oriundos do quinto inconstitucional. Isso porque a Constituição Federal (art. 120, § 1º, inc. III, c/c art. 121, § 2ª) conferiu a eles uma temporária vinculação com a estrutura orgânica do Poder Judiciário.

3. “A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição”. (ADI 1105/DF e ADI 1127/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 17.5.2006)

4. “A função judicante exercida pelos membros dos Tribunais Eleitorais pertencentes à classe dos advogados não se enquadra no conceito de magistratura de carreira, seja por sua natureza temporária, com a imediata desvinculação do Poder Judiciário tão logo sobrevenha o término do biênio constitucional, seja porque, muito embora prestem relevante serviço ao Estado Democrático de Direito, não o fazem com dedicação exclusiva.” (Ac de 17.11.2015 no PA nº 48217, rel. Min. Dias Toffoli.)

5. aos juízes suplentes da Justiça eleitoral, há uma mera expectativa de convocação para substituição de membro titular, de forma contingenciada, ou seja, que poderá ocorrer ou não, inexistindo garantia ou direito público subjetivo de convocação (art. 28, § 5º, do Código Eleitoral). Ademais, as convocações dos suplentes se dão de forma circunstancial, o que denota uma situação jurídica de vínculo com o Poder Judiciário mais especial ainda. Ou seja, se a ligação do juiz eleitoral titular da classe dos advogados com o Poder Judiciário é mitigada, a do suplente é ainda mais tênue.

6. A vedação contida no art. 2º, § 1º, da Resolução CNJ nº 34/2007, que diz ser vedado o desempenho de cargo ou função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino, não se aplica a estes juízes substitutos, na medida em que é totalmente desproporcional fazer tal vedação àquele que será eventualmente convocado ou, às vezes, nem convocado será, para substituir o titular.

7. Resposta aos questionamentos: os juízes suplentes dos TRE´s, oriundos da classe dos juristas, enquanto ostentarem a condição de substituto, podem ser, durante o seu mandato, coordenador de curso de pós-graduação stricto sensu em faculdade/universidade localizada no mesmo município da sede do Tribunal, ainda que exerçam atividades administrativas, não se aplicando a eles o art. 2, § 1º, Resolução CNJ nº 34/2007.

 

8. Consulta respondida.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 16 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

 

RELATÓRIO

1.                     Trata-se de Consulta encaminhada por GLAUBER DE LUCENA CORDEIRO solicitando a este Conselho esclarecimentos sobre dúvidas surgidas na aplicação do art. 2º, § 1º, da Resolução CNJ nº 34/2007, que veda o desempenho de cargo ou função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino, aos juízes eleitorais da classe dos advogados.

2.                    Para tanto o consulente faz os seguintes questionamentos:

QUESTÃO ARGUIDA Nº 1. Um juiz membro substituto (suplente) do T.R.E., oriundo da classe dos juristas, havendo compatibilidade regular de horários, pode ser, durante o seu mandato, coordenador de uma pós-graduação stricto sensu em uma faculdade/universidade localizada no mesmo município da sede do Tribunal, quando o mesmo não estiver na titularidade da substituição?

QUESTÃO ARGUIDA Nº 2. No exemplo do caso acima, caso esse juiz substituto (suplente) do T.R.E. esteja no exercício das funções, em substituição ao titular, o mesmo ainda poderia exercer a referida coordenação durante aquele período? 

3.                     Tendo em vista a repercussão do pedido no âmbito da Justiça Eleitoral, determinei a oitiva de todos os tribunais regionais eleitorais para que, se assim preferissem, encaminhassem manifestações sobre os termos da consulta (Despacho Id 3538746), o que fora atendido substancialmente por diversos tribunais regionais eleitorais.

É o relatório.

 

 

VOTO

4.                     A dúvida suscitada nos autos cinge-se em perquirir se “Um juiz membro substituto (suplente) do T.R.E., oriundo da classe dos juristas, havendo compatibilidade regular de horários, pode ser, durante o seu mandato, coordenador de uma pós-graduação stricto sensu em uma faculdade/universidade localizada no mesmo município da sede do Tribunal, quando o mesmo não estiver na titularidade da substituição?” e se “No exemplo do caso acima, caso esse juiz substituto (suplente) do T.R.E. esteja no exercício das funções, em substituição ao titular, o mesmo ainda poderia exercer a referida coordenação durante aquele período?”.

5.                     Inicialmente, deve-se assentar que os juízes eleitorais da classe dos advogados possuem status diferenciado, mas não menos importante, em relação aos demais magistrados, quer de carreira, quer oriundos do quinto inconstitucional. Isso porque a Constituição Federal (art. 120, § 1º, inc. III, c/c art. 121, § 2ª) conferiu a eles uma temporária vinculação com a estrutura orgânica do Poder Judiciário. Disso, naturalmente, resulta-se em uma situação especial de prestação pessoal da função judicativa e assim deve ser tratado quanto aos direitos e deveres aplicáveis aos magistrados, tomando-se em consideração as especificidades da função prestada pelos juízes eleitorais da classe dos advogados.

                        Essa “categorização” especial, inclusive, é validada pelo STF e pelo TSE, isto é, no sentido de que esses juízes não se enquadram no conceito de magistratura de carreira. Com efeito, enquanto a Suprema Corte decidiu que os juízes eleitorais da classe dos advogados não estariam, por esta condição, impedidos de continuar o exercício da advocacia, o Tribunal Superior Eleitoral recusou o enquadramento desses juízes equiparável à categoria dos magistrados carreiras, advindo daí todas as diferenciações possíveis.

A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição”. (ADI 1105/DF e ADI 1127/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 17.5.2006)

“Consulta. Tribunais regionais eleitorais do rio grande do norte (TER/RN) e de goiás (TRE/GO). Conhecimento. Processo administrativo. Ajuda de custo para moradia. Membros da classe dos advogados (juristas). Não cabimento. Vantagem. Privativa. Carreira. Magistratura. Art. 65, II, da Lei Complementar nº 35/79 - LOMAN. Resolução CNJ nº 199/2014. 1. A função judicante exercida pelos membros dos Tribunais Eleitorais pertencentes à classe dos advogados não se enquadra no conceito de magistratura de carreira, seja por sua natureza temporária, com a imediata desvinculação do Poder Judiciário tão logo sobrevenha o término do biênio constitucional, seja porque, muito embora prestem relevante serviço ao Estado Democrático de Direito, não o fazem com dedicação exclusiva. 2. Não há que se confundir as garantias conferidas aos magistrados, notadamente as estabelecidas no art. 95 da Carta Magna, com os benefícios e vantagens de natureza indenizatória, cuja percepção está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos. 3. Processo Administrativo resolvido no sentido de declarar indevida a ajuda de custo para moradia aos membros da classe dos advogados que atuam na Justiça Eleitoral. (Ac de 17.11.2015 no PA nº 48217, rel. Min. Dias Toffoli.)

6.                     Sendo assim, é também importante destacar que, especificamente aos juízes suplentes da Justiça eleitoral, há uma mera expectativa de convocação para substituição de membro titular, de forma contingenciada, ou seja, que poderá ocorrer ou não, inexistindo garantia ou direito público subjetivo de convocação (art. 28, § 5º, do Código Eleitoral). Ademais, as convocações dos suplentes se dão de forma circunstancial, o que denota uma situação jurídica de vínculo com o Poder Judiciário mais especial ainda. Ou seja, se a ligação do juiz eleitoral titular da classe dos advogados com o Poder Judiciário é mitigada, a do suplente é ainda mais tênue.

7.                     Com isso, a Resolução CNJ nº 34/2007 não é totalmente aplicável aos juízes suplentes da classe dos juristas. Isso porque esta Resolução do CNJ tem por escopo a normatização da regra constitucional inscrito no art. 95, parágrafo único, inc. I, da Constituição Federal, uma vez que esta vedação apenas tem sentido na medida em que os magistrados possuam vínculo estável, permanente e duradouro com o Poder Judiciário, com dedicação exclusiva.

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

.                       Não faria qualquer sentido, e este não foi a intenção do legislador constituinte, conferir os mesmos status dos magistrados de carreira aos juízes eleitorais suplentes da classe dos advogados, que mantém um vínculo altamente contingenciado, esporádico e eventual com o Poder Judiciário, com o fim de retirar desses advogados a possibilidade de exercício de cargos no magistério, ainda que de cunho administrativo, o que se pode perceber, inclusive, da inteligência das decisões do STF e do TSE acima colecionadas.

.                       Assim, de modo evidente, a vedação contida no art. 2º, § 1º, da Resolução CNJ nº 34/2007, que diz ser vedado o desempenho de cargo ou função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino, não se aplica a estes juízes substitutos, na medida em que é totalmente desproporcional fazer tal vedação àquele que será eventualmente convocado ou, às vezes, nem convocado será, para substituir o titular.

.                       A toda evidência, a Resolução CNJ nº 34/2007 tem sua razão de existir na esteira da necessidade de que o magistrado de carreira se ocupe prioritariamente de suas funções jurisdicionais, com o intuito de evitar dispersões, ausências injustificadas e prejuízo à prestação jurisdicional. Com isso em mente, o mesmo não pode ser cobrado dos juízes suplentes da classe dos advogados, sob pena de se transmudar um vínculo eventual e esporádico em um vínculo permanente, o que pode trazer reflexos sensíveis e desnecessários de ordem financeira em prejuízo dos tribunais.  

.                       Quanto à questão da compatibilidade de horários para o exercício da judicatura, os juízes suplentes têm a percepção da função desempenhada, razão pela qual, ao ter aceitado o encargo da suplência e ao ser convocado para substituir o titular, deverá atender o pedido, sob pena de ter este vínculo, ainda que bastante tênue, desfeito.

.                       Ademais, os impedimentos e suspeições, quando do exercício da função, estão preservados em relação aos juízes eleitorais suplentes da classe dos advogados, porque aí se têm regras atinentes ao estrito exercício da função jurisdicional.

8.                     En passant, para além do entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1105/DF e ADI 1127/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17.5.2006, pode-se entender que a vedação imposta no art. 2º, § 1º, da Resolução CNJ nº 34/2007 não se aplica nem mesmo aos juízes titulares oriundos da advocacia. Ora, se a eles é permitido exercer a advocacia concomitantemente com a função de juiz eleitoral, com mais possibilidade ainda podem exercer a função administrativa ou técnica em estabelecimento de ensino. Contudo, como a questão envolvendo os juízes titulares oriundos da classe dos advogados não se trata do objeto desta demanda consultiva, apenas deixo registrado o entendimento, sem o prejuízo de melhor juízo da matéria quando for necessário.

8.                     Ante o exposto, CONHEÇO da consulta realizada e respondo queos juízes suplentes dos TRE´s, oriundos da classe dos juristas, enquanto ostentarem a condição de substituto, podem ser, durante o seu mandato, coordenador de curso de pós-graduação stricto sensu em faculdade/universidade localizada no mesmo município da sede do Tribunal, ainda que exerçam atividades administrativas, não se aplicando a eles o art. 2, § 1º, Resolução CNJ nº 34/2007”.

É como voto.

Intime-se o consulente.

Intimem-se todos os tribunais regionais da Justiça Eleitoral, para efeitos do disposto no art. 89, § 2º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

Após, arquive-se.

 

VALTÉRCIO DE OLIVEIRA 

Conselheiro Relator

 

Brasília, 2019-08-20.