Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003111-55.2019.2.00.0000
Requerente: PAULO FELIZARDO PRIMO e outros
Requerido: ÉRICA MIDORI SANADA e outros

 

 

EMENTA    

 

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Irresignação acerca de conteúdo de decisão judicial deve ser impugnada na própria jurisdição. 

2. A fundamentação das decisões, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar, impondo-se o arquivamento sumário.

3. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões.

4. Invocações de error in iudicando e error in procedendo não se prestam a desencadear atividade censória, salvo exceções pontualíssimas, donde se extraia, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida tal decisão.

5. Eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional.

6. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional.

7. Apuração de eventual conduta irregular imputável a membro da Procuradoria da Fazenda Nacional refoge da competência deste Conselho.

8. Ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais dos magistrados.  

Recurso administrativo improvido.     

 

J01/Z10/S13

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 20 de setembro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Iracema Vale, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Candice L Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votaram, em razão da vacância dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003111-55.2019.2.00.0000
Requerente: PAULO FELIZARDO PRIMO e outros
Requerido: ÉRICA MIDORI SANADA e outros


RELATÓRIO


        

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 
   
 

Cuida-se de recurso administrativo interposto por M.M. & PRIMO COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES EIRELI e PAULO FELIZARDO PRIMO contra decisão de arquivamento proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça (Id. 3636027).     

Na petição inicial, os requerentes, ora recorrentes, insurgiram-se contra a atuação de ÉRICA MIDORI SANADA, Juíza da Vara de Execuções Fiscais do Foro de Várzea Paulista/SP; do DIRETOR DE SECRETARIA DA UNIDADE; e de FABRÍCIA GUEDES DE LIMA BRANDÃO, Procuradora da Fazenda Nacional em Jundiaí/SP, nos autos da Execução Fiscal n. 0004449-06.2005.8.26.065.

Isso porque teriam sido proferidas decisões em desacordo com a legislação vigente e com a jurisprudência dos tribunais superiores, de forma a ensejar a penhora ilegal de valores.

Discorreram acerca das questões de fato e de direito para demonstrarem suas razões, notadamente a ocorrência de error in procedendo na condução dos autos, ensejado por informações inverídicas apresentadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional.

Acrescentaram que o juízo estadual estaria conduzindo irregularmente autos de competência federal.

Ainda sustentaram que as decisões da referida unidade não seriam produzidas pela magistrada e sim pelo Assessor ou Diretor da Vara.

Requereram que fosse deferida medida urgente e acauteladora para suspensão de todas as decisões teratológicas (interlocutória e definitivas) liberando os bloqueios efetuados; que os requeridos fossem impedidos de atuar no feito; e que fosse instaurado processo administrativo disciplinar. No mérito, fosse confirmado o pleito cautelar, imputando aos requeridos as penalidades cabíveis.

Analisados o requerimento inicial e os documentos juntados, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou o arquivamento sumário do expediente, porquanto não verificada justa causa para o prosseguimento da reclamação, em razão da flagrante natureza jurisdicional da questão apresentada, bem como da ausência de elementos probatórios mínimos de falta funcional praticada por membro do Poder Judiciário (Id. 3629911).    

Inconformados, os requerentes, ora recorrentes, apresentaram, tempestivamente, recurso administrativo repisando os argumentos expedidos na inicial (Id. 3636027).    

Em suas razões alegam que a magistrada agiu contra legem ao manter decisão de penhora em desfavor do sócio da executada, efetivada sem qualquer procedimento de desconstituição da personalidade jurídica da empresa. Defendem que o fato é suficiente para atrair a competência correcional.

Esclarecem que não pretendem a revisão de ato de natureza jurisdicional, vez que os recursos cabíveis já se encontram em tramitação nas esferas competentes. Contudo, defendem que o erro in procedendo apontado repercute na esfera administrativo-disciplinar, pois revelam ilegalidade e tumulto processual imputado à magistrada requerida.

Por fim, consideram que a reclamação deve prosseguir em desfavor da magistrada, vez que reconhecida a incompetência do Conselho Nacional de Justiça para apuração da conduta de membro da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Requerem a reconsideração da decisão de arquivamento ou  que seja o presente recurso submetido à análise do Plenário do CNJ.

É, no essencial, o relatório.   

   

J01/Z10/S13



 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003111-55.2019.2.00.0000
Requerente: PAULO FELIZARDO PRIMO e outros
Requerido: ÉRICA MIDORI SANADA e outros

 


VOTO


      

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):    
 

Após análise das razões recursais, subsiste a conclusão de ausência de elementos probatórios mínimos, quanto à alegada falta funcional praticada por membro do Poder Judiciário que justifique a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

Isso porque, equivocadamente, os recorrentes alegam que o suposto desacerto das decisões proferidas pelo juízo requerido, por si só, configura desvio de conduta a ensejar punição administrativa da magistrada.    

Ocorre que o liame que os recorrentes tentam traçar entre a conduta da magistrada e eventual repercussão disciplinar está ligado tão somente ao conteúdo da decisão judicial e em sua subjetiva convicção de que esta foi proferida em dissonância com a legislação vigente e com a jurisprudência majoritária.  

No caso, a fundamentação da decisão, ainda que contrária ao direito reclamado, supre a exigência da motivação das decisões judiciais, não tendo relevância administrativo-disciplinar. O livre convencimento é prerrogativa dos magistrados, segundo o qual a partir da análise do caso concreto e diante das provas apresentadas, têm liberdade para decidir da forma que considerarem mais adequada, obedecidos os limites constitucionalmente impostos para motivação das decisões.   

Como sabido, mesmo invocações de error in iudicando e error in procedendo, como se faz na hipótese, não se prestam a desencadear atividade censória, salvo exceções pontualíssimas, donde se extraia, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica.  

Ressalta-se neste ponto que eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. 

Conforme consignado na decisão recorrida, a solução de eventual equívoco jurídico incorrido pelo julgador na condução do processo deve ser buscada na jurisdição, e não pela via correcional, que se restringe, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".  

Neste sentido é o entendimento deste Conselho Nacional: 
 
 

“[...]
 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TERATOLOGIA DE ATOS E DECISÕES JUDICIAIS. NÃO VERIFICADA.  MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. RECURSO NÃO CONHECIDO.   

1. O fundamento para se afirmar que um ato ou decisão judicial é teratológico não está submetido aos critérios subjetivos e passionais das partes, mas sim se o ato está fora do limite do razoável e incompreensível dentro do ambiente da racionalidade do sistema, o que não foi demonstrado pelo recorrente, que apenas narrou a sua discordância e posição jurídica acerca do andamento do processo judicial;   

2. Eventual divergência na interpretação da lei ou mesmo na aplicação dela, ainda que não seja a melhor, não torna o ato judicial teratológico, muito menos para justificar intervenção correcional;   

3. A solução de eventual equívoco jurídico de magistrado na condução do processo deve ser buscada na jurisdição.   

4. A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da CF/88) impede-o de apreciar questão discutida em sede jurisdicional. 
 5. Recurso não provido. [...]”  (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0009341-84.2017.2.00.0000 –Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 49ª Sessão Extraordinária – j. 14/8/2018.)   

  

No mais, conforme se depreende da referida norma constitucional, a apuração de eventual conduta irregular imputável a membro da Procuradoria da Fazenda Nacional refoge a competência deste Conselho.

Portanto, o recurso administrativo interposto não logrou êxito em infirmar a decisão de arquivamento, razão pela qual não merece prosperar.   

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.   

É como penso. É como voto.  

  

MINISTRO HUMBERTO MARTINS 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

J01/Z10 /S13

 

 

Brasília, 2019-10-01.