Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001554-33.2019.2.00.0000
Requerente: ASSOCIACAO DE EDUCACAO, CULTURA, PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CONTRIBUINTE E MEIO AMBIENTE DO BRASIL
Requerido: MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO

 

 

EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA OU DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE INJUSTIFICADA NA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO. RECURSO NÃO PROVIDO.


1.
Irresignação acerca de conteúdo de decisão judicial deve ser impugnada na própria jurisdição.  

2. A fundamentação das decisões, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar.

3. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual, a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões.

4. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional.

5. mesmo invocações de error in iudicando e error in procedendo  não se prestam a desencadear atividade censória, salvo exceções pontualíssimas, donde se extraia, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta. 

6. eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional.

7. Ausência de morosidade injustificada na tramitação do feito, haja vista a prática de atos processuais reiterados em lapso temporal razoável.

8 Ausência de comprovação de infringência dos deveres funcionais dos magistrados. 

Recurso administrativo improvido.   

 

 

J01/S05/S13

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 16 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001554-33.2019.2.00.0000
Requerente: ASSOCIACAO DE EDUCACAO, CULTURA, PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CONTRIBUINTE E MEIO AMBIENTE DO BRASIL
Requerido: MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO


RELATÓRIO

 

          

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 
  
 

Cuida-se de recurso administrativo interposto pela ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO, CULTURA, PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CONTRIBUINTE E MEIO AMBIENTE DO BRASIL – ADECAMBRASIL contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça (Id. 3591002).    

Na petição inicial, a requerente, ora recorrente, insurgiu-se contra a atuação do Juiz da 8ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Belém – PA MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO na condução da Ação Civil Pública n. 0848169-61.2018.8.14.0301, que tem por objeto a irregularidade no sistema de faturamento de consumo de energia elétrica utilizado pela concessionária CELPA – Centrais Elétricas do Pará S.A.

Sustentou que a decisão inicial proferida pelo magistrado resultou em ilegal e inovadora exigência de recolhimento de custas iniciais, em violação do art. 18 da Lei n. 7.347/85 e do art. 87 da Lei n. 8.078/90; impedimento de prosseguimento da ação diante da ausência do recolhimento de custas indevidamente cobradas; impedimento de atuação do Ministério Público Estadual como parte e como custos legis; e procrastinação da ação com a protelação na apreciação do pedido liminar.

Esclareceu que referido despacho foi posteriormente retificado pelo magistrado, ocasião em que foram dispensadas as custas processuais e em que foi indeferido o pleito liminar. No mais, determinou-se a manifestação das partes acerca do interesse na conciliação inicial e, em caso negativo, a conclusão dos autos para designação de audiência.

Em relação ao último ato processual, entendeu que o magistrado inovou o rito processual ao determinar a intimação antes mesmo da citação da ré, de forma a violar o devido processo legal.

Apontou ainda erro procedimental acerca da designação das audiências de conciliação e instrução.

Por fim, aduziu que estaria pendente a apreciação de petição protocolada, informando acerca da interposição de agravo de instrumento contra a segunda decisão proferida e requerendo a retratação do juízo requerido.

Requereu a concessão de medida cautelar para que fosse determinado o afastamento preventivo do magistrado requerido, o deferimento de qualquer medida adequada à gravidade do caso, bem como para que fosse instado o Ministério Público Estadual ou Federal para apuração de eventual ilícito penal relacionado ao caso. No mérito, a apuração dos fatos narrados com a instauração de processo administrativo disciplinar.

Analisados o requerimento inicial e os documentos juntados, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento sumário do expediente, porquanto flagrantemente jurisdicional a questão apresentada, bem como ausentes elementos probatórios mínimos de falta funcional praticada por membro do Poder Judiciário, que justificassem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria (Id. 3576028).   

Inconformada, a requerente, ora recorrente, apresentou, tempestivamente, recurso administrativo repisando os argumentos expedidos na inicial (Id. 3591002).   

Em suas razões, reitera toda argumentação quanto à ilegalidade de decisões proferidas pelo magistrado, que teriam violado os princípios da imparcialidade, do contraditório e da ampla defesa, bem como possível morosidade na tramitação processual.

Defende que a impossibilidade de revisão de atos de natureza jurisdicional não se confunde com a apreciação disciplinar quanto ao não atendimento, pelo magistrado reclamado, dos deveres insertos no regime jurídico da magistratura.

Assim, sustenta que as provas constantes dos autos de que ocorreram graves erros procedimentais no curso da demanda são suficientes para ativar a atuação correcional, pois ultrapassam a esfera judicial e evidencia desvio de conduta.

Requer o provimento do recurso para adoção das providências requeridas no requerimento inicial.

É, no essencial, o relatório.   

   

J01/S05 /S13

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001554-33.2019.2.00.0000
Requerente: ASSOCIACAO DE EDUCACAO, CULTURA, PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CONTRIBUINTE E MEIO AMBIENTE DO BRASIL
Requerido: MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO

 


VOTO         

 

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):    

Após análise das razões recursais subsiste a conclusão de que a pretensão da recorrente se direciona à revisão de atos de natureza estritamente jurisdicional, sem repercussão disciplinar.  

A rigor, a recorrente alega, equivocadamente, que os supostos desacertos das decisões proferidas nos autos do processo citado, por si sós, configuram desvio de conduta e enseja punição administrativa do magistrado.   

Ocorre que o liame que a recorrente tenta traçar entre a conduta do magistrado e eventual repercussão disciplinar está ligado tão somente ao conteúdo da decisão judicial e em sua subjetiva convicção de que esta foi proferida em dissonância com a legislação vigente e a jurisprudência. 

No caso, a fundamentação da decisão, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual, a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões.   

Em verdade, depreende-se das alegações que a recorrente se vale da presente reclamação para tentar desconstituir manifestação judicial contrária aos seus interesses e alcançar provimento jurisdicional favorável, o que não é admitido na via correcional.   

Assim como consignado na decisão recorrida, a solução de eventual equívoco jurídico incorrido pelo julgador na condução do processo ou provimento de natureza judicial deve ser buscada na jurisdição, e não, pela via correcional, que se restringe, nos termos do art. 103-B, §4º, da Constituição Federal, "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".  

Como sabido, mesmo invocações de error in iudicando e error in procedendo, como se faz na hipótese, não se prestam a desencadear atividade censória, salvo exceções pontualíssimas, donde se extraia, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica.  

Ressalta-se neste ponto que eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. 

Imiscuir-se no mérito da questão tratada representaria a indesejável interferência do Conselho Nacional de Justiça no rol das competências atribuídas exclusivamente aos órgãos do poder judiciário investidos de jurisdição.    

Nesse sentido, é o entendimento deste Conselho Nacional:   

“[...]  

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TERATOLOGIA DE ATOS E DECISÕES JUDICIAIS. NÃO VERIFICADA.  MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. RECURSO NÃO CONHECIDO.   

1. O fundamento para se afirmar que um ato ou decisão judicial é teratológico não está submetido aos critérios subjetivos e passionais das partes, mas sim se o ato está fora do limite do razoável e incompreensível dentro do ambiente da racionalidade do sistema, o que não foi demonstrado pelo recorrente, que apenas narrou a sua discordância e posição jurídica acerca do andamento do processo judicial;   

2. Eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial teratológico, muito menos para justificar intervenção correcional;    

3. A solução de eventual equívoco jurídico de magistrado na condução do processo deve ser buscada na jurisdição.   

4. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88) impede-o de apreciar questão discutida em sede jurisdicional.   

5. Recurso não provido. [...]”   

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0009341-84.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 49ª Sessão Extraordinária - j. 14/08/2018 ).   

      

Consigne-se, ademais, que a Ação Civil Pública n. 0848169-61.2018.8.14.0301 tem recebido impulso oficial em razoável lapso temporal, tendo sido registrada a devolução de mandado cumprido em 16/4/2019 e certificado o decurso do prazo para manifestação da parte requerida na demanda em 4/5/2019.  

Por fim, não há nos autos indícios da prática de infração disciplinar pelo juízo requerido, suficientes para deflagrar a atuação correcional.  

Portanto, o recurso administrativo interposto não logrou êxito em infirmar a decisão de arquivamento, razão pela qual não merece prosperar.  

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.  

É como penso. É como voto. 

  

MINISTRO HUMBERTO MARTINS  

Corregedor Nacional de Justiça  

 

J01/S05 /S13 

 

 

Brasília, 2019-08-28.