Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007349-88.2017.2.00.0000
Requerente: MOISES REATEGUI DE SOUZA
Requerido: CARMO ANTONIO DE SOUZA

 


 

EMENTA  


RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO. CONTROLE DE ATO DE CONTEÚDO JURISDICIONAL.  DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DO CNJ. ART. 103-B, § 4º, DA CF. 

1. É inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou provas que demonstrem ter o magistrado, no exercício da atividade judicante, descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às exigências éticas da magistratura.

2. A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

3. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF.

4. A alegação do reclamante de que está sofrendo perseguição do desembargador reclamado não encontra respaldo nos elementos constantes dos autos, os quais não apontam, sequer por indícios, tal ocorrência.

Recurso administrativo improvido.

S34

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 22 de março de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007349-88.2017.2.00.0000
Requerente: MOISES REATEGUI DE SOUZA
Requerido: CARMO ANTONIO DE SOUZA


RELATÓRIO 

 

          

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

Cuida-se de recurso administrativo interposto por MOISÉS REATEGUI DE SOUZA contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça.

A reclamação disciplinar foi formulada pelo ora recorrente contra Carmo Antônio de Souza, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá – AP, sob a alegação de que estaria sofrendo perseguição em virtude de ter prestado depoimento no Inquérito n. 779/STJ, que tramitava perante o Superior Tribunal de Justiça e que tinha por finalidade apurar a existência de associação criminosa com núcleo sediado no Tribunal de Justiça e no Ministério Público do Amapá, onde estariam praticando corrupção, prevaricação e outros delitos contra a administração pública.

Afirmou, ainda, que propôs reclamação disciplinar em desfavor da magistrada Alaíde Maria de Paula (RD n. 2641-63.2015), a qual foi arquivada pela Corregedoria Nacional de Justiça em razão de “ludíbrio” e “tramoia” por parte do reclamado, que então exercia o cargo de Corregedor-Geral da Justiça do Amapá.

Requereu a instauração de processo administrativo disciplinar e, nos processos em que figure como parte, o impedimento do desembargador reclamado de atuar ou seu afastamento da atividade jurisdicional no curso do PAD, aplicando-se, ao final, a sanção administrativa cabível.

Instado a se manifestar, o desembargador reclamado refutou todas as alegações constantes da reclamação, apresentando os seguintes esclarecimentos:

 

“Analisando a inicial e os documentos que a instrui, verifico que o reclamante descreve 06 (seis) situações como atentatórias à dignidade da magistratura.

Nas quatro primeiras hipóteses, afirmou que proferi inverdades, isto é, menti deliberadamente para o fim de, respectivamente: condená-lo na ação penal originária 0000801-67.2014.8.03.0000; afastá-lo do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa do Amapá no processo 0001877-97.2012.8.03.0000; induzir o CNJ a arquivar representação sua contra a Juíza Alaíde Maria de Paula no feito 2641-63.2015 e negar-lhe reintegração à Presidência da Assembleia Legislativa nos autos 0000930-04.2016.8.03.0000.

Sustentou, também, que desrespeitei decisão transitada em julgado proferida nos autos 0000776-25.2012.8.03.0000, para, dessa forma, condená-lo nos processos 0000801-67.2014.8.03.0000 e 0001876-15.2012.8.03.0000. Afirmou que alimento ódio e rancor contra ele, em razão de vazamento de vídeo contendo depoimento prestado no inquérito 779/STJ, para estrategicamente negar-lhe direito e condená-lo deliberadamente.

Cumpre registrar que não proferi qualquer inverdade no exercício da função, muito menos agi deliberadamente movido por sentimentos que retirassem a imparcialidade necessária para analisar as causas submetidas a minha apreciação. Portanto, ressalto que jamais proferi mentiras para:

1) Condenar o reclamante na ação penal originária 0000801-67.2014.8.03.0000;

2) Afastá-lo do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa do Amapá no processo 0001877-97.2012.8.03.0000;

3) Induzir o CNJ a arquivar representação sua contra a Juíza Alaíde Maria de Paula no feito 2641-63.2015;

4) Negar-lhe reintegração à Presidência da Assembleia Legislativa nos autos 0000930-04.2016.8.03.0000;

5) Desrespeitar decisão transitada em julgado proferida nos autos 0000776.25.2012.8.03.0000, para o fim de condená-lo nos processos 0000801-67.2014.8.03.0000 e 0001876-15.2012.8.03.0000, ou

6) Negar-lhe quaisquer direitos.

De todo o exposto, observa-se claro inconformismo do requerente contra decisões judiciais, por vezes colegiadas, contrárias aos seus interesses. A versão narrada é destituída de elemento probatório. Não há comprovação de qualquer atitude atentatória à dignidade do cargo que ocupo ou mesmo qualquer indício de discriminação injusta ou arbitrária em relação a qualquer jurisdicionado, o que revela a manifesta improcedência do expediente.

Os próprios elementos de prova apresentados na inicial são, na maioria, cópias de pronunciamentos judiciais e de documentos extraídos de processos que, por si sós, ao contrário do que pretende o reclamante, depõem contra a interpretação dos fatos produzida por ele.

Portanto, percebe-se que o intuito do requerente é apenas fazer crer que há animosidade e, ainda, gerar discussão por meio de revolvimento de matéria eminentemente jurisdicional, passível de recurso próprio”.

 

Em 18/12/2017, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento do procedimento, sob os seguintes fundamentos:

 

“O presente procedimento merece arquivamento.

Inicialmente, observa-se não ser passível de rediscussão, no presente feito, o resultado da Reclamação Disciplinar n. 0002641-63.2015.2.00.0000, formulada pelo reclamante Moisés Reategui de Souza e outros em desfavor da Magistrada Alaíde Maria de Paula. Caso insatisfeito, caberia ao reclamante insurgir-se contra a decisão de arquivamento no prazo, meio e modo próprios.

No mais, verifica-se que a irresignação refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

É certo que o postulante tenta fazer crer que o reclamado age com parcialidade. Contudo, se a conduta do magistrado, eventualmente, revelar indício de suspeição, capaz de afastá-lo do julgamento do processo, a questão deve ser tratada na esfera jurisdicional, mediante arguição de suspeição, nos termos da lei.

Assim, pelas razões constantes da inicial, fica claro que o inconformismo do requerente é contra o conteúdo de decisões judiciais contrárias a seus interesses. A decisão judicial, monocrática ou colegiada, muitas vezes não agrada a uma das partes. Para esses casos, existem recursos.

Outro ponto que merece destaque é a alegação de perseguição por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Amapá, culminando em condenações criminais do requerente.

Ora, com o devido respeito, não há nos autos base para tal alegação. Eventuais reclamações contra membros do Ministério Público devem ser formuladas ao órgão competente. Contra as condenações judiciais, o requerente poderá recorrer, a tempo e modo, na esfera própria.

Ante o exposto, sem prejuízo da análise de fato novo ou de insurgência de algum interessado, determino o arquivamento do presente expediente”. 

 

Em 5/2/2018, o reclamante apresentou recurso administrativo contra a decisão que determinou o arquivamento da reclamação, aduzindo, em síntese, o seguinte:

 

“Em curso perante o Conselho Nacional de Justiça alguns PADs – Processo Administrativo Disciplinar – envolvendo desembargadores do Amapá em que a matéria objeto da apuração possui nítida feição jurisdicional. Confira-se em anexo. Há ainda, outros tantos magistrados que foram punidos pelo CNJ por atos praticados na jurisdição. Este precedente merece detida reflexão do colegiado.

O recorrente não se associa ao entendimento de que o tema abrangido na representação deva ser enfrentado EXCLUSIVAMENTE na via jurisdicional, pois, nesta hipótese, afetaria o postulado da ‘autonomia das instâncias’

A prevalecer o raciocínio da decisão recorrida, estaríamos diante da prejudicialidade do procedimento disciplinar quando o ato resultar de viés jurisdicional, ou seja, um salvo conduto para o magistrado, na jurisdição, praticar toda sorte de abusos, sem correr o risco de ser molestado disciplinarmente.

Com isso, esvaziaríamos o PAD – que somente seria admissível na restrita hipótese da conduta não ter sido perpetrada na jurisdição.

Na compreensão do recorrente, esses institutos não são excludentes, pelo contrário, são integrativos. Na via recursal jurisdicional, corrige-se ato extravagante e na reclamação disciplinar apura-se a repercussão na esfera disciplinar”.


É, no essencial, o relatório.

 

S34

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007349-88.2017.2.00.0000
Requerente: MOISES REATEGUI DE SOUZA
Requerido: CARMO ANTONIO DE SOUZA

 

 

VOTO

 

                 O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

   

O recurso administrativo reúne condições de conhecimento visto que preenchidos os requisitos do art. 115, §§ 1º e 2º, do RICNJ.

Das razões trazidas na inicial da presente reclamação disciplinar, constata-se que o postulante tenta fazer crer que o desembargador reclamado decidiu de modo contrário ao dever de imparcialidade previsto no Código de Ética da Magistratura.

Todavia, o seu inconformismo voltou-se ao conteúdo das decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis.

Se a conduta do magistrado, eventualmente, revelar indício de suspeição, capaz de afastá-lo do julgamento do processo, a questão deve ser tratada na esfera jurisdicional, mediante arguição de suspeição, nos termos da lei.

Dessa forma, o inconformismo com decisão judicial contrária ao interesse do litigante deve ser resolvido por meio da impugnação recursal cabível.

O ordenamento jurídico disponibiliza os meios recursais próprios para o alcance dos objetivos almejados pela parte vencida em ação judicial, não cabendo a atuação do CNJ na esfera jurisdicional, tampouco a punição de membros do Poder Judiciário por manifestações e conclusões adotadas no exercício de seu mister precípuo (art. 41 da LOMAN).

Mesmo invocações de error in judicando não ensejam atividade censória, salvo exceções pontualíssimas nas quais se reconheça, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida, o que também não se verifica na hipótese dos autos.

Assim, adentrar o mérito das decisões judiciais representaria a indesejável interferência do Conselho Nacional de Justiça no rol das competências atribuídas exclusivamente aos órgãos do Poder Judiciário investidos de jurisdição.

É pacífica a orientação do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de ser vedado o controle de ato de conteúdo judicial, mesmo que para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade. Nesses termos, são vários os precedentes desse Conselho, dos quais se destaca o seguinte:


 

“RECURSO ADMINISTRATIVO NO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS A ENSEJAR A REFORMULAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA.  RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Insurgência contra ato de caráter jurisdicional.

2. A atuação constitucional deste Conselho se limita às questões administrativas e/ou financeiras do Poder Judiciário Nacional, não sendo autorizado a manifestar-se relativamente à matéria de cunho jurisdicional.

3. A inexistência de argumentos suficientes a alterar a decisão monocrática recorrida impede o provimento do recurso administrativo.

4. Recurso administrativo conhecido e não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0002893-32.2016.2.00.0000 - Rel. GUSTAVO TADEU ALKMIM - 23ª Sessão Virtualª Sessão - j. 23/06/2017)”.


Reafirma-se, portanto, que a competência do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade.

O art. 103-B, § 4º, da Constituição vigente, prevê, de modo rígido, a prerrogativa do CNJ de “apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário” (inciso II).

Em consequência, o exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção deste Conselho, que tampouco detém competência para emitir juízo de valor sobre as decisões proferidas em processo judicial.

Por sua vez, não há nos autos qualquer indício que demonstre que o desembargador reclamado, no exercício da atividade judicante, tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às exigências éticas da magistratura, motivo pelo qual não há subsídios para fazer prosseguir a presente reclamação disciplinar.

Dessa forma, deve ser mantida a decisão de arquivamento do feito ante a impossibilidade de atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça no controle jurisdicional de atos de cunho decisório proferidos por juiz competente nos autos de ação judicial.

Ademais, considerando que o recorrente se limitou a reiterar os mesmos argumentos e alegações iniciais, já exaustivamente apreciados, não apresentando fatos novos capazes de infirmar os fundamentos da decisão de arquivamento, não merece reforma o decisum que determinou o arquivamento da presente reclamação. 

É perfeitamente perceptível que a presente reclamação disciplinar traduz simples descontentamento do requerente com atos decisórios, cujo acerto ou desacerto, por não se identificarem com matéria suscetível de controle administrativo pelo CNJ, devem ser submetidos a julgamento na instância competente, por meio de instrumentos processuais próprios.

As reclamações disciplinares não devem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, mas sim em situações necessariamente palpáveis e comprováveis.

O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir nas decisões judiciais em comento – ainda que proferidas por magistrado tido por suspeito e/ou impedido – para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto. 

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça  

 

S28/Z10/S34


Brasília, 2019-04-30.